Major Fabiana: ‘Disciplina como ferramenta para a vida’

Paulo Oliveira

A major Fabiana Ferreira Guanaes Mineiro ocupa o cargo de coordenadora-geral das escolas modelo CPM desde 2020. Formada na academia da Polícia Militar há 22 anos, possui cursos de especialização em segurança pública e policiamento comunitário. Fora dos quartéis, utiliza as redes digitais para dar dicas de desenvolvimento pessoal, estilo e imagem, graças ao curso feito na École Supérieure de Reelook, em São Paulo.

Em entrevista exclusiva para Meus Sertões, Fabiana fala da importância do processo de escolha de policiais da reserva remunerada que atuam nas equipes disciplinares dos colégios de gestão compartilhada. Revela ainda que 48 comandantes de companhias independentes ou batalhões do interior supervisionam a iniciativa. “Eles são meus olhos” – ressalta.

A major reconhece que o número de pedidos de prefeitos para instalação do projeto aumenta em anos eleitorais porque respalda e dá credibilidade para eles. Com relação às reclamações sobre questões polêmicas, como a criação de disciplina semelhante à Moral e Cívica e OSPB, obrigatórias durante a ditadura civil-militar, e às rigorosas normas de apresentação pessoal, a oficial procura minimizá-las.

Sobre a matéria ministrada pelos coordenadores e tutores disciplinares declara que é “uma conversa, uma transmissão de informações, feita em tempos vagos”. Já sobre as regras que estipulam e uniformizam o corte de cabelos, consideradas excludentes, compara ao código de vestimenta de qualquer empresa ou instituição.

Dentre outros assuntos, Fabiana Guanaes fala sobre a questão de alunos com necessidades especiais e o modelo adotado durante a pandemia de covid-19, quando os tutores foram integrados às salas de aula virtuais.

Quando a senhora assumiu a função?

Assumi em 2020, em plena pandemia. Nesse período, houve uma quebra, uma ruptura no processo. E agora estamos retomando, organizando, reestruturando as escolas porque, com a pandemia, muitos municípios suspenderam os convênios com a PM e os contratos com os policiais da reserva remunerada que faziam parte das equipes disciplinares. Como algumas escolas não estavam funcionando e outras só abriam de 15 em 15 dias, a visão dos prefeitos e prefeitas é de que não tinha necessidade de manter o grupo. Até porque as finanças públicas  foram atingidas. Com a volta às aulas presenciais, muitos foram recontratados.

Quem coordenava a implantação das escolas municipais com o método do Colégio da Polícia Militar antes da senhora?

 O tenente-coronel Albuquerque (Jorge Ricardo Albuquerque). Ele foi promovido ao cargo de coronel e assumiu a direção do Instituto de Ensino e Pesquisa da PM – IEP. Foi ele que, a partir dos manuais dos colégios da Polícia Militar (CPMs), organizou o nosso modelo de gestão compartilhada. O regimento interno, a cartilha do aluno, os manuais de normas de implantação, identidade visual e padrão de uniformes, além de outros documentos estavam prontos. Reorganizar o sistema a partir das demandas que surgem é o que me cabe.

Qual o conceito de uma boa escola para a PM?

O objetivo específico é levar a disciplina como ferramenta de prosperidade, de procura de dias melhores, de comportamentos adequados, no sentido proporcionar a melhoria de vida dos alunos. Muitos desses meninos chegam nas escolas um pouco perdidos. O que nossa equipe disciplinar faz? A gente passa a ideia de liderança no momento que o menino ou a menina está sendo xerife da turma. Ele é o responsável para que os colegas não sujem o ambiente em que se encontram, pela conferência da presença e por entregar a turma para os professores pronta para assistir às aulas. Isso é fundamental para a vida. Não só no meio de escolar. Todos os alunos ocuparão a função, em sistema de rodízio, por uma semana. Existem escolas públicas onde a professora não consegue dar aula. Nos colégios conveniados a diferença é gritante. O tempo pedagógico aumentou, o respeito foi resgatado. As crianças ficam do sexto ao nono ano trabalhando isso, o que gera um hábito para elas e para as famílias delas.

O coronel Anselmo Brandão, ex-comandante da PM, e os tutores disciplinares dizem que o modelo CPM faz o comportamento das crianças e adolescentes melhorar em casa, inclusive.

