Quando entrei no curso de jornalismo, participei de uma oficina. A tarefa era escrever um perfil. Escolhi fazer o da minha vó. Por timidez, talvez. E por entender que a sua vivência deveria ser compartilhada. Da nossa conversa sem pressa, descobri nuances nunca ditas. Observei que uma entrevista vai além de declarações. O silêncio diz, e as ruas falam. Escrevi o texto depois de reunir tudo no meu caderninho, no gravador e na memória. Foi revelador.
Agora, depois de quatro anos de estudos, passei por outro processo intenso de aprendizagem que surgiu no corredor da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Foi lá que conheci dona Jielza em uma pauta sobre direito à moradia. Diferente dos outros entrevistados, ela me convidou para ir à ocupação e me chamou a atenção para violações de Direitos Humanos contra a comunidade. Ela chorou. Eu me emocionei.
De volta para a redação da rádio universitária, o assunto martelava na minha cabeça. Mas a história não foi ao ar. O que ouvi se revelara complexo e exigiria de mim mais compreensão. Em uma pesquisa rápida na internet, encontrei pistas de que existia muito o que ser contado sobre um conflito de terra com mais de duas décadas no município sergipano de São Cristóvão, localizado na região metropolitana de Aracaju.
chão provisório
Foi o início de uma apuração que terminou no final de julho deste ano com a apresentação do audiodocumentário “Chão Provisório” na banca do TCC orientado pela professora de Jornalismo da UFS, Greice Schneider, e coorientado pelo jornalista Paulo Oliveira, a partir do projeto “Meus Sertões Universidade”.
Antes disso, precisei reunir e ler diversos documentos, como processos, relatórios e trabalhos acadêmicos, entrevistar ocupantes, representantes de movimentos sociais, defensores, procuradores e pesquisadores, e ver diversos materiais audiovisuais sobre o assunto.
Ao longo desse processo, percebi que o fio condutor do TCC sobre a disputa por terra seria a ocupante Jielza Correia, 56 anos. É a partir da chegada dela no acampamento, também conhecido como Resistência da Cabrita, que o discorro sobre aspectos do conflito: os despejos, as violações de Direitos Humanos, a defesa do Ministério Público Federal e ataques sucessivos contra a comunidade.
O trabalho não terminou na apresentação do TCC. Voltei à ocupação. Dessa vez, para mostrar o audiodocumentário aos ocupantes da Cabrita. O frio na barriga surgiu diante dos personagens que havia reunido ao longo de quase um ano. E foi gratificante observar cada reação: uma gargalhada, um olhar emocionado. O encontro ocorreu no barracão, área destinada à convivência coletiva e reuniões.
Percebi que o trabalho jornalístico ganha novos significados à medida que é consumido. Pode não ser uma novidade, mas isso me dá forças para continuar a contar outras histórias com olhar atento para as ruas, pauteiras por excelência.
Clique aqui para ouvir 'Chão provisório'
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