Os principais peixes criados em Jatobá são as tilápias nilóticas, da linhagem chilatrada, melhoradas geneticamente com cruzamento, não com manipulação. A experiência de melhoramento começou a ser feita na Tailândia, por isso, embora sejam nativas da África, elas também são chamadas de “tailandesas”. No Brasil, algumas firmas de alevinagem prosseguem com experiências de melhoramento para obter um peixe com cabeça menor, lombo com mais carne e tempo menor de crescimento. Hoje, são necessários cerca de sete meses para as tilápias atingirem 1 kg, 1,2 kg.
Em 2018 e 2019, a média mensal de ganho por associado foi de R$ 1.700. No entanto, em alguns meses é possível receber até R$ 3 mil, salários equivalentes ao dos funcionários da Chesf, que hoje são poucos. Até 2013, a média era de R$ 2.500/R$ 3.000.
Antes do surgimento das associações, os homens trabalhavam consertando cercas de propriedades e eram pagos com almoço e janta. Poucos recebiam dinheiro, em torno de R$ 5 por semana. A única oferta para as mulheres era para serem domésticas em Itaparica, antiga vila, hoje bairro de Jatobá. A jornada de segunda a sábado até o meio-dia, cuidando de crianças à noite porque tinham que dormir na casa dos patrões, rendia R$ 50 mensais. Como comparação, as pessoas que evisceravam os peixes nas primeiras associações recebiam diárias de até R$ 100.
O modelo de negócios
A iniciativa de criar pisciculturas na região contrariou os patrões, obrigados a oferecerem “salários” maiores. Padre Antonio também ressalta que a iniciativa reduziu o número de pessoas que ficavam com “a cuia na mão” na porta do prefeito e dos vereadores. A independência financeira fez aumentar a cobrança sobre os políticos.
“Isso incomodou. E aí os “tubarões” tentaram desestimular os trabalhadores” – conta o religioso.
A rotinha de trabalho de cada associação é dividida de acordo com os grupos – cada um com quatro pessoas. Quem está no turno de 24 horas é responsável por alimentar os peixes e ficar atento aos tanques para ver se algum morreu. Nesse caso, a tilápia têm que ser retirada rapidamente para evitar que apodreça dentro do tanque e contamine as outras.
Os trabalhadores também têm que pesar a ração, pois cada tanque tem um consumo diferente, dependendo da quantidade e do tamanho dos peixes. O alimento é distribuído na passarela para onde é levado de barco. Às vezes, é necessário misturar vitamina C à ração, principalmente quando a água vai mudar, para preparar o organismo do peixe para a mudança.
Tem momento que tem de vitaminar, principalmente quando a água vai mudar, para preparar o organismo do peixe para receber aquela água. À noite, os integrantes do grupo preenchem uma planilha com a quantidade de ração usada e com o número de peixes mortos em cada tanque. O coordenador do dia (a coordenação é feita em sistema de rodízio diário) anota em outra planilha os pedidos recebidos e a quantidade de clientes e visitantes atendidos.
A turma de 24 horas também é responsável pela limpeza do ambiente no escritório, na cozinha, no dormitório e nos banheiros. E pela despesca, retirada dos peixes dos tanques com o depiné (puçá), e preparação para a pesagem antes de entregá-los aos clientes.
O turno de apoio de apoio é responsável pela manutenção. Toda vez que os tanques são despescados, são verificados para checar se as telas não estão arrebentadas. As tramas são lavadas com água e cloro, além de um produto para tirar bactérias. O mesmo ocorre com os comedores, trançado colocada ao redor dos tanques para a ração não sair.
Os peixes das associações são vendidos para os estados da Bahia, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Há algumas particularidades: os compradores de Arapiraca (AL) compram e vendem peixes vivos para comercializarem nas feiras.
As prefeituras eram clientes das associações. No entanto, devido ao atraso constante dos pagamentos, os associados decidiram cortar o fornecimento, inclusive o que era feito para o “jejum”, tradição nordestina de distribuição de peixes gratuita para o povo feita pelos governos municipais, na Semana Santa. Os negócios com os prefeitos foram interrompidos em 2008.
Padre Antonio avalia que até junho de 2018 o mercado estava bom para os criadores de peixes. Segundo ele, empresários do sul do país enviavam peixe para o Nordeste, mas a quantidade era inexpressiva. Por isso, a política de preços era determinada regionalmente.
Com a greve dos caminhoneiros, entre 21 e 30 de maio, a venda de pescado parou em todo o Brasil, o que acarretou um grande problema: como escoar milhares de toneladas de peixes acumulado, ainda mais que junho é o mês que se consome menos pescado no país?
Outro fato teve pior consequência. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e a Receita Federal fizeram fiscalização na venda de peixes em três grandes supermercados. Viram que nas notas fiscais não constava o registro do pescador ou do aquicultor, bloquearam a comercialização e retiraram todos os estoques dos mercados. Além disso, aplicaram multa no Assaí (R$ 2 milhões), integrante do Grupo Pão de Açúcar, o segundo maior do país, e Carrefour, o primeiro do ranking. O que veio a seguir foi catastrófico para os criadores.
“Os supermercados pararam de comprar os peixes dos frigoríficos. E os frigoríficos deixaram de comprar dos produtores no momento em que havia pescado em excesso por causa da greve dos caminhoneiros. Além disso, o preço da ração, que tem componentes importados (vitaminas e sais minerais), aumentou. Como consequência os produtores do Sul enviaram peixes para o Nordeste, o preço despencou e nunca mais se recuperou. Como consequência muitos produtores quebraram e outros passaram a vender, praticamente, por preço de custo até que o mercado melhore” – conta Antonio Miglio.
Para Antonio, a tendência é o mercado se estabilizar e as grandes empresas, com pequena margem de lucro e elevada quantidade negociada dominarem o mercado. Os pequenos produtores, na visão do padre, sobreviverão se tiverem melhor qualidade e baixo custo de produção.
“Tem que ter muito zelo e dedicação na criação e evitar desperdícios” – ensina.
Ele cita como exemplo a necessidade de lavar os comedouros quinzenalmente para evitar doenças, diminuição de oxigênio e crescimento de algas, focos de bactérias debaixo dos tanques. No entanto, é comum ver criadores lavando os tanques só após a despesca, ou seja, de sete em sete meses.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.