Preço da ração dispara – capítulo VI

O aumento do preço da ração, responsável por 80% do custo de produção da criação de peixes, é o que mais preocupa os piscicultores nos últimos oito meses. Paulatinamente, a margem de lucro está diminuindo.  O reajuste, entre dezembro de 2019 e agosto de 2020, soma 15%, enquanto a inflação do período é de 1,86%, segundo o IBGE.

O valor do saco de 25 quilos de ração varia de RS 46,12 a R$ 174,13 reais, dependendo da fase de crescimento da tilápia, da quantidade de proteína e da marca. O custo de produção de pescado para o produtor chega a R$ 8,50, o quilo. A consequência é o repasse gradual da despesa para o consumidor. Nas feiras, o quilo de peixe é comercializado entre R$ 12 e R$ 14.

A expectativa de que a pandemia dificultaria a comercialização de peixes não se confirmou. Já um outro episódio, ocorrido entre fevereiro e março deste ano, provocou mudanças no número de criadores em Jatobá: fiscalização federal retirou licenças de 20 das 62 pisciculturas existentes em Jatobá. Elas não estavam produzindo ou apresentavam pendências como o não envio do relatório anual de produção. Quatro deles se comprometeram a regularizar a situação e continuam funcionando. Na prática, Jatobá passou a ter 46 pisciculturas em atividade, mas não reduziu a produção

O coordenador da unidade de gestão territorial de governança das redes produtivas do ProRural (programa de fomento do governo estadual), Kleiton Lima, fez também um resumo dos acontecimentos que impactaram o setor em 2019. A proliferação de baronesas, devido à falta de saneamento básico nas cidades do entorno e ao acúmulo de matéria orgânica no Lago de Moxotó, resultou na paralisação de atividade em pisciculturas nas cidades de Glória (BA) e Jatobá (PE) e na diminuição da oferta de peixe.

Outra fato considerado ruim por Kleiton foi a perda de prazo da cooperativa de Petrolândia (PE) para a construção de um frigorífico, voltado para o beneficiamento do pescado (produção de filés) e para o desbravamento de novos mercados. Por não cumprir o que foi tratado, a cooperativa teve que devolver ao Banco Mundial empréstimo de R$ 3,5 milhões. Isso, de acordo com o gestor do ProRural, impediu a abertura de negócios como a venda de filé de peixe e a concessão do selo de inspeção federal para o produto.

No biênio 2019/2020, as chuvas permitiram a recuperação do volume de água nos lagos de Moxotó e Itaparica, que estavam baixos. Eles atingiram índices superiores a 90% e afastaram de vez a ameaça de queda de produtividade.

A GREVE DE 2018

Padre Antônio avalia que até junho de 2018 o mercado estava bom para os criadores de tilápias. Segundo ele, empresários do sul do país enviavam peixe para o Nordeste, mas em pouca quantidade, fazendo com que a política de preços fosse determinada regionalmente.

Com a greve dos caminhoneiros, entre 21 e 30 de maio, a venda de pescado parou em todo o Brasil, o que acarretou um grande problema: como escoar milhares de toneladas de peixes acumulado, ainda mais que junho é o mês que se consome menos pescado no país?

Além disso, outro fato causou sérios prejuízos: a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo e a Receita Federal fizeram fiscalização em três grandes supermercados. Os fiscais viram que nas notas fiscais não constava o registro do pescador ou do aquicultor. Eles bloquearam a comercialização e retiraram todos os estoques dos mercados.

Mais: aplicaram multa no Assaí (R$ 2 milhões), integrante do Grupo Pão de Açúcar, o segundo maior do país, e no Carrefour, o primeiro do ranking. O que veio a seguir foi catastrófico para os criadores:

“Os supermercados pararam de comprar os peixes dos frigoríficos. E os frigoríficos deixaram de comprar dos produtores no momento em que havia pescado em excesso por causa da greve dos caminhoneiros. Além disso, o preço da ração, que tem componentes importados (vitaminas e sais minerais), aumentou. Como consequência os produtores do Sul enviaram peixes para o Nordeste, o preço despencou e nunca mais se recuperou. Muitos produtores quebraram e outros passaram a vender ao preço de custo até que o mercado melhorasse” – conta Antonio Miglio.

