O poeta e cantador José Cosme de Lima, o Zé Galego, 67 anos, vive hoje em um abrigo para idosos, em Arcoverde (PE). No entanto, só precisa de milésimos de segundo para reencontrar o passado, que ficou na terra natal, Pesqueira, a 43 quilômetros de distância, e de dois minutos para cantar a toada que fez sobre a fábrica Peixe, motivo de orgulho para os pesqueirenses por um século.
A fábrica Peixe surgiu, segundo o livro “Ararobá, lendária e eterna”, da iniciativa de uma doceira chamada Dina da Conceição, que mudou a receita do “tijolo de goiaba”, escuro, açucarado e de difícil corte, vendido em caixa de madeira. Aperfeiçoando o ponto de preparação, feito em tacho comum e mexido a mão, o doce de goiaba ganhou coloração encarnada e novo paladar. Posteriormente, passou a ser embalado em latas.
Quando Dina foi trabalhar na casa de Maria da Conceição Cavalcanti de Brito, a dona Yayá, mulher do capitão Carlos Frederico Xavier de Brito, a patroa resolveu investir na produção da goiabada caseira, em 1898, e fundou a Fábrica Peixe de Pesqueira.
O autor do livro sobre Ararobá, nome da aldeia indígena que deu origem à cidade, Luís Wilson, conta que o capitão não fez fé na iniciativa de dona Yayá. Só dois anos depois, ele se desfez da casa comercial que possuía e passou a investir na fábrica, que passaria a ser chamada Indústria Carlos de Brito.
Em 1904, Maria Brito comprou tachos a vapor ingleses, mecanizou a produção e contratou dezenas de operários. Três anos depois, adquiriu um bonde e quatro troles para transportar matéria-prima e equipamentos.
Na Bélgica, recebeu o Grande Prêmio da Exposição Internacional de Bruxelas, se firmando como uma das maiores indústrias do Brasil. Na ocasião produzia doces e extrato de tomate.
O apogeu conquistado até a década de 1950 começou a ruir diante de fatores como o clima árido que provocava a escassez de frutos, o crescimento de pragas, aumento de custo com adubos e defensivos agrícolas e o favorecimento econômico das empresas do Centro Sul, aliado com o desenvolvimento da fruticultura no Vale do São Francisco.
Em lento declínio, a fábrica permanecia como monumento à prosperidade do passado. Em fevereiro de 1998, ano do centenário da Peixe, o grupo Bombril- Círio do Brasil adquiriu a empresa e tentou recuperá-la. A iniciativa não resistiu por mais de nove meses: a fábrica foi fechada e todos os funcionários demitidos. Os proprietários de então alegaram escassez de água na região e quebra na safra.
Situação muito diferente da prosperidade vivenciada entre as décadas de 1910 e 1930, quando pesqueira chegou a ter aeroporto, jóquei clube, revendedora de veículos Ford e cinco jornais semanais. A Peixe também motivou a criação de concorrentes como as fábricas Doces Rosa, Tigre, Touro e outras. A Rosa chegou a construir uma vila operária, algo raro na região na década de 1940, conforme o Portal PE-AZ.
Em artigo publicado pela professora e poetisa Andréa Galvão, em abril do ano passado, ela ressalta que era impensável, no final do século 19, uma mulher empreender um negócio que viesse a garantir o sustento da família, gerasse lucros e acumulasse fortuna.
A Peixe, exaltada por Zé Galego, produzia goiabada e extrato de tomate nos fundos de uma casa e se expandiu através de filiais em várias cidades pernambucanas. O desenvolvimento da Peixe fez os moradores da zona rural deixarem a agricultura de subsistência, mudarem para a periferia da cidade, onde cultivavam goiabas e tomates para fornecer à fábrica.
O declínio e a desativação da Peixe atingiram a autoestima dos moradores. O transporte do maquinário, vendido para São Paulo e Goiás, foi acompanhado como um cortejo fúnebre, segundo Andréa. O caos econômico se instalou na cidade: o comércio enfraqueceu, houve migração significativa para Recife e para o Sul do país, o desemprego disparou e a renda despencou. Aposentados e servidores públicos é que garantiam a movimentação econômica.
Com o tempo, diz Andréa em seu artigo, pequenas fábricas se instalaram, o comércio ampliou e o turismo religioso passou a ser a principal atividade econômica. O artesanato (renda renascença). Quem sabe não volta a ser a “Atenas do Sertão”, como era chamada pelo Cardeal Arcoverde?
Hoje, a antiga Fábrica Peixe continua gerando emprego e renda. Em outubro de 2017, o governo pernambucano desapropriou o imóvel e indenizou a Massa Falida do Grupo Círio Brasil S/A. O prédio de 80 mil metros quadrados de área passou a abrigar a feira livre da cidade e pequenas fábricas, gerando dois mil empregos diretos e indiretos.
Toda essa história está resumida na toada de Zé Galego e no vídeo abaixo.
“Vejam, fábrica Peixe de Pesqueira/ Uma firma de tradição/ Doutor Moacir de Brito (*)/ Quando soltava seu grito/ Animava a população/ Era um forte brasileiro/ Hoje só existe o bueiro/ Perdido na imensidão.
Era uma indústria bonita/ Hoje só a fábrica apita/ Trazendo a recordação/ No dia de quarta-feira/ No parque era uma grande feira/ Onde guardava os caminhão/ Antenor e Alcindô trabalham com atenção/ Em um Ford 46/ Escoando a produção.
