Na região ribeirinha, após a alta das águas do rio, costuma formar lagoas dentro de terrenos particulares em torno da margem. Quando o peixe fica escasso na ipueira, os pescadores invadem esses locais, na madrugada, para o dono da propriedade não perceber a incursão.
Certa madrugada, Zé Cachorrinha e Martiniano, entraram na lagoa de seu Herbert, fazendeiro austero, casmurro, de pouca fala. Quando menos esperavam, a figura do dono da lagoa aparece aos brados:
“Ô, rapaz, ô, rapaz… quem mandou você pescar aí?”
Nisso, Zé, ao perceber a presença de seu Herbert, pediu ao companheiro para se esconder, dizendo:
“Marguia, Niniano”.
Ao perguntar de-novo a Zé quem mandou ele pescar ali, o pescador apontou para o local que o companheiro estava mergulhado. E disse:
“Ói, ói…”
O dono das terras olhou para água, não vendo ninguém, retrucou:
“Eu tô te perguntando, você tá pescando aí com a ordem de quem?”
Zé Cachorrinha, tirou o rolo de fumo do bolso, raspou com o canivete, encheu a concha da mão, passou o papel à boca, dobrou em forma de calha e despejou dentro do sulco até transbordar. Enrolou o cigarro e respondeu:
“Com a ordem de Deus. É Ele quem manda nas águas.”
Coisas de Xique-Xique na Bahia.
–*–*–
DICIONÁRIO BEIRADENSE
Marguia – Sinônimo para mergulha, se esconde na água.
Niniano – Apelido de Martiniano.
- Author Details
Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.