Eu não vou dizer que são todos que vão ficar ok. Uns vão absorver esse aprendizado, outros não. Então aí a gente vai administrando. Mas essa equipe disciplinar é muito importante para isso. Estamos retomando o processo de escolha dos policiais que farão parte delas.

 

Sargentos Cruz e Ivo e diretora Jandira Barros, de Conceição de Jacuípe. Foto: Linda Gomes

Como esse grupo é a escolhido?

Quando o prefeito solicita a implantação do modelo, é muito importante que se verifique se na região possui policiais da reserva remunerada para atuarem na escola. Normalmente, essa informação é buscada com o comandante e policiais veteranos da companhia que atua naquela cidade. Também fazemos uma investigação sobre a vida pregressa deles, antes de sugerirmos nomes para as prefeituras. A partir daí, o município tem que fazer uma avaliação psicológica e atestar o resultado por escrito. As duas partes têm responsabilidade sobre esses indivíduos, mas quem fará o pagamento deles é a prefeitura. Ela bancará ainda as despesas de estrutura física da unidade escolar, incluindo as portas das salas de aula com visores, a pintura e os uniformes dos alunos.

A ex-prefeita de Campo Formoso, Rose Menezes, responsável pela implantação da primeira escola com o modelo CPM na Bahia, contou que dois ou três policiais não se adaptaram porque eles tinham uma abordagem inadequada para os estudantes. Inclusive foi necessário substituí-los. Como é que vocês atuam nesses casos?

 Hoje em dia o processo de seleção é feito antes. Lá em Campo Formoso, em 2018, tudo era muito novo. Os policiais foram contratados sem investigação e avaliação preliminares. É preciso ter uma conversa com eles e treiná-los. Estou planejando um treinamento mais profundo, que terá psicopedagogo e pedagogo explicando o papel dos tutores disciplinares. Eles não estão mais em um quartel militar. Eles estão trabalhando com crianças, adolescentes. A abordagem, o modo de proceder são totalmente diferentes. Não tem que existir agressividade no falar, nem a prioridade é punir. Se esse trabalho não for feito, foge totalmente a essência do modelo.

Como é composta a equipe disciplinar?

Elas são formadas por PMs da reserva remunerada e por um tenente ou capitão da unidade da região da escola. Esses policiais da ativa estão diretamente ligados comigo. Eles são os meus olhos. É para eles que eu peço relatórios, informações e que treinem os tutores. Eles são a essência do modelo. Embora não estejam nas escolas, coordenam a equipe disciplinar por fora, mantendo o controle do que ocorre nos colégios. É para eles que a diretora pedagógica e a secretária de educação devem se dirigir quando houver necessidade. O contrato de parceria prevê que o comandante da companhia ou do batalhão têm que estar à frente do processo, mas ele pode designar oficial subordinado para esta missão.

Quantos comandantes estão ligados à senhora?

Hoje são 48  espalhados pela Bahia. Eles respondem ao modelo CPM diretamente para mim. Nas escolas, as equipes são formadas por um diretor disciplinar, um coordenador e tutores, na proporção de um para cada 105 alunos. O tutor é a figura que fica nos corredores, verificando se o aluno foi mesmo ao banheiro, se retornou, se o portão está aberto e alguém saiu ou entrou, se estão vendendo alguma coisa no colégio. Eles usam fardamento – calça e camisa polo – e andam desarmados. Eles estão ali para passar a disciplina como ferramenta para a vida e não para fazer segurança pública. É preciso ressaltar que a dificuldade para conseguir policial da reserva é gigantesca. Por isso, muitas escolas e prefeituras não estão conseguindo implantar o modelo. Tem PMs da reserva que não querem fazer mais nada e outros que não têm o perfil adequado.

Quais as patentes dos oficiais da equipe disciplinar?

Vai de soldado a tenente-coronel. Coronel fechado não tem. A grande massa é de sargentos e subtenentes. Para ser diretor disciplinar precisa ter visão de gestão e de liderança

Quantos policiais da reserva atuam no projeto?

Tínhamos um total de 466 policiais[1] na Bahia antes da pandemia. Agora não tenho como precisar porque ainda estamos contratando, conversando com as prefeituras, verificando se tem policial. Eles atendiam mais de 50 mil alunos nesse período.