A partir daí, segundo o padre, houve estabilização e grandes empresas começaram a dominar o mercado, com pequena margem de lucro e elevada quantidade negociada. A sobrevivência dos pequenos produtores passou a depender da melhoraria de qualidade e da redução dos custos de produção.

“Tem que ter muito zelo e dedicação na criação e evitar desperdícios” – ensina.

Algas que proliferam no fundo dos tanques-rede. Foto: Severino Silva
Sem limpeza, as algas proliferam no fundo dos tanques-rede. Foto: Severino Silva

Exemplo de cuidado, segundo Antonio, é a necessidade de lavar os comedouros quinzenalmente para evitar doenças, diminuição de oxigênio e crescimento de algas, focos de bactérias, debaixo dos tanques. No entanto, é comum ver criadores lavando os tanques após a despesca, ou seja, de sete em sete meses.

Jatobá é o maior produtor de peixes do estado, inclusive é chamada de “Capital da Tilápia de Pernambuco”. Produz cerca de 14 mil toneladas anuais, equivalente a 56% do total da região. Aproximadamente 400 famílias dependem da aquicultura em Jatobá, segundo dados do ProRural.

O município possui hoje 46 pisciculturas em funcionamento, incluindo as familiares, as ligadas à diocese, as médias (produção de até 50 toneladas mensais) e as grandes (a empresa Netuno, por exemplo, tem fazenda de cultivo na cidade e produz mil toneladas/mês, na Bahia e em Pernambuco. Em Paulo Afonso (BA) possui centro de alevinagem, unidades de beneficiamento, fábrica de farinha e óleo de peixe).

Kleiton Lima ressalta que o diferencial do município é a grande presença de piscicultores individuais, a maioria provenientes das associações criadas por Antonio Miglio e Ivone. Kleiton, que também é engenheiro de pesca, revela que 50% do PIB (R$ 104 milhões, em 2015*) de Jatobá vem da piscicultura.

Padre Antônio diz o modelo associativo com 12 pessoas é mais vantajoso para as cidades do que os demais. Primeiro porque emprega um número maior de pessoas, cuja renda, de um a três salários mínimos, fica totalmente no município. Já o capital das grandes empresas é investido em outras regiões. A piscicultura também reduziu ou acabou com o êxodo nas comunidades ribeirinhas. Antes delas, 80% dos trabalhadores iam trabalhar na construção civil em outros estados.

FALTA DE APOIO DA PREFEITURA

Jatobá não goza de todos os benefícios provenientes da atividade econômica, por incompetência de seus dirigentes. A prefeitura não tem dados sobre as criações de peixe nem políticas públicas voltadas para ampliá-la. Há um ano pedimos informações e, apesar das promessas dos assessores da prefeita Goreti Varjão, incluindo seu marido e ex-prefeito Itomar Varjão, até hoje elas não foram coletadas nem divulgadas.

A cidade também sofre as consequências de não ter agência bancária. A última foi explodida em um assalto e nunca mais foi reativada. Portanto, os pagamentos são feitos nas cidades próximas, Petrolândia, Serra Talhada (PE) e Paulo Afonso (BA). Para evitar assaltos nas estradas, os jatobaenses fazem compras nestes municípios.

“É uma das pendências que o município não consegue resolver. O capital, estimado em R$ 7 milhões, saí todos os meses. O que mantém Jatobá hoje, sem sombra de dúvida é a piscicultura” – acentua Kleiton.

Outro retrocesso foi o fim da Feira de Negócios da Tilápia de Jatobá, realizada em 2013 e 2014, que reunia milhares de pessoas.

