“Meu nome é Juliana Pereira Porto. Tenho 20 anos e sou estudante. Nasci e me criei na zona rural de Rio do Antônio. Desde pequena tenho ligação com a casa da Fazenda Rancho dos Negro, que pertence a minha família. Ela fica ao lado de onde moro.
Sempre que alguém queria conhecer e ver a casa feita por escravos há 184 anos, eu ia com minha tia, Benta Lobo, e ouvia as histórias que ela contava. Aos poucos, fiquei encantada.
Hoje, como a tia está com a idade avançada (84 anos), impossibilitada de sair, eu vou e passo adiante o que sei. As pessoas ficam impressionadas, principalmente pela idade e conservação da casa.
Os primeiros donos da fazenda, um pouco mais velha do que a casa, foram o casal Marçal e Irene. Filhos, netos, bisnetos, trinetos moraram lá. Eu não. Meus pais mudaram para uma moradia ao lado pouco tempo antes do meu nascimento.
Existem muitas histórias sobre a casa. Muitas foram contadas pela tia Benta, professora desde os 16 anos, com grande facilidade para aprender português e matemática.
Vou contar as que me lembro:
- Lá existe até hoje um estrado que, dizem, as filhas do senhor Marçal sentavam para fazer renda. Elas só podiam sair na frente da casa de ano em ano, durante os festejos de São João.
- A fazenda tem esse nome por terem sido encontradas duas ossadas, que deduziram ser de negros, próximas à casa.
- Quando um filho do senhor João, proprietário de escravos e dono da Fazenda Faca casava, ele dava terras, 50 vacas, 50 éguas e dois escravos. Uma das propriedades cedidas foi a Fazenda Rancho do Negro.
- Conta-se que as telhas da casa eram feitas nas coxas dos escravos. Pelo jeito eram bem torneadas e grandes.
Eu não sei dizer quantos escravos viviam aqui. Minha tia conta que o pai de Marçal ou de Irene presenteava os filhos com dois negros escravizados, porém acho que eram bem mais porque tudo na casa foi feito por eles: fechaduras, telhas, portas e janelas. Eles também carregavam nos ombros as pedras usadas para fazer o calçamento. Algumas pesavam toneladas, segundo comentam.
Nunca encontramos nem soubemos da existência de objetos usados para punir as pessoas escravizadas. Também não sei dizer se ao fim da construção os escravos permaneceram na fazenda.
Hoje ninguém mora na casa porque ela é bem antiga e não tem estrutura, mas não está abandonada. Sempre é feita uma limpeza. Antes da época de chuva é verificado se há goteiras. Caso haja, é feito o conserto.
Minha família tem o maior interesse em preservar tudo. A casa não é tombada, mas já foi feita uma sondagem para isto.”
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Nascida e criada na zona rural de Rio do Antônio (BA), Juliana é massoterapeuta e divulgadora das histórias da casa feita por escravos da Fazenda Riacho do Negro.
Respostas de 2
O interesse em preservar o legado é o que mais me chamou a atenção. Um patrimônio como esse tem mais que ser cuidado e divulgado. Parabéns Juliana! Já pensou em fazer arquitetura e se especializar na arrumar de patrimônio?
Olá Bethânia , não, não curto muito essa área . Mas fui influenciada por esta casa para cursar História , rara
Um abraço
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