Por que não tem policiais femininas na equipe disciplinar?

Porque são pouquíssimas policiais femininas[2] da reserva e a maioria não quer essa função. Na verdade, só temos uma hoje, mas eu não me recordo em qual município.

Uma escola pode dar início ao modelo CPM antes de todas as exigências serem cumpridas?

Pode. Nós fizemos um portfólio explicando que o sistema é destinado ao ensino fundamental II, com alunos na faixa etária dos 11 aos 14 anos. O município interessado na implantação, depois que assina o convênio, tem 180 dias para atender as exigências da estrutura física e do uniforme dos alunos. Nesse período de transição, até porque tem os processos de licitação, os alunos podem usar camisa branca e calça jeans, por exemplo.

Quantas escolas implantaram ou pretendem implementar esse modelo?

Hoje são 98 escolas em 86 cidades. Há outras 18 em processo de implantação – algumas previstas para 2022 – em 13 municípios diferentes e dois que já possuem o modelo. Há um caso de desistência [3].

Já é possível ter uma avaliação da experiência iniciada em 2018?

 Nós verificamos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos alunos no período 2018 e identificamos 75% de elevação. Isto significa que nem todos atingiram a meta, mas que houve melhora de desempenho. Com a pandemia, tudo foi zerado. No ano seguinte, o percentual de melhora foi menor. No entanto, constatamos o aumento do tempo e da qualidade do ensino, além da redução da evasão. Os estudantes se evadiam porque não achavam as aulas interessantes.

Mas vários alunos mudam de escola quando o método militar é implantado.

Saem aqueles que não querem o modelo. Não tem por que ficar. A gente só faz a implantação do modelo se o município declarar por escrito que tem outra escola do fundamental II na região. Por que isso? Para dar poder de escolha ao aluno ou aos pais quanto a demonstrar se eles não se identificam com esse regime. Não queremos que o método CPM seja sofrimento ou punição.

A senhora pode citar outras consequências da participação de PMs na disciplina escolar?

A redução da violência nas imediações das escolas. Antes, as imediações ficavam repletas de ambulantes. A gente  não sabia se  eles realmente vendiam doces ou se era algum tipo de droga. Isso acabou. Eles foram embora. Há melhorias também quanto à violência na área onde o colégio está inserido, quanto à interação pais e filhos e à autoestima dos alunos. Eles se sentem diferenciados só de botarem o uniforme e saírem à rua.

O que acontece quando só tem uma escola de ensino fundamental II?

Nesse caso, quando o prefeito insiste, pergunto qual a escola do mesmo nível de ensino mais próxima do distrito onde ela será instalada. Quando é perto e ele se compromete, por escrito, a garantir o transporte dos alunos, o comandante da PM autoriza. Se ele não se responsabilizar, nós não assinamos o convênio.

A senhora tem como dizer quantos pedidos foram feitos de 2018 para cá, ano a ano?

Posso falar apenas do período em que estou na coordenação. Foram poucos. Se foram cinco ou seis foram muitos. Em 2022, até fevereiro foram três assinaturas de convênio, mas estão chegando muitos pedidos agora.

A senhora acredita que os pedidos tendem a aumentar por ser um ano eleitoral?

Sim, sim. Para o político é interessante, dá um respaldo, uma credibilidade maior para ele. A comunidade ama. Eles  mesmos falam que quando anunciam que farão tratativa com a Polícia Militar chove pessoas querendo inscrever os filhos na escola que antes ninguém queria.

 Os alunos que já estavam na escola permanecem nela?

Se quiserem.

Qual o critério de matrícula e seleção?

Essa parte da seleção fica com a questão pedagógica, porque a escola é da prefeitura, A gente só entra com questão disciplinar. Então as questões de vagas e de quem entra e sai ficam com a secretaria de educação municipal. É claro que eles nos consultam, perguntam se é a melhor forma e a gente vai orientando. Eles têm o poder de decisão e a gente dá o suporte necessário para que trabalhem de forma adequada.

A gente conversou com um vereador de Riachão do Jacuípe e ele disse que, quando a escola foi implantada,  houve uma procura muito grande e muitos pais com maior poder aquisitivo procuraram políticos para ver se eles conseguiam vagas para os filhos.

