Exposição fotográfica, realizada no bojo da 3ª Conferência sobre Variações Climáticas,
vai percorrer universidades e institutos federais de todo o estado.
As fotos de Marcos Vieira e Celso Oliveira, reunidas na exposição Ser-tão: Cartografias da Alma em Luz e Sombra, são a tradução mais perfeita do Ceará, onde mar e sertão se misturam. Dos 184 municípios do estado, 152 (82,6%) estão localizados no semiárido, região onde a chuva não passa dos 800 mm anuais.
O estado do Ceará tem cerca de 97% do seu território suscetível à desertificação, com 11,5% em processo de degradação, segundo a Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos). O estigma de secura, miséria, êxodo e desespero, no entanto, estão bem longe das imagens captadas por Vieira e Oliveira, um cearense e um carioca apaixonados pelo o que fazem.
Eles imergiram nas entranhas de uma terra pouco conhecida para a maioria dos brasileiros e decifraram o pulsar da vida, a complexidade do sertanejo, a beleza oculta e a força inquebrantável de um povo. Impossível não se emocionar diante das imagens quando se enxerga além do que os olhos podem captar.

A exposição, que entrou em cartaz ontem, segue até o dia 19 de setembro, no Centro de Eventos do Ceará, no bairro Edson Queiroz, em Fortaleza. Ela está sendo realizada no bojo na 3ª Conferência Internacional sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento em Regiões Áridas, Semiáridas e Subúmidas Secas (ICID III), fórum global essencial para a busca de soluções sustentáveis.
Para o Presidente da ICID III, Antônio Rocha Magalhães, as fotografias retratam as nuances do semiárido. Importante ressaltar que, após a Conferência, a exposição percorrerá os 11 campi da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e as 35 unidades do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). A previsão é que cerca de 80 mil pessoas, a maioria estudantes, comparecerão à exposição que percorrerá o estado entre outubro de 2025 e outubro de 2026.
ENTREVISTA
Meus Sertões conheceu o fotógrafo, sociólogo e professor Marcos Vieira, em 2017, quando ele conquistou o segundo lugar do concurso de fotografia realizado pelo site. Na ocasião, ele apresentou o trabalho “Tia Áurea fazendo imbira”, que consta da atual exposição.

Vieira explicou que não seguiu um cronograma linear, mas sim “uma jornada contínua e imersiva que se estendeu por mais de uma década”:
“Este projeto é fruto de uma vivência profunda no Ceará e no Nordeste, onde a câmera serviu como extensão do olhar de pesquisador e artista. O processo envolveu uma imersão etnográfica, cultivando laços com as comunidades e capturando a autenticidade dos momentos que só o tempo e a familiaridade podem revelar. Não se tratou apenas de registrar, mas de compreender os ciclos da natureza, a resiliência nos rostos e a poesia nas texturas” – explicou.
Ainda de acordo com Marcos Vieira, Ser-tão: Cartografias da Alma em Luz e Sombra é a síntese de um compromisso existencial e um manifesto artístico-sociológico:
“A exposição é a voz para o inaudível, dando visibilidade às nuances e à dignidade da vida sertaneja. É um legado de conexão, buscando provocar empatia, expandir horizontes e desmistificar preconceitos, celebrando a riqueza cultural e a resiliência de um povo e seu território” – acrescentou.
O autor ressaltou ainda que a exibição das imagens nos campi do IFCE e da UECE é de suma importância pelos seguintes motivos:
- 1 – Promove a democratização do acesso à arte e à cultura regional qualificada. Ao levar a exposição a esses espaços, atinge-se um público vasto e diversificado, que muitas vezes não teria contato com galerias tradicionais, contribuindo significativamente para a formação de um público sensível e crítico à produção cultural brasileira.
- 2- Funciona como um poderoso instrumento pedagógico e de pesquisa interdisciplinar. Para cursos de Sociologia, Antropologia, História, e outros, as imagens se tornam material primário para análise e discussão, oferecendo uma perspectiva visual rica sobre as realidades socioeconômicas e culturais do sertão. A exposição estimula a reflexão crítica, desconstruindo estereótipos e valorizando a complexidade regional, além de inspirar estudantes de artes e comunicação.
- 3- Contribui para o fortalecimento da identidade e do sentimento de pertencimento regional. Muitos estudantes e membros da comunidade acadêmica possuem raízes no interior do Ceará, e ver sua cultura e paisagens representadas com dignidade nesses ambientes fomenta o orgulho e a conexão com suas origens.
- 4 -Serve como extensão universitária e o diálogo com a comunidade, transformando os campi em centros de cultura e debates. Assim, a exposição alinha-se ao ensino, pesquisa e extensão, usando a fotografia como ferramenta de conhecimento e valorização das raízes de um povo.
LIVRO

