SOTAQUE DE UM POVO NAS BARRANCAS DO VELHO CHICO
Andar sobre as águas do Velho Chico, sem-que-fazer, faz com que prestemos assunto a tudo e a todos.
Certa feita, fiquei a observar o comportamento do beiradeiro diante de pessoas estranhas:
À boca-da-noite, descia rio abaixo um barco com capota, motor de popa e casco de fibra. Levava homens de pele encarnada, mulheres bronzeadas pelo sol da Bahia. Todos usavam boias salva vidas. Decerto eram de outra região. O motor do barco desligado, o rio silencioso e as pessoas sem falar um isto.
Na outra margem, o beiradeiro assunta tudo, desconfiado, bota travessia e apruma o barco em paralela simétrica, beirando o barco dos visitantes. Com feição de discursador, o beiradeiro tirou a faca e o fumo, o que, na convenção do rio São Francisco, indica o desejo de puxar conversa, prosear, apresentar-se.
O beiradeiro soltou o remo dentro do paquete, que descia água abaixo, e foi picando o fumo, minuciosamente, ajuntando-o na concha da mão.
No outro barco, que também descia a esmo, o homem de pele avermelhada ofereceu-lhe o maço de cigarro, o beiradeiro fez menção de pegar, mas encolheu a mão, de sopapo. E disse:
“Muito agradecido… Eu pito é desses nossos, dos de papel… A gente tá acostumado com fumo grosso só… aqui o fumo entra é de rolo, seu moço…”
Aí, o beiradeiro, soltou duas nuvens de fumaça da boca e saiu, remando, remando…
COISAS DE XIQUE-XIQUE NA BAHIA.
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DICIONÁRIO BEIRADEIRO
Sem que fazer – Desocupado
De sopapo – De repente
- Author Details
Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.