Wellington Santana de Lima, 57 anos, irmão do padre Airton, é o superintendente da Fundação Terra. É ele quem nos guia pelas obras sociais de Arcoverde. Paciente e cordial, Wellington ressalva que a instituição também oferece serviços para a população em outras cidades – Recife e Maracanaú (CE). Engenheiro, responsável por concretizar os planos de Airton, ele gosta de fazer um jogo de palavras, brincando com a situação:
“Costumo brincar, dizendo que uns nascem para ser padre, outros para padre ser” – diz.
A mulher de Wellington também tem papel relevante na Fundação. Liege Nogueira é a coordenadora de saúde do centro de reabilitação Mens Sana, responsável por fazer 12 mil atendimentos e 20 mil procedimentos mensais em pacientes de 35 cidades – a mais distante é São José Belmonte, a 204 quilômetros de distância do bairro São Miguel, onde está instalado. O centro e o abrigo de idosos da antiga rua do Lixo serão mostrados em outros capítulos.
Embora oficialmente tenha o nome de Alfredo de Souza Padilha, a antiga rua do lixão nunca é chamada assim. Foi ali que padre Airton morou até se mudar para um sítio no povoado de Malhada. Inicialmente, vivia em uma casa de taipa, demolida e reconstruída por pedreiros e catadores que aproveitaram sua ausência temporária da comunidade.
Na rua do Lixo moram cerca de 2.100 pessoas, vizinhas do conjunto habitacional Cohab. Com a transferência do vazadouro, no final dos anos 2000, para um terreno dois quilômetros adiante, a infraestrutura melhorou, mas o problema de saneamento não foi resolvido.
O périplo começa pelo estúdio onde Padre Airton grava sermões, músicas e mensagens As músicas de pelo menos 11 álbuns (sete ou mais músicas), um single (de uma a três gravações) e um EP (de quatro a seis composições) estão disponíveis no Spotfy. Além disso, as missas celebradas aos domingos no amplo salão da Fundação, com capacidade para 400 pessoas, são transmitidas pelo You Tube e por emissoras de rádio.
É nesse ponto que a professora, uma das mais conceituadas intelectuais de Alagoas, Enaura Quixabeira, considera que o “trabalho extraordinário” de Padre Airton se baseia no beatismo, fenômeno de aproximação da Igreja Católica com os mais pobres, ocorrido mais de um século antes do Concílio Vaticano II. Airton, segundo ela também se move pelos sentimentos de caridade e solidariedade, e amplifica esse contato explorando bem as novas tecnologias.
“A conexão com o beatismo é clara. No entanto, é preciso considerar que vivemos em um mundo diferente do que havia no século XIX. O padre não pode criar uma dependência negativa, ficar esperando a esmola. Precisa se autopromover, fazer palestrar, vender livros e aplicar a renda em seus trabalhos. Isso é muito importante, pois não cria dependência de políticos com interesses eleitoreiros” – ressalta a autora de “A utopia cristã no nordeste brasileiro: a trajetória do beato Franciscano e do beatismo em Alagoas” e “O beatismo Nordestino e a historicidade franciscana: a presença feminina no mundo dos beatos”.
Infelizmente, nem todos os planos de Airton e Wellington vão adiante. A ideia de instalar uma TV comunitária esbarrou na burocracia governamental. A antena instalada em terreno da Fundação foi o que restou da malograda tentativa.
Isso, no entanto, não desanima os apoiadores do religioso:
“A capacidade de mobilização de Padre Airton é de extrema relevância para a população de Arcoverde e regiões vizinhas. Além da importância do atendimento em áreas cruciais, como saúde, assistência social e educação, tem como mérito mobilizar a sociedade para atuar em problemas que não serão resolvidos apenas pelo poder público. Ele se tornou uma liderança que faz com que a sociedade olhe para os mais necessitados e atue para amenizar os problemas” – elogia o empresário João Carlos Paes Mendonça, dono de uma extensa rede de shoppings centers no Nordeste e de um grupo de comunicação, além de colaborador da Fundação Terra.
A seguir detalharemos em tópicos como foi o início das obras de padre Airton e o que foi realizado em Arcoverde, em 36 anos de existência. As declarações são de Wellington Santana.
A FAMÍLIA FREIRE – “Nós éramos seis irmãos, filhos de Doralice Lima Freire, pertencente a uma família de camponeses, e de Jaime de Santana Freire, militar que se dedicava, nas horas vagas, à sociedade São Vicente de Paulo (vicentinos), associação de natureza eclesial, com caráter leigo, a serviço da sociedade e da Igreja. O mais velho, infelizmente, morreu. Eu e Airton moramos em Arcoverde. Temos um irmão médico em Recife, uma irmã professora em Brasília, e outra, professora aposentada, que mora em Vitória da Conquista (BA).”
O ENVOLVIMENTO COM A FUNDAÇÃO – “Eu cheguei de vez em 2003, mas eu estou ligado à fundação desde o nascedouro dela em 1984. O primeiro estatuto fui eu quem levei para ser publicado no Diário Oficial. Nessa época, eu era estudante no Recife desembaraçava as coisas por lá. Por exemplo: quando chegavam doações da Alemanha, eu ia no porto de Recife resolver as questões burocráticas. Depois o governo brasileiro proibiu doações de coisas usadas vindas do exterior.
Até determinado ponto, a decisão foi acertada. Os Estados Unidos mandavam material hospitalar. Um dia teve um escândalo em Caruaru (PE), onde foi encontrada roupa suja, melada de sangue. Os americanos mandavam lixo do primeiro mundo para cá, incluindo pneus carecas. Isso nos prejudicou porque recebíamos máquinas em excelente estado. As primeiras que vieram funcionam até hoje na escola de marcenaria.”