Do Brasil ao estrangeiro/ Voava um avião/ Fazendo um grande contrato/ Das suas exportação/ Hoje vive desprezado/ O matagal está fechado/ E se acha abandonado/ O campo de aviação.
Vou terminar a toada/ Que gravei com emoção/ Isso é coisa do passado/ Que foi não volta mais não/ Autoria do Zé Galego/ Poeta de profissão.”
Por fim, o autor declama:
“Ô vida de gado, meus amigos. Essa toada é (do ano) 2016. Gravei essa toada homenageando a indústria Carlos de Brito S.A, fábrica Peixe de Pesqueira. Hoje lá ainda é tudo bacana, foi grande indústria pernambucana. Deus proteja minha cidade, e minha padroeira Santa Águeda. Proteja meus amigos que tenho lá e nós todos.”
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(*) O engenheiro agrônomo Moacir de Brito era neto do fundador da fábrica Peixe. Suas pesquisas sobre a conservação do solo no agreste e sobre a irrigação de tomateiros e forrageiras, além da melhoria da espécie do gado zebu, fortaleceram a economia da região. Foi gerente de produção agrícola e diretor de unidade da Peixe, de onde saiu em 1969.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.
Respostas de 17
sinto muito orgulho de ter feito parte desta conceituada empresa por 29 anos no estado de são Paulo mais precisamente no município de Taquaritinga. estive em pesqueira por algumas vezes a trabalho e conhecer amigos. mecânicos como cabral e outros e muita saudades
Obrigado por nos dar seu depoimento
Fábrica fundada por minha tataravó e tataravô. No dia 27 deste mês e ano fez 100 anos da sua morte.
Pesqueira fez parte da minha infância…saudades da suas ruas de paralelepípedos, dos doces de figo produzidos na cozinha de minha bisavó.
Bela e doce lembrança. Obrigado por compartilhar conosco. Se você tiver fotos e histórias sobre a fábrica para contar, entre em contato conosco pelo zap 71 986839936. Grato. Paulo Oliveira
Quantos filhos eles tiveram, minha mãe trabalhou em SP na casa de Francisco Brito, ela fala que era o dono da fábrica Peixe, ele tinha 2 filhos pequenos, o menino ela fala que se chama Mânio, minha mãe era cozinheira lá, hoje ela está com 96 anos e ainda se lembra, a casa ficava na rua Bahia em SP.
Minha Vó Honoria foi operária da indústria e minha Mãezinha ajudava na cozinha do casarão da família de Dona Conceição lá pelos anos de 1930, sendo que a patroa foi a madrinha de minha mãe.
Obrigado por compartilhar essa informação. Grato, Equipe Meus Sertões
Me deliciei bastante com os Doces Marca Peixe de Pesqueira e no Ceará conheci um Membro da Família Carlos de Brito Sra. Lurdes de Brito Moreira casado c o industrial Sobralense José Moreira Indústrias Cidão .
Moravam num belo Casarao na Avenida Santos Dumont em Fortaleza e encravada em uma Quadra . Hospedaram o Presidente da República Humberto de Alencar Castelo Branco.
Obrigado Diogo por nos dar essa dica. Continue nos acompanhando. Forte abraço.
Equipe Meus Sertões
Meu avô Antenor Zaroni era homem de confiança na fábrica peixe em Delfim Moreira(MG). Em consequência, meu pai Saulo Zaroni, foi convidado para a montagem da nova fábrica Peixe, em Rio Bonito (RJ), onde eu nasci na casa funcional, ao lado da indústria, em 20 de outubro de 1946.
Seu Antenor, que bom compartilhar consigo um pouco da história de sua família. Ficamos felizes em fazer as pessoas lembrarem momentos das vidas deles. Obrigado por nos contar um pouco sobre sua família e o senhor. Abraço, equipe Meus Sertões.
Olá…É possível saber a data da fundação da Fábrica de doces Peixe em Rio Bonito RJ? Obrigado!
Pesquisa feita por nós encontrou escritórios e fábricas da falida Fábrica Peixe em nove estados – São Paulo, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Pará. No Rio, o endereço que constava era Rua Duque de Caxias, bairro Santa Cruz, zona oeste da cidade. Essa filial foi inaugurada em 24 de setembro de 1968, fechando como as demais em dezembro de 1995.
Eu e minha irmã, trabalhamos na fabrica Peixe em 1953, no Rio de Janeiro na R. Ribeiro Guimarães, Vila Isabel. Esta unidade nunca foi citada e tenho muitas histórias e personagens como, Valoar gerente, João Leite chefe da produção. Dr. Carlos de Brito, dono da Peixe em quem eu aplicava insulina e depois me colocaram na expedição preparando as notas fiscais para os caminhões que distribuíam os produtos da Peixe. Hoje, estou com 90 anos e muitas lembranças da fábrica que conto pra minhas filhas.
Eunice, muito obrigado por fazer contato conosco. Vamos entrar em contato com a senhora para ouvirmos seus relatos e transformar em reportagem. Forte abraço. Equipe Meus Sertões.
Ótima matéria!! Poderia me dizer qual seria o referido artigo da Professora Andréa? Estou procurando sobre ele e não encontro.
O artigo pode ser acessado nesse link: https://novamais.com/noticias/45455/depois-de-20-anos-do-fechamento-das-fabricas-peixe-o-que-mudou-na-vida-dos-pesqueirenses