SOTAQUE DE UM POVO NAS BARRANCAS DO VELHO CHICO
De primeiro, quando eu era moço andador, perambulava feito peixe nas primeiras águas.
Nas andanças pelas comunidades ribeirinhas das barrancas do Velho Chico, podem-se ver paisagens contraditórias.
No alto. Manhãzinha cedo, mulheres de saias arregaçadas, de pote à cabeça, vindas da fonte; meninos pançudos, brincando de rumar pedras nos bichos ou de mastigar barro.
Na beirada. Lavadeiras com roupa no quarador; beiradeiro arrastando alpercatas, de remo e cuia à mão ou a torcer carretel, fazendo fieira para remendar fubeca, sonhando em ganhar seu quinhão na partilha do peixe como se fosse a derradeira vez.
Na água. Passam cardumes de piaba, pela veia d’água; gaivotas beijam a gordura do engodo n’água. De tardezinha; patos mergulham e sacodem a cabeça; árvores frondosas arriadas sobre as águas, na quebrada da mareta.
Na crôa. De noite o silêncio no meio-do-mato permite ouvir e avistar o bater do beiço do barco n’água; uma roda humana à beira do fogo, sob o alumiar da lua; pescadores com rostos vagos, mudáveis, saudosos e malhados, como se as malhas da rede mudassem para suas feições.
COISAS DE XIQUE-XIQUE NA BAHIA
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DICIONÁRIO BEIRADEIRO
Alpercata – Chinelo de couro
Fieira – Corda fina de caroá trançada por carretel
Fubeca – Rede velha de caroá
Mareta – Marola, rolo de água empurrado pelo vento no rio
Crôa – Coroa, bancos de areia que se formam no meio ou à margem do rio.
- Author Details
Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.