Homens que falavam com os mortos

Em cerca de cinco horas de conversa durante três dias da Semana Santa deste ano, em Santa Brígida, no sertão baiano, o agricultor José Rodrigues dos Santos, 97 anos, homem de confiança do beato Pedro Batista, contou 18 histórias que ouviu desde criança de seus pais, seus avós e de seu líder espiritual. A maioria tem como personagem direto ou indireto o padre Cícero Romão Duarte, o Padrinho Ciço, no qual deposita muita fé.

Hoje, Meus Sertões publica a terceira história da série que termina no final do mês com o perfil de José Rodrigues. Os outros 15 casos relatados pelo agricultor serão transformados em um e-book e publicado em breve. Neste episódio, seu Zé faz uma comparação entre Santo Antônio e Padre Cícero. Vale ressaltar que como a história abaixo não foi gravada, o conteúdo foi mantido, mas a fala regional sofreu adaptações.

“Santo Antônio era de Lisboa, mas vivia na Itália. Um dia o pai dele viu uma pessoa morrendo e foi ajudar. Os guardas chegaram e viram ele do lado do corpo. Então resolveram prender o homem. Um anjo apareceu para Santo Antônio e disse para ele voltar a Portugal senão o pai dele sofreria uma injustiça.

Antônio, que se chamava Fernando e por sofrer perseguições mudou de nome, se materializou na cena do crime onde o pai estava sendo preso e disse que o pai era inocente. Os guardas disseram que ele era assassino e seria preso porque estava ao lado do corpo.

Santo Antônio então perguntou ao morto se o pai matara e o defunto respondeu:

“Não foi ele que me matou. Na hora de minha morte ele ainda me ajudou”.

O pai então foi solto. E passaram a dizer que o Antônio era santo porque fez o morto falar.

O mesmo aconteceu com Padre Cícero. Ele foi chamado para confessar um moribundo a seis léguas de distância. No caminho, antes de deixar Juazeiro, veio a notícia por um mensageiro que o Padrinho não precisava ir mais porque o homem morreu. O Padrinho foi assim mesmo. Chegou e foi recebido pelos parentes do morto que disseram que ele não precisava de ter ido lá.

Cícero, no entanto, fez questão de ver o morto. Entrou no quarto e perguntou se ele ainda queria se confessar. O morto disse que sim. O padre falou para ele sentar e o morto sentou. O padre mandou todo mundo sair do quarto e ouviu a confissão do morto. Depois disse, agora deite. E foi o que ocorreu.

Até ali pensavam que ele era um padre igual aos outros, mas depois diziam que ele era santo porque fez um morto falar.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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