Paulo Oliveira e Thomas Bauer (*)
Renilda Maria de Oliveira pegou uma vasilha e saiu para trabalhar na praia da Barra, em Passo de Camaragibe, Alagoas, em uma manhã de agosto de 2019. Ao entrar na água, se abaixou como de costume, mas sentiu a areia fofa. Ela estranhou e levantou o pé. Algo que define como uma “nata preta” começou a subir. A marisqueira demorou um pouco a voltar para casa. Quando retornou, era tarde.
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Renilda começou a pescar aos 10 anos por imposição da mãe. Ela detestava procurar marisco na lama, mas foi se acostumando. Quando chegava em casa, lavava os frutos do mar, cozinhava, tirava as cascas, ensacava e saía para vendê-los, com as mãos machucadas e ganhando os primeiros calos.
Era com o dinheiro que arrecadava na venda de dois ou três quilos de mariscos tirados da maré que a família – pai, mãe e sete filhos – sobrevivia. A rotina de sair às quatro horas da manhã e voltar no final da tarde também rendia dores nas costas e nas mãos.
Com o tempo, a menina passou a ajudar os pescadores a desmalhar (tirar o peixe da rede) sardinha. Em troca, ganhava dois quilos de pescado. Hoje, aos 62 anos, também continua desmalhando.
O aprendizado pela sobrevivência não permitiu que estudasse. Mal cursou o primeiro ano do ensino fundamental. A vida, que não era fácil, piorou quando o petróleo chegou às praias do litoral das regiões Nordeste e Sudeste muitas décadas depois.
Voltamos aqui ao início da história. O tempo que Renilda levou para deixar a praia, no dia em que ocorreu o maior crime ambiental em extensão territorial do país, deixou os braços e pernas dela comichando. Quando chegou em casa, o comichão era queimadura. Para minimizar o sofrimento, a marisqueira foi tomar banho, mas a sensação de fervura continuava. Dois dias depois, surgiram “papocas” (bolhas) e pus.
“Aí, eu fui pro médico. Ele examinou direitinho e me perguntou se eu tinha ido para a praia. Respondi que sim, que minha vida era a praia e que criei três filhos na maré. No total, foram quatro meninos e uma menina, mas dois ficavam com minha tia” – conta .
As queimaduras causadas pelo petróleo a faziam retornar duas vezes por semana ao pronto-socorro. Por não suportar a queimação, dona Renilda dormia, sentada, em uma cadeira, na porta de casa. A brisa aliviava o sofrimento.
“Eu passei mais de dois meses com o óleo queimando minha pele. O médico passou uma pomada e eu fazia um chá de mato de capoeira e passava duas vezes por dia nas feridas” – revela.
Renilda só voltou a pescar um ano depois do crime ambiental. Nesse período, ela sobreviveu com a ajuda de amigos e vizinhos. Eles lhe davam feijão, arroz e farinha. De onde esperava auxílio, do presidente da colônia de pescadores, não obteve”. É que a mulher do pescador não se dava com a marisqueira.
“Quando voltei para a maré, fiquei cismada. O tempo todo achava que o petróleo ia voltar” – diz.
A marisqueira recebeu ainda dois salários mínimos (R$ 998, em 2019) do governo federal, mesmo assim porque o presidente em exercício era o senador Davi Alcolumbre. O benefício foi considerado concessão extraordinária do seguro-defeso, benefício pago enquanto a atividade pesqueira é proibida para a preservação de espécies marinhas. O atual presidente Jair Bolsonaro prometeu, mas não pagou o seguro.
“Comprei alimentos com o dinheiro. A gente comia menos, mas dava para sobreviver” – relata .
Três anos depois do crime ambiental, Renilda Maria continua vivendo da pesca. Um pacote de um quilo marisco é vendido por R$ 30, embora os clientes reclamem do preço. A jornada de trabalho da sobrevivente do petróleo diminuiu porque as dores na coluna aumentaram. E ela não faz nenhum tratamento de saúde.
Ao mesmo tempo que torce para que não ocorram mais desastres ambientais iguais aos de 2019, a marisqueira se preocupa com o aparecimento recente de pelotas de óleo nas praias. Os filhos pedem para que Renilda parar de trabalhar. Ela pensa nessa hipótese, mas não sabe viver de outra forma.
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(*) Esta série foi produzida por Meus Sertões em parceria com o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).
Foto da capa de Meus Sertões: A marisqueira Renilda diante de um dos banners de trabalho acadêmico que visa preservar a memória sobre o maior crime ambiental em extensão do Brasil . Crédito: Thomas Bauer/ H-3000 – CPP
Foto do alto da página: Caso de Renilda é apresentado na campanha Mar de Luta. Crédito: Paulo Oliveira
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.