SOTAQUE DE UM POVO NAS BARRANCAS DO VELHO CHICO
“Nós beiradeiros deveríamos ter a consciência mais forte do que o poder do lugar. A naturalidade com que aceitamos a transformação do rio, parece até que o ser humano é quem está sendo destruído pelo rio.
O beiradeiro está preste a virar sertanejo, usando práticas de desertificação à margem do seu maior patrimônio, na esperança de esverdear suas terras com pastos, sem pensar na resposta da natureza.
Plantam-se mangues nas areias das croas, chamam lama pra riba, assoreando o Velho Chico, alguns inocentemente, outros pela vontade de multiplicar o nascimento de bezerros no ano seguinte.
O infeliz do capitalismo selvagem invadiu o nosso rio. A busca, demasiadamente, pelo capital está corroendo, deteriorando, achacando a alma do ser humano. Amazelando? Não diria. Talvez, numa cantoria, em estado de poesia poderia, conjugaria, verbalizaria o substantivo.
Na luta das carrancas contra os maus-espíritos, os demônios conseguiram expulsar do Velho Chico, canoas cargueiras; expulsaram os empurradores; expulsaram o vapor gaiola, calando seu apito ensurdecedor ao partir; expulsaram os surubins, que emergiram diante do pescador Nozim; continuam expulsando as arribadas de curimatá; expulsam o pulo da matrinxã, na calada da manhã; expulsam as matas frondosas, ciliar, dos olho quase fechado do rio. Sobram apenas barrancos e areias desoladas em um leito pobre”.
Coisas de Xique-Xique na Bahia
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Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.