Adão Ferreira dos Santos, 22 anos, o Dão, começou a usar turbantes por acaso. Ele dava aula de dança e treinamento funcional em uma academia e ficava incomodado com o suor que escorria do cabelo. Um dia, pegou uma faixa para prender o black. Como o tecido era grosso, foi espichando, espichando até que se deu conta que estava usando algo parecido com um turbante.
O passo seguinte foi fazer pesquisas na internet, incluindo os diversos tutoriais do You Tube. Se entusiasmou tanto que passou a cobrir a cabeça sistematicamente. A princípio, dentro de casa. Mas a medida que entendeu a importância do turbante como afirmação dos negros – embora o adereço seja usado por pessoas de diferentes etnias mundo afora -, resolveu enfrentar o preconceito e sair às ruas de Araci, cidade baiana da região sisaleira.
Ex-catequista, ex-coroinha e participante da Pastoral da Juventude, Dão primeiro teve que suportar a pressão dos frequentadores da igreja:
“Como os turbantes tem uma ligação muito forte com o candomblé, as pessoas me perguntavam se eu tinha raspado o santo, se tinha saído da igreja e algumas lideranças da paróquia diziam que eu estava querendo criar conflito porque algumas vezes eu ia para a missa com meu turbante” – conta.
O jovem teve que explicar para o padre que seu intuito não era afrontar a Igreja Católica. Mesmo assim, as pessoas que passavam por ele na rua mudavam de calçada ou faziam o sinal da cruz no peito. Mesmo incomodado ele seguiu adiante, apesar dos percalços.
Quando trabalhava no call-center de uma empresa foi barrado pelo segurança por estar de turbante. Alegou que o regulamento que recebeu não permitia boné, gorro e touca, mas era omisso com relação ao adereço. Na primeira vez, sua entrada foi franqueada pela supervisora. Mas daí em diante teve que optar pelo turbante ou o emprego. Ficou com o segundo, mas começou a pensar em mudar de cidade.
Há um ano e meio, Dão foi morar com o companheiro, em Feira de Santana, onde começou a gravar vídeos amadores, ensinando como fazer diferentes tipos de turbantes. Apesar de a concorrência ser grande, percebeu que podia ir além. Enviou e-mails para o programa É de casa, da TV Globo, e foi citado pelo apresentador Zeca Camargo, o que começou a abrir portas. A essa altura passou a vender tecidos de malha, tricoline e chita para adeptos de turbantes.
“Muitos turbanistas preferem usar o somakaka, tecido africano considerado ideal, mas ainda não cheguei lá” – diz.
PROGRESSO
Em fevereiro deste ano, o jovem empreendedor criou uma página de trabalho no Facebook, a Dão Turbantes. A esta altura se sentia mais confiante. Conhecia melhor a história das peças que confeccionava. Descobriu que ninguém sabe a origem dos turbantes, embora se desconfie, sem comprovação, que ele surgiu na Pérsia (atual Irã).
“Não só africanos utilizam o turbante. No oriente, o uso é massivo por causa da religião islâmica. Indianos e xeiques árabes usam este adereço como representação social e religiosa. No Brasil, ele é mais conhecido devido às religiões afros” – explica
A experiência na internet o levou a ser convidado para realizar oficinas em outras cidades. A primeira aconteceu em Araci, durante a Conferência da Juventude. Era algo bem prático, sem oportunidade de contar a história do turbante e desmistificar questões como a que atribui apenas a mulher o uso de turbante.
Vieram a de Feira de Santana, num encontro do Levante Popular da Juventude, e o primeiro encontro com quilombolas, em Monte Santo, durante a instituição de um projeto social que incluía a construção de moradias.
Em sua experiência em quilombos, Dão ficou espantado por não encontrar quilombolas com turbantes:
“No máximo, as senhoras usam lenço na cabeça. A reação dos participantes das oficinas, inclusive a de Laje dos Negros, em Campo Formoso, também é de surpresa. Ainda mais quando viram um homem usando o adereço. Creio que minha presença quebra um pouco este preconceito” – analisa.
LAJE DOS NEGROS
O Encontro da Juventude Camponesa nas Comunidades de Laje dos Negros foi organizado pela Pastoral da Juventude Rural (PJR) da Bahia, com apoio da ONG Cactus, dos moradores do quilombo, do site Meus Sertões, da Dão Turbantes e do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Sintraf) de Campo Formoso.
Embora voltada para jovens, a oficina permitiu a participação de pessoas de todas idades. Dona Neuma, artesã e dirigente da Associação de Mulheres de Laje dos Negros, mostrou que sempre é tempo para se embelezar e melhorar a autoestima.
No evento foram ensinados diferentes tipos de amarrações e modelos, incluindo o casulo (pré-pronto) e aramado. O turbanista revelou o segredo para preenchimento de turbantes por pessoas que tem menos cabelos.
“O truque é colocar um tecido embaixo para dar volume” – conta.
De forma divertida, o grupo aprendeu que não há tipos de amarrações específicas para homens e mulheres, mas as meninas preferem os mais delicados, em formato de flores.
“Esse encontro foi muito marcante para mim. De início umas participantes ficaram com vergonha, mas aos poucos elas foram se soltando e creio que ajudei a quebrar preconceitos” – comenta.
Apesar de estar ganhando espaço, Dão acredita que o afro empreendimento precisa de mais apoio e espaço midiático.
Além da oficina, ele vende tecidos, camisetas e faz a montagem de turbantes para quem quer usá-los em eventos. Para isto, cobra entre 15 e 20 reais. Há isenção de taxa se o pano for comprado com ele. Dão tem planos de expandir os negócios. Aos poucos vai ganhando fama. Recentemente, foi entrevistado numa emissora de televisão para dar dicas sobre o que usar na cabeça durante a micareta de Feira de Santana.
AVALIAÇÃO
A universitária e ativista Aliete Alves da Gama, 22 anos, uma das organizadoras do encontro em Laje dos Negros, avaliou que a oficina foi significativa para as jovens. Antes do evento, segundo ela, somente quatro moradoras da comunidade usavam o adereço:
“Aprendemos a importância de usar o turbante e que ele faz parte de nossas raízes, nossa identidade. Depois do encontro, nos sentimos mais seguras para usá-lo sem se importar com a opinião da sociedade. Entendemos que devemos colocar turbantes não por boniteza, mas porque faz parte de nossa história, nossa ancestralidade, e é uma forma de empoderamento” – diz.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.