O sumiço dos peixes

A peixaria do bairro Angary, em Juazeiro, onde está localizada a colônia de pescadores Z-60, precisa comprar 150 kg de mandi bagre, mapará, curimatá, piau e dourado no estado do Pará e na Argentina. É que os pescadores do rio São Francisco não conseguem mais abastecê-la com a quantidade de peixes necessária para venda à população e aos mercados.

 Pedro Teixeira Mota, que há 30 anos trabalha vendendo peixe    primeiro na rua, depois em estabelecimento próprio  –,  diz que, dos mais de 1.400 pescadores da colônia, cuja jurisdição vai de Curaçá a Juazeiro (95 km), só três lhe fornecem peixes regularmente (entre 3 kg e 10 kg por dia). O restante da mercadoria  ele vende 300 kg por semana  é adquirido em criatórios nas cidades de Sobradinho, Casa Nova e Remanso.
 
“Nossa classe vai para o rio, mas, na verdade, vive do seguro-desemprego”, diz Domingos Márcio Martins, presidente da Z-60 há seis anos.

Quem deveria tirar o sustento do rio relaciona os problemas que precisam ser superados. Domingos diz que as barragens foram feitas sem cuidado, sem levar em consideração a natureza e seu sistema de funcionamento aumenta o assoreamento.

“O assoreamento cobre as pedras onde os peixes se protegem e o alimento que eles tiram da areia e do cascalho do fundo do rio”, explica Pedro.
Como exemplo da falta de respeito pela natureza, Domingos afirma que o rio, antes das barragens, enchia em novembro. Hoje, os açudes soltam água em janeiro e atrapalham o período de desova dos peixes.
 

Outros problemas são provocados pela falta de educação ambiental dos agricultores, que lançam agrotóxico no rio, e dos próprios pescadores.

“A nossa luta não está mais ligada ao repovoamento, mas, sim, à revitalização do rio”, revela Domingos, que também é representante da categoria no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Houve época em que foi feita a introdução de outras espécies de peixes no São Francisco. Em uma delas, o tambaqui prosperou por três anos, depois  desapareceu.

Domingos se queixa, também, das transposições oficiais (“as duas grandes do governo”) e as “clandestinas”. Segundo ele, não há ordenamento para o desvio das águas.

“Qualquer político leva água para a própria terra. A lógica da transposição se perdeu. O processo está fazendo com que as terras fiquem salinizadas”, denuncia.
O processo de morte do rio, cada vez mais acelerado, também está relacionado com o lançamento de esgotos nas águas  as cidades ribeirinhas não possuem rede sanitária.
 
“O Comitê da Bacia do Rio São Francisco só libera recursos para grandes projetos empresariais. Para o saneamento básico, não tem dinheiro”, queixa-se Domingos.

 A falta de engajamento na luta pela preservação do rio também é problema. Apesar de existir o Dia Nacional de Mobilização em Defesa do São Francisco (3 de junho), a divulgação e as manifestações são precárias.

As reclamações contra o governo federal também têm a ver com a mudança na lei de direitos trabalhistas. Antes, uma mulher que tecesse redes poderia se aposentar como pescadora. Hoje, segundo Domingos, é preciso que ela entre no rio para ter este direito.

Todo este quadro entristece Pedro Teixeira:

“Não sei se o rio ainda tem salvação”.

São Francisco sem peixe | Meus Sertões
O curimatá se alimenta de matéria orgânica e microorganismos associados à lama do fundo das margens de rios

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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