A ‘Operação Pajussara’

Duzentos e quinze militares do Exército (19º Batalha de Caçadores – Salvador BA), Marinha, Aeronáutica, Fuzileiros Navais e agentes da PM baiana, da Polícia Federal, do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, cercaram o povoado de Buriti Cristalino, em Brotas de Macaúba, na manhã do dia 28 de agosto de 1971. O efetivo era chefiado pelo Major Nilton de Albuquerque Cerqueira, chefe da 2ª Seção (Inteligência) do Estado Maior da 6ª Região Militar (Bahia/Sergipe), responsável pela a Operação Pajussara (escrita da época), mesmo nome de uma praia de Maceió.

O objetivo da operação era capturar e eliminar o ex-capitão Carlos Lamarca, que desertou o Exército em um veículo carregado com fuzis, metralhadoras e munições e aderiu à luta armada contra a ditadura militar, instaurada no Brasil em 1964. Segundo relatório militar, todos os participantes da caçada ao capitão atuaram à paisana. Eles contaram com apoio da Companhia de Mineração Boquira, que forneceu avião, carros e funcionários para apoiar a ação e mantê-la em sigilo. A empresa Transminas, de acordo com o livro “Dossiê Ditadura”, também colaborou com a repressão.

Lamarca, inimigo número um do regime ditatorial, havia participado de assaltos, do sequestro de um embaixador e de várias ações. Procurado desde 1969, sua “queda” começou quando um dos membros do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) [1], Cesar Queiroz Benjamim, deixou em seu carro cartas que o guerrilheiro mandava para a companheira, Iara, e o diário do líder do movimento. A documentação foi apreendida em março de 1971.

A chamada Operação Pajuçara (grafia atual), localizou Lamarca e outros companheiros no Buriti Cristalino. Cerqueira e o delegado Sérgio Fleury, conhecido torturador, seguiram com seus comandados para a localidade.

Ruínas da casa da família Barreto. Foto: Meus Sertões

Os agentes invadiram a casa da família Barreto atirando com fuzis e metralhadoras. Olderico Campos Barreto, irmão de Zequinha, foi ferido gravemente na mão e na cabeça. Ele foi feito prisioneiro. Os agentes policiais mataram seu irmão mais novo, Otoniel Campos Barreto e o professor Luiz Antônio Santa Bárbara. Olderico foi preso e torturado, assim como seu pai, José de Araújo Barreto.

Os militares torturaram as vítimas para que elas denunciassem Lamarca e Zequinha. Vendo a cena, outro irmão, Otoniel se desesperou e decidiu fugir. Apoderou-se de uma arma, disparou contra os soldados e tentou correr em direção ao esconderijo para alertar o irmão e Lamarca, mas foi assassinado com tiros no rosto, nas costas e no ombro.

A ação e os tiros alertaram Zequinha e Lamarca, que se embrenharam no sertão e fugiram do cerco.

A FUGA

Lamarca e Zequinha percorreram nove quilômetros, mas foram novamente denunciados. Eles retornaram à caatinga. A perseguição durou 20 dias e os dois andaram chegaram à localidade de Pintada, no município de Ipupiara (BA). Consta que Zequinha carregou o líder da guerrilha nas costas por um longo trecho, pois o ex-capitão estava exaurido.

Os dois, desorientados pela sede e pela fome, pararam debaixo de uma árvore para descansar, quando foram alcançados pelos repressores. No dia 17 de setembro, por volta das 16 horas, eles foram executados. No relatório da operação, consta que Zequinha correu e tentou jogar uma pedra nos militares, mas foi abatido . Lamarca sequer levantou. Ele foi fuzilado com diversos tiros.

Os dois corpos foram levados para Instituto Médico Legal, em Salvador, onde permaneceram até o dia 25 de setembro. Eles teriam sido sepultados no cemitério do Campo Santo, no bairro da Federação, mas os restos mortais nunca foram localizados. A família Barreto reivindica a localização e o traslado pra o Memorial dos Mártires.

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Nota de pé de página

[1] Organização política marxista que participou da luta armada contra a ditadura militar brasileira. Surgiu em 1964, no meio universitário da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, com o nome de Dissidência do Rio de Janeiro (DI-RJ). Depois foi rebatizada em memória do dia em que Ernesto “Che” Guevara foi capturado, na Bolívia, em 8 de outubro de 1967.

Dados retirados da Comissão da Verdade e dos sites Memorial da Resistência, Memórias da Ditadura, O Globo e BBC.

 

Matéria atualizada às 14h17 do dia 24/09/2024. Foi retificado o nome do integrante do MR-8
que esqueceu cartas e o diário de Carlos Lamarca em um carro. O material foi apreendido por agentes da repressão.

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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