As imagens de Vieira e Oliveira também resultaram na edição de um livro, que não será comercializado. A primeira edição foi direcionada a parceiros, acervos específicos e críticos. Em breve sairá uma nova edição, com tiragem ampliada, que será distribuída gratuitamente a escolas e bibliotecas públicas em todo o Ceará e outros estados.
O livro da exposição “Ser-tão (…)” não será comercializado. A primeira tiragem, limitada, foi direcionada a parceiros, acervos específicos e críticos, não estando disponível para venda.
De acordo com os fotógrafos 0 objetivo é que o livro seja uma ferramenta de difusão cultural e pedagógica, garantindo que o conhecimento e a valorização do sertão sejam acessíveis a todos, especialmente às novas gerações. Os autores consideram que ela terá um valor social e educacional inestimável.
AUTORES
Saiba mais sobre os dois fotógrafos:
Celso Oliveira – Fotógrafo desde 1975. Carioca radicado em Fortaleza, trabalhou nas revistas Veja e Visão e nos jornais O Globo, Meio Dia, O Povo e Diário do Nordeste. Foi laborista e fotógrafo da Agência Central de Fotojornalista – primeira agência de fotografia de São Paulo. Trabalhou para agências de publicidade Ítalo Bianch, MPM, Mark Propaganda, CBC&A. As fotos de Celso Oliveira ilustram páginas de outras publicações no Brasil e no exterior. Em 1994 fundou a editora Foto-Arquivo Tempo D’Imagem.
Marcos Vieira– Fotógrafo desde os 9 anos, sociólogo, professor do IFCE. Sua paixão pela fotografia transcende o mero registro, tornando-se uma ferramenta de expressão e documentação social. No Instituto Federal do Ceará (IFCE). Sua obra fotográfica é marcada por exposições de relevância nacional e internacional. Em 1992, “Viçosa: natureza, gente e cultura” abriu o caminho no prestigiado Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC). No ano seguinte foi a vez de “A luz não tem idade”. Retratando idosos em “Nordeste Armorial” ganhou o Brasil através do Sesc. Mais recentemente, projetos como “Rastros e Atalhos de Aracati” (2015) e “Mulheres Cearenses” (2018) solidificaram sua atuação no cenário cultural. O ápice veio com “Iandé Atã Joaju – Juntos Somos Fortes” (2019-2022), profunda imersão na etnia Tremembé, apresentado na Universidade de Salamanca, na Espanha. Como fotógrafo profissional produziu capas de CDs, livros e catálogos.
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Atendendo ao pedido dos autores, Meus Sertões cita os realizadores da exposição de Marcos Vieira e Celso Oliveira: 3ª Conferência Internacional sobre Clima e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas – ICID III, Núcleo Audiovisual do Ceará. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Fundação de Cultura e Apoio ao Ensino Pesquisa e Extensão (Funcepe), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece), governos federal e estadual. Apoio cultural: J. Macêdo.
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Legenda da foto principal da reportagem: O descanso do vaqueiro. Autor: Celso Oliveira
Legenda da foto principal da capa do site: Fé sertaneja. Autor: Marcos Vieira
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Na próxima quinta-feira, parte da exposição na seção Galeria, na capa de Meus Sertões
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.