Para instalar uma associação ou pequena aquicultura são necessárias licenças da Prefeitura, do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováreis), da ANA (Agência Nacional de Águas), da Marinha e da cessão de uso da Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Sem o apoio da Diocese ou de órgãos governamentais é impossível um pequeno produtor se estabelecer.

Associado mostra um dos peixes retirado de um tanque-rede. Foto: Severino Silva
Associado mostra um dos peixes retirado de um tanque-rede. Foto: Severino Silva

A Associação de Jovens Produtores de Tilápia foi a primeira no Brasil a conseguir licença ambiental para tanques-rede em águas da União, em 2005. Só 12 anos depois foi concedida a segunda. Padre Antonio conta que foi necessário fazer o monitoramento detalhado, incluindo dados levantados por ele e pela Chesf, para provar que o impacto ambiental não era elevado. Atualmente, quatro associações possuem a documentação e outras estão prestes a receber.

“A legislação prevê que cada proprietário faça o monitoramento das águas frequentemente para manter a licença ambiental. Nós fizemos o primeiro porque conseguimos negociar, graças a credibilidade que temos, e por usarmos monitoramentos que a Chesf faz em algumas de nossas associações. Sem isso, o custo é absurdo. Em 2015, pagamos R$ 30 mil” – diz.

Padre Antonio dialoga há meses com a Secretaria da Pesca e da Apicultura, ligada ao Ministério da Agricultura, para que seja feito um convênio com uma universidade pública e órgãos estaduais para que o monitoramento do oxigênio em tempo real seja realizado em pontos específicos e um outro mais abrangente no lago, permitindo o licenciamento a todas piscicultura ali instaladas.

O FUTURO DA PISCICULTURA
Criação de tilápias em Jatobá. Foto: Severino Silva
Criação de tilápias em Jatobá. Foto: Severino Silva

Os produtores de peixe pernambucanos estão isentos do pagamento de ICMS no produto produzido e vendido no estado. Com isso, as pisciculturas legalizadas emitem nota fiscal sem problemas. A desobrigação de apresentação da Guia de Transporte de Animais (GTA), agora restrita apenas aos peixes vivos, facilitou o transporte da mercadoria. No entanto, há questões importantes a serem resolvidas.

Há 17 anos na gestão das associações de piscicultores da Diocese, Antonio Miglio diz que o tempo exige mudanças na atividade. E não tem quem se preocupe com os pequenos nesses períodos

Ele cita como exemplo caso ocorrido em Petrolândia, onde foi pároco. Lá existiam mais de 100 produtores de frango. Assim como a construção de um frigorífico vem a reboque da necessidade de os peixes terem selo de inspeção federal, no caso dos criadores de aves, as exigências foram aumentando até sobrarem apenas dois produtores capazes de arcar com os custos.

“Voltamos para os frigoríficos. Ou você é grande ou fecha. Quem tem volume pequeno não paga as taxas e as despesas para o beneficiamento. Então porque não legalizar pequenas unidades, que chamamos de peixarias, para os pronafianos ou artesanais. Isso seria aceitável. O peixe passaria por uma estrutura de higiene e conservação e permitiria a continuidade dos pequenos produtores. Espero que aceitem essa proposta” – defende.

Ao contrário de padre Antonio, que defende o modelo de associações, Kleiton e o governo estadual apostam na criação de cooperativas para o desenvolvimento do mercado de criadores de peixe.

“Os pequenos não entendem que têm que se juntar porque senão vão desaparecer. Tanto pela questão dos preços e das licenças quanto pela dependência das feiras livres. A gente dá ênfase às cooperativas, modelo que dá certo no sul do país. A Copacol, no Paraná, tem seis mil cooperados. Ela tem frigorífico para beneficiamento e fábrica de ração. Nós estamos tentando expandir a cooperativa de Petrolândia. Quanto mais integrantes, maior a capacidade de negociar com os fornecedores” – diz.

 

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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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