A Canudos do sul

Três mil quatrocentos e oito quilômetros separam a Canudos de Antônio Conselheiro da cidade homônima que homenageia o frei e missionário Francisco Luiz Kunrath, que atuou na Indonésia e no Timor do Leste. A viagem entre as duas cidades leva pelo menos trinta e quatro horas de carro, mas as diferenças culturais, sociais e econômicas são imensas.

A povoação da Canudos baiana, localizada no vale do rio Vaza-Barris, hoje represado pelo açude de Cocorobó, começou no século XVII (17) e atingiu o auge no final do século XIX (19), quando atraiu 25 mil seguidores do beato. Hoje a população estimada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é de 16.832 pessoas, sendo que 72,42% se declaram negros e 24,94%, brancos.

O município deve seu nome a uma árvore comum na região: o canudo-de-pito, também conhecida por atrair abelhas e dar origem a um excelente tipo de mel. Serve ainda para produção de duto de ar para cachimbos de barro. Segundo o Atlas Brasil, desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundação João Pinheiro (FJP-MG) e o Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a atual Canudos tem um baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

Os piores são educação (muito baixo – 0,453 em uma escala que vai até 1,000) e renda (baixo – 0,554 ou R$ 251 mensais [1]para cada indivíduo em 2016). O terceiro quesito, longevidade é alto (0,707), equivalente a expectativa de vida de 67,42 anos.

Já a Canudos gaúcha, um dos 36 municípios do vale do rio Taquari, surgiu em 1903 entre os loteamentos da empresa Bento Rosa Coutinho e de Nova Berlim (hoje a cidade de Marques de Souza). Adquirido em 1903 pela firma Eichenberg & Schaan, a propriedade foi dividida em lotes que se afunilavam na direção sul. Devido ao formato, ganhou o nome de Canudos.

Somente em 1949 a localidade passou a ser distrito de Lajeado, permanecendo assim até a emancipação em 16 de abril de 1996, quando foi obrigado a alterar o nome por existir um município homônimo. Seus moradores optaram por incluir o “sobrenome” do Vale na nova cidade, que só ganhou autonomia administrativa em janeiro de 2001.

Em duas décadas, um dos distritos mais pobres de Lajeado passou a ostentar alto lDHM (0,713). Em área 39 vezes menor e com população estimada em 1.693 habitantes, Canudos do Vale é uma cidade quase que totalmente branca: 97,3% dos moradores são europeus ou descendem de italianos e alemães, alguns falam o dialeto hunsriqueano, derivado das regiões francônio-renano e francônio-moselano, no oeste da Alemanha. Por terem chegado primeiro, os germânicos chamam os ítalo-brasileiros de gringos.

 

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Os dados do Atlas Brasil revelam que na Canudos sulista há apenas 46 moradores negros ou pardos, que fazem parte de quatro famílias, segundo o prefeito Paulo César Bergmann (MDB). Localizamos uma delas, mas seus componentes não quiseram falar sobre como é viver na localidade.

Com relação aos índices municipais, a Canudos gaúcho se destaca nos itens longevidade (muito alto – 0,840, equivalente a 75 anos de expectativa de vida) e renda (alto – 0,751 ou R$ 854,88 mensais[2] para cada pessoa em 2016). O índice educacional ainda é baixo (0,544), mas superior ao da cidade mais antiga.

Canudos do Vale era um dos nove distritos de Lajeado e seus moradores vivam se queixando de não ser prioridade para o governo municipal. Para se emancipar foi preciso fazer uma composição somando aos 67,5 km² originais, 2,19 km² de Boqueirão do Largo e 17 km² de Progresso, basicamente o distrito de Rui Barbosa, reduto italiano responsável hoje por 60% da economia local, graças às criações de aves (galinhas e frangos) e porcos.

Aqui vale um parêntese. A localidade que pertenceu ao distrito de Gramado de São Francisco, posteriormente vila e cidade de Progresso, tem o mesmo nome do jurista, político, diplomata e escritor baiano que se lançou em campanha à presidência da República, em 1910, em oposição a candidatura do marechal Hermes da Fonseca. O episódio conhecido como “campanha civilista” foi inicialmente apoiado por lideranças políticas gaúchas, como o senador Pinheiro Machado, mas não obteve êxito.

Os maiores criadores possuem aviários automatizados (galpões escuros climatizados com controle de temperatura, luminosidade, ventilação e exaustão. Uma unidade de 2.400 metros quadrados custa em torno de R$ 1,2 milhão, incluindo os gastos de terraplenagem e montagem. O investimento é pago em 10 anos. Um único galpão tem capacidade para produzir 35 mil frangos a cada 42 dias.

Eles são vendidos e entregues na unidade produtiva da Brasil Foods (BRF), empresa estabelecida a partir da fusão da Sadia e da Perdigão, a 38 quilômetros de distância. Os criadores possuem ainda gado de corte e plantam milho e/ou fumo.

A prefeitura de Canudos do Vale incentiva ainda pequenos e médios criadores de aves e porcos. Para a instalação de um “chiqueirão”, por exemplo, garante terraplenagem gratuita e incentivo de R$ 24 mil. Para quem prefere a agricultura é feita doação de sementes. O setor agropecuário responde por 93% da arrecadação municipal. A única fábrica de calçados gera 30 empregos. A prefeitura 130.

Na área de saúde, os canudovalenses são atendidos por três clínicos gerais, enfermeiros, psicólogo e quatro dentistas do município. Os casos mais graves são levados para o Hospital Bruno Born, em Lajeado. Desde o início da pandemia de covid-19, foram registrados 219 casos (13% da população) e quatro óbitos (0,24%).

Na área da educação, existem duas escolas municipais de ensino infantil; uma, de fundamental; e uma estadual que passará a ter exclusivamente ensino médio em 2022. Alunos que fazem cursos técnicos e universitários em colégios de cidades próximas têm transporte gratuito.

No setor turístico, o que chama a atenção são as cachoeiras. A mais famosa, a Cascata do Trovão, fica localizada na localidade Alta Forquetinha, no Arroio Lajeadinho, a 12 quilômetros do município. O acesso é difícil, a infraestrutura precária, mas compensa a beleza da queda de água de 30 metros de altura de um paredão rochoso em forma de ferradura. A cidade conta apenas com um restaurante e pousada com quatro quartos e um único taxista, que no final da tarde faz ponto em um bar.

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[1] 143 dólares em agosto de 2016

[2] 486 dólares em agosto de 2016

Parte II - A gruta milagrosa Parte III - Ana, il portiere*

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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