Acostumado a lidar com a fazenda onde cria bodes, pavões, galinhas e perus, Hermenegildo Alves da Cruz, conhecido como Hermes, ficou inconformado após sofrer um acidente de trânsito que o deixou acamado.
Estava com 54 anos (hoje tem 60) e não imaginava que levaria quatro anos para recuperar o movimento de uma das pernas, após ter a canela esmagada pelo carro que atingiu sua moto.
Originário de uma família que misturava gente do cangaço e policial que os perseguia, João não se acomodou. A prima de seu pai era Dadá, “uma cabocla amansada a dente de cachorro”, e o avô João Quibele, odiado por Corisco.
Um dia, ainda preso à cama, viu um amigo paulistano de seu sobrinho, que visitava Macururé, fazer uma cestinha de cipó.
“O trabalho não estava bem feito, mas fiquei observando. Foi aí que descobri o artesanato”, conta.
Quando recuperou a mobilidade, voltou a pilotar motocicleta para ir à Serra do Tonã, no Raso da Catarina, distante oito léguas (48 quilômetros) de sua casa em Macururé. Tinha o objetivo de recolher quatro sacos de caroá, ramos de um tipo de bromélia cujas fibras são utilizadas para confeccionar barbantes, linhas de pesca, tecidos, chapéus e peças artesanais. O caroá também tem propriedades medicinais que atuam contra inflamações, dores e úlceras gástricas.
Para concluir a tarefa, Hermes levou oito horas, tomando o cuidado de recolher parte das ramas e deixar metade no solo para não matar a planta. As viagens viraram rotina. A coleta é suficiente para produzir peças por um mês. Nos últimos tempos, devido à estiagem, o caroá está rareando. É preciso chuva para que ele volte a se espalhar.
PEÇAS E PREÇOS
Depois de aprender a fazer cestas, Hermes passou a criar outras peças. São bodes, cujos rostos são feitos de cola e pó de serragem, seriemas, caqueiros, luminárias, abajures e outras variedades de peças decorativas. Os preços variam de R$ 10 (casinhas simples) até R$ 100 (luminárias com suporte de madeira). Já um jegue grande com dois caçuas custa R$ 85.
A maior dificuldade para os artesãos do semiárido venderem seus produtos é a falta de divulgação. Muitos deles não são associados à cooperativa, nem possuem lojas. Para localizar a residência ou a propriedade rural é preciso fazer valer o ditado “quem tem boca vai a Roma”. Hermes conta que chega a demorar três meses para vender uma peça em casa, onde ele guarda o acervo.
A situação melhora quando é chamado para participar de exposições em cidades próximas. Em Uauá, a cerca de 151 quilômetros, chegou a vender 30 peças em um único dia.
“Já vendi carneiros de cipó para turistas do Rio Grande do Sul, São Paulo e Ceará” – diz, orgulhosamente.
Entusiasmado com trabalhos manuais, Hermes começou a produzir, há seis meses, esculturas, utilizando pedaços de umburana seca, abandonados na caatinga por desmatadores. A árvore, também conhecida como imburana ou cumaru, é utilizada para produção de móveis finos e portas.
As obras mais frequentes são carrancas e pássaros. Os preços variam de R$ 10 a R$ 15.
FAMÍLIA TALENTOSA
A mulher de Hermes, Maria de Lurdes Souza da Silva, a Lurdinha, também faz trabalhos manuais: panos de prato, almofadas e fronhas.
Lurdinha incentiva e faz propaganda do marido e do filho, José Carlos Souza, ex-seminarista, que trabalha com barro, pneus e pinturas.
Hermes e Maria de Lurdes são primos. Tiveram seis filhos. Quando casaram não tinham nada. Trabalhavam como cuidadores de um casal de idosos. Graças aos seus esforços, conseguiram comprar uma propriedade rural e uma casa em Macururé. Além disso, têm uma qualidade valiosa: estão sempre dispostos a aprender a fazer coisas novas.
Leia também
A arte de tecerA foto do caroá é uma reprodução do site wikimedia.org
- Author Details
Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.