Repúblicas são moradias coletivas compostas apenas por estudantes, que dividem o espaço de antigos casarões, edifícios, casas ou apartamentos, mantidos ou não por universidades [1]. Os inquilinos, com frequência, são da mesma instituição de ensino ou do mesmo curso, embora de cidades, estados e até de países diferentes. Eles dividem os custos de aluguel, contas e condomínio, além de obedecerem a regras de convivência.
A 519 quilômetros de distância da capital, a Casa do Estudante, patrimônio físico da Fundação Conquistense Edivanda Maria Teixeira (Fucemate), oferece uma alternativa diferenciada para estudantes de outros lugares que estudam em universidades do sudoeste baiano. Vale ressaltar que Edivanda foi uma educadora dedicada às causas populares, o que a fez ser perseguida durante o período de ditadura militar no Brasil.
A diferença entre as repúblicas tradicionais começa pela preocupação social dos gestores da fundação. Mensalmente, a Fucemate computa os custos. E após deduzir os gastos com funcionários, água, telefone, internet, taxas, manutenção e outras despesas, o saldo é dividido entre o fundo de reserva e quatro creches mantidas pela instituição.
“Conseguimos repassar para cada creche cerca de um salário mínimo (R$ 1.212) por mês. Gostaríamos que fosse mais. No entanto, no final do ano, após o balanço geral, fazemos reformas ou ampliação de cada uma delas e repassamos um valor mais consistente. Essa quantia serve para garantir o funcionamento em tempo integral e permitir que as crianças e as famílias delas recebam alimentos” – explicou Daniel Piccoli, secretário executivo da fundação.
O prédio da Fucemate possui 23 apartamentos de 62 metros quadrados. Eles são compostos por um quarto, banheiro, espaço único de sala e cozinha e opção de varanda ou área de luz. As unidades são mobiliadas:
“Todas têm fogão, geladeira, armário, mesa, cadeira, sofá, cama, colchão e armários embutidos. O estudante só entra com seus pertences pessoais” – disse o dirigente.
INSTALAÇÕES
Embora cada apartamento tenha capacidade para abrigar quatro pessoas, o que se tem observado é a preferência dos estudantes morarem sozinhos ou, no máximo, dividindo o imóvel com apenas uma pessoa. Piccoli revelou ainda que isto se deve ao fato de a divisão do espaço por até três pessoas ser mais propícia ao aproveitamento do ensino.
A procura pela Casa do Estudante é intensa. Um dos motivos é a localização próxima à Fainor (Faculdade Independente do Nordeste), UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Uneb (Universidade do Estado da Bahia) e UniFTC (Centro Universitário FTC).
PROCESSO DE ADMISSÃO
Para se candidatar a uma vaga é preciso fazer contato pelo telefone (77) 3427-1555. Em seguida, será marcada uma entrevista e visitação A inscrição é validada depois disso. Se tiver vaga e for do interesse do estudante, o contrato é assinado imediatamente. Caso contrário, é preciso aguardar na lista de espera.
“Não exigimos fiador, não temos condomínio. Os custos de água, de energia, de espaço coletivo, limpeza, portaria, segurança à noite são por conta da fundação. Cada apartamento tem energia individual, única conta paga pelo ocupante do imóvel, além do aluguel” – relatou o secretário executivo.
A mensalidade da hospedagem no primeiro semestre custava entre R$ 850 e R$ 900, mas estava previsto um pequeno reajuste. Os valores, de acordo com Daniel Piccoli, estavam dentro da realidade do mercado local. Ele informou ainda que a Fundação chegou a pensar em ter uma cota mais em conta para estudantes carentes, negros, quilombolas e indígenas, mas a diretoria da fundação concluiu que seria “tirar de um sando para vestir outro”.
“Quando iniciamos em 2002 tínhamos uma melhor capacidade de investimento com a arrecadação dos aluguéis. Isso perdurou até 2010, quando os custos fixos aumentaram e os não fixos diminuíram. A situação piorou durante a pandemia. As pessoas olham nossas instalações e acham que a fundação é rica. De fato, só o terreno de 1.300 metros quadrados custa cerca de R$ 1,5 milhão. No entanto, temos ainda o compromisso de manutenção das creches Parque da Colina, União e Força, Vivendo e Aprendendo e Bela Vista” – argumentou Daniel Piccoli.
Os contratos são de seis meses, no mínimo, embora possa haver exceções. Em geral, o contratante fica o tempo que for necessário para a formatura. Há também casos de pais que vão morar no local com os filhos. Foi o que ocorreu com dona Ana, que no dia de nossa visita não estava presente. Ele acompanhou a filha e, agora, está na residência estudantil com o filho universitário.
“Essa senhora acompanhou a filha e gostou daqui. Como tem problema de saúde e precisa de tratamento, ficou. Esses casos de acompanhamento, em geral, não acontecem, mas às vezes alguém da família decide acompanhar o estudante. Atualmente, também estamos hospedando um pai aqui.” – revelou o dirigente da fundação.
Outro ocupante de um apartamento na Casa do Estudante é o angolano Manuel João Antônio Alfredo, 34 anos. Ele veio de Calulo, localidade da cidade de Libolo, no estado Kwanza Sul, para fazer doutorado em Educação, na UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia). Ele elogiou as instalações e disse que pretende ficar ali até o término da pós-graduação stricto sensu.
OUTRO PROJETO
A Fundação Edivanda Maria Teixeira também está executando um projeto na área social. O programa se chama “Mãos Solidárias que Transformam” e atende a 14 instituições [2]. Pela primeira vez, a entidade repassa recursos públicos para aquisição de equipamentos e para a realização de 11 cursos profissionalizantes em parceria com o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).
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[1] A UFBA (Universidade Federal da Bahia), por exemplo, mantém quatro complexos de moradias, em Salvador. Eles estão localizados no valorizadíssimo Corredor da Vitória e nos bairros da Graça, Ondina e Vitória. As unidades têm capacidade de abrigar 400 estudantes.
[2] Dentre elas Apae, Acid (Associação Conquistense de Integração dos Deficientes), Pastoral Nossa Senhora das Graças, Instituto Social Bela Vista (creche da fundação), Instituto Social Padre Benedito Soares, Associação Clube de Mães Loteamento Parque da Colina (creche da instituição), Instituto Social União e Força (creche da fundação), Creche Jurema, Associação Largo da Misericórdia, Cristo Liberta, Vivendo e aprendendo (creche da fundação), Associação Quilombola Remanescente Quilombo do Outeiro e Região.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.