O COMEÇO – “Aírton foi ordenado em 13 de fevereiro de 1982. Ele também se formou em psicologia e fez formação psicanalítica. Primeiro, trabalhou na paróquia de Pedra, a 18 km de Arcoverde, onde passou a dar aula de psicologia em uma universidade. Ao ter contato com o “supra sumo” da miséria, resolveu celebrar uma missa na rua do Lixo. Durante a cerimônia, percebeu que 100% dos catadores eram analfabetos. Criou, então, a Pastoral da Educação, para alfabetizar os catadores.
A primeira construção efetiva depois do projeto de alfabetização foi uma creche. Airton alugou uma casa de taipa e mantinha o atendimento com o que ganhava como psicólogo, em seu consultório, e como professor. Isso garantia leite, papa e frutas para as crianças, que deixaram de catar lixo. Depois vieram os outros projetos.
Quando Airton decidiu morar no Lixão, os moradores acharam que ele era doido. Não entendiam como um homem letrado, que ganhava bem, queria viver no meio do lixo. No início houve desconfiança. Depois da luta exitosa para instalação de energia na comunidade, todas as resistências foram quebradas.
Os terrenos dos prédios da fundação na antiga rua do Lixo e imediações foram doados ou comprados por preço baixo. Na época, a região era desvalorizada. Só tinha mato. A instalação da Fundação Terra ajudou na urbanização da área.”
FUNCIONÁRIOS E VOLUNTÁRIOS – A Fundação Terra tem cerca de 200 funcionários e voluntários, inclusive estrangeiros. Ano passado eram 17 em Recife, Arcoverde e Fortaleza.
PROJETOS E RECURSOS
Estúdio – Serve para gravações de artistas locais. Tem a qualidade profissional. É lá que Airton grava músicas, mensagens e sermões, disponibilizados em várias plataformas digitais.
Tecnologia da Informação – Define os programas que serão utilizados na fundação e é responsável pela manutenção de equipamentos.
Casa de retiros – Local para formação de religiosos e realização de retiros espirituais. Futuramente deve abrigar a ordem religiosa dos Servos de Deus. A sede é no sítio, onde padre Airton mora.
Salão – Antigo local de realização de eventos e celebração de missas. Atualmente é usado pela comunidade ou para atividade escolar de crianças. Também sedia duas reuniões anuais de avaliação dos projetos provisórios e programas permanentes, além do trabalho de coordenadores e funcionários.”
Pax Christi Schola – A primeira escolinha de taipa se chamava Pingue-pongue. No mesmo local funcionava um posto de saúde (ver capítulo I). Uma super creche e um colégio de educação infantil substituíram a antiga construção. O complexo escolar fo construído em 1994, com verba enviada pela Kindermissionswerk Die Sternsinger (Obra da Infância Missionária Cantores da Estrela), de Aachen, na Alemanha. A inauguração ocorreu no ano seguinte. O prédio foi batizado em homenagem a Clara Donneli-Comboni, mulher já falecida de um grande doador. No imóvel funcionam três creches para crianças de diferentes idades, jardim de infância, refeitório e alojamento de voluntários. Dois ônibus escolares foram doados pela Volkswagem. Existe outra creche no povoado de Malhada. Seiscentas crianças são atendidas na área urbana e na zona rural.
Captação de recursos administrativos-financeiros - Ver capítulo I
Quadra de esportes – Doada por um empresário cearense para lazer da comunidade. Estava prevista a construção de um galpão para os grupos culturais da cidade ensaiarem.
Escola de marcenaria – Dividida em dois ambientes para aulas práticas e teóricas. Produz e vende móveis. O dinheiro arrecadado serve para manter o curso profissionalizante. As turmas têm 20 alunos. Os alunos recuperam e fabricam objetos de madeira para a comunidade”. Quando Meus Sertões esteve lá, estavam reconstruíndo a carroça de uma catadora. O responsável pela oficina é Sandoval Freire, 46 anos. O projeto tem apoio do Senai.
Escola de solda – Era mantida pela Petrobras, mas parou as atividades após a empresa cortar o patrocínio. Ver capítulo I.
Biblioteca – A biblioteca foi uma doação do povo e do governo do Japão. O representante do Consulado Geral do Japão, em Recife, viu uma reportagem sobre a Fundação Terra e resolveu conhecê-la. Durante a visita, perguntou do que precisávamos. Um sociólogo carioca tinha feito uma observação interessante sobre Arcoverde. A cidade tinha, na época, 60 mil habitantes e nenhuma biblioteca. Então foi o que pedimos. Eles fizeram questão que ela fosse construída na comunidade. O nome se deve ao fato de a doação de livros ter sido feita pelo colégio Notre Dame, do Rio de Janeiro. A biblioteca oferece cursos de informática para a comunidade.
Projeto de construção e recuperação de casebres – Quatro casas foram construídas, mas a iniciativa foi suspensa por falta de recursos.
Sistema comunitário de distribuição de água – Distribuição de 40 litros de água diários, retirados da propriedade do Instituto Servos de Deus, para os moradores.
Abrigo de idosos Domus Christi (Lar de Cristo) e Centro de Reabilitação Mens Sana (Mente sã) – Os dois serão tratadas em capítulos à parte.
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As tilápias de padre Antônio O ganho dos associados Apostolado diferenciado As associações de mulheres Ivone, a mãezona Preço da ração dispara A fábrica de gelo O beatismo - capítulo de transição Padre Airton e a transformação de Arcoverde O abrigo Domus Christi Beijinha O centro de reabilitação Mens Sana O refúgio e os Servos de Deus
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.