Japaratuba, ao contrário vizinha Rosário do Catete e muitas outras no caminho para Alagoas ou no sertão sergipano, não tem a estátua do padroeiro na entrada da cidade. Em vez disso, o município construiu em 2002, um monumento em homenagem a um louco genial: Arthur Bispo do Rosário.
A estátua em tamanho natural mostra Bispo vestido com o “manto da apresentação”, bordado por ele para usar no dia em que ascendesse aos céus no dia do Juízo Final. Parece um hippie, um profeta. Nada lembra o esquizofrênico-paranoico que passou a maior parte da vida internado na Colônia Juliano Moreira, instituição psiquiátrica no Rio de Janeiro..
Bispo contava que aos seis anos ouviu a voz de Nossa Senhora, contando quais eram suas obrigações na Terra. Em dezembro de 1938, perambulou pelas ruas e igrejas do Rio até chegar ao Mosteiro de São Bento, onde anunciou aos monges que era um enviado de Deus.
Detido e fichado pela polícia como indigente dois dias depois, foi encaminhado ao Hospício Pedro II. Após um mês, ocorreu a transferência para Colônia Juliano Moreira, onde recebeu o número 01662. Ficou internado de 1939 a 1954, quando fugiu. Foi segurança do senador Gilberto Marinho, porteiro de hotel, garimpeiro e funcionário de clínica pediátrica até ser definitivamente internado em 1964. Morreu de infarto no miocárdio, arteriosclerose e broncopneumonia aos 80 anos.
RESTOS MORTAIS
Em 2004, os restos mortais de Bispo do Rosário foram transferidos do Cemitério do Pechincha, em Jacarepaguá (RJ), onde eram sepultados os internos do hospício, para Japaratuba e colocados sob a estátua. No local, foi afixada uma segunda placa com a inscrição: “Pise forte neste chão. Arthur Bispo do Rosário está de volta”.
A frase era semelhante à manchete do jornal Cinform, de Aracaju (SE), publicada quando foi concretizado o acordo entre a prefeitura de Japaratuba e a do Rio de Janeiro, pelo qual o município sergipano ficaria com a urna funerária enquanto as mais de 800 peças de arte feitas pelo ex-marinheiro permaneceriam no Museu Bispo do Rosário, na Colônia Juliano Moreira. O acervo foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac)
As homenagens a Arthur Bispo do Rosário, que não recebeu uma única visita no período em que ficou internado, não pararam por aí.
diferentes naturalidades
O hoje consagrado Arthur Bispo do Rosário, nasceu em 1909. No registro da Marinha, onde se alistou aos 20 anos, consta que era natural de Minas Gerais e seus pais se chamavam Blandina de Jesus e Adriano Bispo do Rosário. Na ficha de lavador de bondes da Light (concessionária de energia) a filiação é a mesma, assim como o nome de seus pais, mas a naturalidade é sergipana.
No livro de batismo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Saúde, em Japaratuba, porém, está assinalado o batismo de uma criança de três meses, nomeada Arthur, em 5 de outubro de 1909. Os pais seriam Claudino Bispo do Rosário e Blandina Francisca de Jesus. A suposta naturalidade sergipana passa a ser mais considerada por causa da inscrição do nome do município no estandarte “Dicionário dos Nomes”, uma das obras do artista.
Na tese de doutorado “Arthur Bispo do Rosário: loucura, arte e patrimonialização”, a professora de história da Universidade do Estado de Santa Catarina Viviane Trindade Borges avalia o esforço da prefeitura em obter os restos mortais e a sequência de homenagens – incluindo a mudança do nome do festival de arte, simultâneo à festa dos Santos Reis, para “Festival de Arte Bispo do Rosário” – como parte do processo de tornar Japaratuba cidade turística e revitalizar o patrimônio cultural sergipano.
Isto, no entanto, pode ser questionado. Japaratuba é uma das primeiras povoações de Sergipe. Surgiu no século XVII, possui intensa atividade cultural – reisado, maculelê, congo, chegança, banda de pífano, bacamarteiros, maracatu, pastoril -, e festas tradicionais.
Os principais festejos são as comemorações dos Santos Reis; a tradicional Festa das Cabacinhas, que consiste em batalhas de bolas de parafina com água dentro, além de vasta programação musical; e um dos melhores São João do estado.
A fama da cidade está registrada no livro “Variações em fá sustenido”, do capelense Zózimo Lima, cujo trecho abaixo foi transcrito em janeiro de 1938, no jornal Correio de Aracaju.
“Em Japaratuba, à noite, do dia santo de Reis, eu tornei aos dias de minha mocidade. Voltei a ver as tradicionais cabacinhas, que servem para ensopar o peito arfante, farto e rijo das morenas, e ouvir, à meia noite, em plena praça o xistoso pregão do vaqueiro do reisado. Assisti, espetáculo inédito, na Igreja da Matriz, pelo sacerdote, após a missa, a coroação do rei e da rainha dos cacumbis (…). Não há em Sergipe, chegança ou marujada que se compare a que eu assisti na terra que tem a padroeira milagrosa Nossa Senhora da Saúde. (…) ainda se podem ser vistos hoje esses festejos e espetáculos tradicionais na velha Missão de Japaratuba”
A FICHA DO PACIENTE
Em 2009, a prefeitura anunciou a criação do museu Arthur Bispo do Rosário. Nele seriam instaladas réplicas de objetos confeccionados para as filmagens de “O senhor do Labirinto”.
Em vez de museu surgiu uma ala no Memorial Histórico Dr. Otávio Accioli Sobral, à esquerda da igreja Nossa Senhora da Saúde e da Praça da Matriz, contíguo à prefeitura. O prédio que pertenceu ao padre Caio Tavares, foi deixado para seus filhos e depois vendido ao prefeito Hélio Sobral.
Réplica de obras de Bispo, fotos da inauguração da estátua e sua ficha de doente ocupam parte de uma das cinco salas do imóvel, cujo acesso se dá por escada de cinco degraus e uma sacada.
Nos demais salões, existem objetos do padre Tavares, mobiliário antigo da casa e espaço para estandartes e peças da cultura regional. Na varanda, pedras da igreja Nossa Senhora da Saúde.
Além do espaço na cidade natal, Arthur Bispo do Rosário tem um museu com seu nome no Rio de Janeiro (A direção da Colônia Juliano Moreira resolveu homenageá-lo e mudou o nome do Museu Nise da Silveira no ano 2000). O artista louco teve obras expostas em museus do Brasil e do exterior, incluindo, o Jeu du Paume, em Paris, e ainda serve de inspiração para pesquisadores, artistas, escritores e carnavalescos.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.
Uma resposta
Uma pena que tenha tirado o nome da grande Nise da Silveira do museu. Uma grande mulher! Que homenageassem Arthur Bispo do Rosário de outra forma.