Até o momento eu não tenho  conhecimento dessa situação. Essa questão de seleção fica com a secretaria de educação municipal para ela gerenciar. Vou verificar, se isto estiver acontecendo será um ponto para poder colocar em minhas reuniões e visitas de inspeção.

Major Fabiana Guanaes, coordenadora-geral dos colégios modelo CPM. Foto: Paulo Oliveira

Quais os critérios para definir a escola municipal que passará a ter o método militar?

 A escolha fica a critério do prefeito. Ele diz qual o colégio quando vem solicitar a assinatura do convênio. A gente interfere em conhecer a escola para saber se ela  tem estrutura adequada e ou se a prefeitura tem condição de fazer a estrutura de acordo com nosso padrão. Normalmente, óbvio, os prefeitos colocam em locais onde a violência é maior justamente para dar uma amenizada nas questões que são problemas para eles.

Em Campo Formoso, a prefeita escolheu uma escola numa área com diversos problemas sociais e alto índice de criminalidade. Só que, quando ela perdeu a eleição, o sucessor migrou o método para um colégio de outro bairro, alegando que precisava de melhor estrutura para atender a demanda. Isto é previsto no contrato? O que deveria ter sido feito?

Deveria ter sido feito um termo aditivo para justificar essa situação ou um novo convênio. Aqui comigo isso ainda não aconteceu. No município de Vanderley, a prefeita quer trocar o local por essas questões de espaço. E eu disse para ela que será necessária essa questão documental. Assinado, tudo direitinho, e não simplesmente não gostou bota em outro lugar. Vou procurar saber o que aconteceu em Campo Formnoso.

O que acontece com os alunos em situação de distorção idade-série quando o modelo CPM é implantado?

O Ministério da Educação é bem claro no sentido do que pode e do que não pode. A questão é faixa etária para não ter desvio padrão. Então eles colocam que crianças e adolescentes de 11 aos 14 anos têm que cursar o fundamental II. O modelo CPM não pode ter um desnível absurdo. Por isso, a secretaria municipal de educação deve permitir o que diz a lei, incluindo o fato de relocar alunos nestas condições.

Outra coisa: a modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) não pode funcionar nas nossas instalações porque é noturno e nosso padrão é diurno. Quando o prefeito vem com a escola que tem EJA, a gente solicita para ele ver se tem condição de colocar em outro endereço para que possamos atender apenas o fundamental II. A mesma coisa vale para as unidades que também têm fundamental I. A gente diz que não pode.

Qual a quantidade máxima de colégios que podem funcionar com este método em uma cidade? Quais os municípios que implantaram mais escolas com o modelo da PM?

Quantas a prefeitura tiver capacidade de instalar dentro do critério de ter outra sem o método para garantir o poder de escolha dos alunos e pais. A região Leste do estado, que engloba Laje, Muniz Ferreira, Santa Antônio de Jesus, Nazaré, Araci, Santa Luz, Teofilândia e Serrinha, é a que tem mais escolas. Depois vem a Sul, com 34. A que tem menos é a Chapada Diamantina, com apenas duas.

Quantos alunos aproximadamente cursam o modelo CPM?

 Antes da pandemia foi feita a contabilidade geral e deu mais de 50 mil alunos. Agora, não tenho como dizer ao senhor porque houve desistências, muitas escolas suspenderam o trabalho e foram feitos distratos durante o período mais intenso de casos da doença.

Como funcionaram as equipes disciplinares nas escolas que mantiveram atividades remotas durante a pandemia?

Um policial entrava no ambiente da sala virtual com o professor ou a professora. Ele ficava fazendo observações sobre o comportamento dos alunos para que eles realmente assistissem às aulas. Na prática presencial, porém, os tutores disciplinares não ficam na sala. O online foi uma coisa atípica. Jamais o policial tenta interferir nas aulas. É o professor quem comanda realmente tudo na parte pedagógica.

Pesquisando as páginas do Facebook, percebi que há mensagens dos diretores disciplinares para pais e alunos, muitas delas com teor evangélico. Existe algo sobre isso no regulamento da PM?

Alguns passam essas mensagens. Tem um mesmo, em Conceição de Jacuípe, que é um diretor disciplinar muito bom. Ele passa essas mensagens pra mim também. O nosso regulamento não tem nada sobre isso. Até porque nosso cunho não é religioso. Mas, se o responsável pela disciplina passa uma coisa boa, acho ótimo.

Existe alguma disciplina ministrada pela equipe de policiais? Professores e diretores falaram em uma chamada Método Disciplinar de Ensino (MDE).

Eles dão ordem unida, que é questão de entrar em forma, de alinhar, de cobrir, de marchar, marchar na cadência porque os estudantes participam de cerimônias cívicas e militares. Isso ocorre quando há aula vaga ou quando a professora falta. Quem conduz o trabalho é um policial que tem condição de dar uma palavra com os estudantes no sentido da disciplina. Os tutores também podem trazer alguém de fora, marcar atividades extraclasse, palestras.

Mas em Campo Formoso, a direção pedagógica disse que o MDE é ministrado em dois tempos de aula semanais e o conteúdo se assemelha a matérias extintas como Moral e Cívica e OSPB.

Isso não é uma disciplina específica, mas os tutores e coordenadores disciplinares sabem que essa é a função deles. Não é aula, é uma conversa, uma transmissão de informação. Não é tão pesada como a disciplina X. Eles não são professores. Eles estão educando de uma forma disciplinar.

Alguns professores falam que, no caso do CPM, é evidente que tem um direcionamento para as carreiras da Polícia Militar e das Forças Armadas. Esses colégios também têm esse direcionamento?

É óbvio que quando o aluno vê um policial militar, quando dá ordem unida, quando entra em forma, tudo isso é relacionado ao militarismo. Isso não quer dizer que ele vai seguir essas carreiras. Fica a critério dele. Se ele gostar, ótimo. Ele vai fazer o concurso para policial ou para militar. No entanto, não existe essa ligação rígida.

 A senhora cursou o CPM?

Eu gostaria muito porque meu irmão mais velho, que também é major, fez o CPM desde sempre. O mais novo entrou na alfabetização, mas na minha época mulheres não eram aceitas. Eu fiz Escola Técnica Federal e depois cursei a academia de polícia.

O Ministério Público Federal notificou a Polícia Militar por conta do regulamento infringir parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)…

Isso ocorreu na época do coronel Anselmo. Eles diziam que não era para, por exemplo, interferir na identidade visual dos alunos.

Em Conceição do Jacuípe, a repórter Linda Gomes constatou que a equipe disciplinar coloca no mural as punições dos estudantes e o motivo delas. Assim como as causas das licenças médicas deles.

Botam no mural? Isso não pode. Onde isso? Se eles divulgam a CID (Classificação Internacional de Doenças), é só chegar no Google e qualquer um vai saber o transtorno que o aluno tem. Isso não interessa a ninguém. Eles também não têm que colocar no mural as punições. O senhor está me dando ouro porque vou pontuar seriamente tudo isso no treinamento que eles farão. Isto pode gerar um trauma ou resistência ao aprendizado. Eu não acredito nesse tipo de disciplina.

Também há reclamações com relação aos uniformes fornecidos pelas prefeituras.

Isso mudou. O modelo que estava no regulamento era de tactel (fibra sintética). Agora é brim, mais rígido e duradouro. De vez em quando a gente faz algumas mudanças.

Nome e o tipo sanguíneo dos alunos estão fixados nos uniformes. Acervo do cel. Anselmo

A senhora tem alguma estatística com relação a exclusões de alunos?

De 2020 para cá só teve uma exclusão. O aluno foi pego em uma abordagem policial normal com algum tipo de armamento. A mãe e o próprio aluno decidiram que ele devia sair. Ou seja, o adolescente não se sentiu digno de estar naquela escola.

 E da desistência de alunos que não se adaptaram?

Esse número a gente não tem.

A constatação que fizemos é que o sistema militarizado agrada muitos pais, mas os filhos não gostam tanto porque são muitas regras e controle.

Não é muito controle.

É feito algum trabalho para mostrar aos estudantes como a disciplina vai ser útil na vida deles?

Sim. Os policiais que estão lá conversam com eles para mostrar os objetivos que constam aqui. (Nesse momento a major lê o trecho de um documento: “Através da gestão compartilhada de ensino, buscamos integrar, incluir, orientar, direcionar nossos jovens, usando o cultivo da disciplina para gerar mudanças de hábitos dentro do ambiente escolar e fora dele. Esse caminho garante despertar para uma vida de possibilidades e sonhos”). O que a gente ressalta o tempo inteiro é isso para que todos da equipe disciplinar entendam o que pretendemos.

Existe alguma meta para a implantação desse sistema disciplinar?

Do quantitativo de escolas, não, porque é uma demanda livre, espontânea. Não é a PM que quer implantar a escola, é o município que solicita e a gente vê se tem ou não condições de concretizar.

E quantas pessoas trabalham na coordenação-geral do método CPM?

Eu e uma cabo que fica com a parte burocrática. A parte de treinamento e supervisão é comigo.

Uma professora de Santa Cruz Cabrália disse que o regulamento sobre os cabelos exclui os indígenas, que normalmente usam cabelos compridos. O mesmo acontece com pessoas negras com cabelo black power.

O regulamento de conduta estipula o modelo de corte de cabelo. O manual de uniformes traz o dress code (código de vestimenta). Não só instituições, mas também empresas possuem um. O funcionário não pode ir como quiser, não pode ir de chinelo havaiana, de cabelos lá em cima. Não é uma questão militar. As pessoas deturpam e acham que o militarismo faz essa imposição. Isso é uma regra normal. Então o nosso dress code é esse. Fica quem quer, quem não quer…

É por isso que as prefeituras têm de ter uma outra unidade escolar com método tradicional para que o indivíduo vá e seja feliz, mas no nosso modelo tem uma farda, tem um gorro, que precisa ficar ajustado à cabeça. Se o estudante tiver um cabelo extremamente volumoso, não dá para fazer isso.

E como os alunos especiais são tratados nas escolas de gestão compartilhada?

Recebo muitas ligações das equipes disciplinares perguntando como isso deve ser tratado. Eu digo que o aluno especial precisa de atendimento de alta qualidade e especializado para atendê-los[4]. A escola tem que verificar se tem o profissional adequado para dar o suporte a eles: psicopedagogos, psicólogos, enfim. Se não for dessa forma, não tem como transferir essa responsabilidade para nós. Os pais também precisam avaliar se é importante para os filhos estudarem nesse regime, se eles não vão criar resistência.

A senhora é a favor de expandir o método para o ensino infantil, fundamental I e médio?

Antes a gente precisa ver o quanto ele está funcionando. Só depois disso é que podemos partir ou não para a expansão.

_____________________________________________________________________________

[1] Efetivo equivalente ao de um batalhão.

[2] A PM da Bahia começou a aceitar mulheres em 1990, 40 anos depois da corporação paulista. As primeiras turmas de policiais mulheres tinha 37 alunas.

[3] A entrevista foi realizada em fevereiro de 2021, mas os dados foram atualizados em abril pela major Fabiana Guanaes.

[4] Na Escola Professora Maria do Carmo, em Campo Formoso, há 20 na sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Desses, dez precisam de assistência por terem transtornos mais sérios. Duas irmãs gêmeas dividem uma cuidadora, outro sete estudantes têm profissionais exclusivos. Além disso, um aluno surdo conta com um professor de Libras.

–*–*–

Esta série de reportagens foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.

–*–*–

LEIA A SÉRIE COMPLETA

PARTE I

A militarização das escolas na bahiaO avanço para o interior O exemplo goiano Diferentes escolas militares e militarizadas

PARTE II

A elitização da primeira escola militarizada A história do Colégio Maria do Carmo Mães aprovam modelo CPM, filhos nem tantoFundamental I e ensino médio na mira

PARTE III

Conceição do Jacuípe: boletim expõe alunos O regulamento e a cartilha Muita fé e só uma mulher entre 466 tutores Tutor disciplinar barra aluna negra

PARTE IV

Escola troca nome de vítima da ditadura Mais unidades da PM do que infraestrutura Entre a esperança e o bafo da milícia Inquérito 1.14.001.001281

PARTE V – FINAL

Miriam Fábia: “Impacto brutal na formação dos jovens” O governador emudeceuDepoimentos de ex-alunos do CPM

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques