A prefeitura de Jeremoabo (BA), em conjunto com a Polícia Militar da Bahia, fez uma homenagem póstuma ao coronel José Osório de Farias, o Zé Rufino. Na ocasião, foram inaugurados um busto de bronze e uma sepultura nova no cemitério da cidade.
Considerado herói por grande parte da população, o policial, que ocupava o posto de tenente na época do cangaço, é famoso por ter matado cerca de 20 pessoas dos bandos de Lampião e Corisco. A ação do chefe da volante baiana, porém, suscita polêmica pelo fato de Rufino mandar decepar a cabeça dos inimigos para expô-las à população.
O novo túmulo de Zé Rufino. Foto: Flávio Passos
Independente de controvérsias, a homenagem ao patrono da Companhia Independente de Policiamento Especializado (CIPE) Caatinga, importante personagem da história do cangaço e do Brasil, só foi possível graças aos esforços do ativista cultural Flávio Luiz Silva Passos, 57 anos. Ele buscou parcerias por meia década para concretizar seu objetivo. Uma delas com a CIPE-Caatinga, que conseguiu os patrocínios. O custo da obra ficou orçado em cerca 40 mil reais. Só o busto de bronze custou 21 mil reais.
Outro motivo para a demora da homenagem foi o fato do túmulo de Zé Rufino em uma cova comum ter passado um longo período sem identificação. Com a morte do coveiro Marcelino, que fizera o sepultamento do policial, ninguém mais conseguia encontrar o local. Ainda mais que os corpos de outras três pessoas foram enterradas na mesma cova. As pesquisas de Flávio e do tio dele, Sebastião, é que levaram à cova original.
“Quando descobri a certidão de óbito, ficou comprovado que o corpo de Zé Rufino não foi embalsamado e levado para a terra natal dele, em Pernambuco, versão difundida por uma pessoa da cidade, que só tumultuou o processo da homenagem” – revelou Flávio.
O ativista contou com a ajuda da família de Rufino; de Patrick França, projetista do mausoléu; Robério Santos, especialista em cangaçologia; e Reinaldo da Marmoaria, responsável pela escolha da pedra ideal para o sepulcro, para concretizar seu projeto.
Familiares de Rufino participam da homenagem. Foto: Flávio Passos
As homenagens incluíram ainda a concessão do título de cidadão jeremoabense (in memorian) ao “coronel-tenente” e salva de três tiros disparados por soldados da CIPE-Caatinga. Na inauguração, o neto do militar, cabo Melquisedeque, lotado no 20º Batalhão (Jequiè-BA) destacou a importância do reconhecimento:
“Eu me sinto muito honrado com esta homenagem ao meu avô, que foi um grande combatente contra o cangaço” – afirmou.
Como Zé Rufino virou policial
Nascido em 20 de fevereiro de 1906, em São José do Belmonte (PE), Rufino ingressou na Polícia Militar da Bahia em 1934, foi promovido a segundo tenente em 1939. E chegou ao posto de coronel da Polícia Militar da Bahia, devido à fama de ser o maior matador de cangaceiros da história.
No documentário “Memória do Cangaço” (1964), dirigido por Paulo Gil Soares e produzido por Thomaz Farkas , Rufino admite ter matado pelo menos 20 pessoas e cita nominalmente dezoito delas, incluindo Corisco, Mariano e Azulão.
No mesmo documentário, o ex-sanfoneiro que animava festas e acompanhava o padre de Belém de São Francisco (PE) animando as celebrações de casamentos e batizados nos povoados, conta que foi convidado três vezes por Lampião para entrar no cangaço.
Na primeira vez, respondeu que não fazia gosto em ser cangaceiro, nem soldado.
Na segunda, na Barrinha do Coronel Pedro da Luz, em Salgueiro (PE), voltou a dizer que não se agradava daquela vida.
Na última, na casa de um tido dele, em Belém de São Francisco, voltou a recusar o convite. Acrescentou que o cangaceiro quis se aborrecer com ele, cismado com tanta negativa.
“Quando ele falou, vi quatro homens arrodear minhas costas. Fiquei desconfiado que iriam me matar. Encostado a ele, eu disse: ‘Eu posso morrer, mas ele vai comigo”. Foi poupado, mas não ficou satisfeito e virou policial para se proteger.
O túmulo original de Zé Rufino antes da obra. Foto: Flávio Passos
O entrevistador ainda perguntou a que devia a insistência de Lampião. E a resposta é cortante como uma peixeira:
“Ele se agradou de mim, muito embora eu não tenha me agradado dele”.
O fim de Corisco
A morte de Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, sepultou de vez o cangaço, movimento que surgiu entre os séculos 19 e 20 com intuito de lutar contra as injustiças enfrentadas pela população nordestina e que degenerou em várias ações de banditismo. Os cangaceiros tiveram um período áureo entre 1870 e 1940.
Na versão de Rufino, apresentada no filme de Soares e Farkas, o último cangaceiro foi morto após reagir à voz de prisão com tiros de carabina 44.
Essa história é contestada por Sérgia Ribeiro da Silva Chagas, a Dadá, então mulher de Corisco, ferida na emboscada.. Por causa do tiro que praticamente arrancou seu pé, o ferimento gangrenou e ela teve de amputar a perna.
Em “A musa do Cangaço” (1982), documentário de José Umberto Dias, a ex-cangaceira disse que ela e o marido foram surpreendidos por 18 homens, que chegaram “fazendo tiroteio”. Segundo ela, Corisco já não conseguia atirar porque não tinha firmeza em um dos braços. E a mão do outro ficou seca depois que ele foi ferido em um tiroteio.
O pesquisador potiguar Múcio Procópio acrescenta mais informações. Segundo ele, a ação do volante de Zé Rufino ocorreu na Fazenda Pacheco, no povoado de Pulgas, atual município de Barra do Mendes (BA). Em 1940, a localidade pertencia a Brotas de Macaúbas.
Era lá que Corisco, Dadá, a menina Zefinha, Rio Branco e sua companheira Florência, também ex-cangaceiros, estavam arranchados. Eles conseguiram abrigo, dizendo que seguiam para Bom Jesus da Lapa a fim de pagar uma promessa. Zefinha, 10 anos, ilha de uma coiteira de Corisco, foi levada por ele e era apresentava como afilhada. Com cabelos cortados e aparentando ser uma família comum, o último cangaceiro pretendia se refugiar em outro estado.
Segundo Múcio, em depoimento para os pesquisadores de cultura popular Biaggio Talento e Helenita Monte de Holanda, Dadá, ao ouvir a ordem de prisão, reagiu. Corisco correu e foi metralhado na barriga. Ele agonizou por 10 horas antes de morrer., enquanto era socorrido em um lento carro de boi.
O pesquisador acrescentou que Rufino ficou o butim que último cangaceiro transportava.No artigo “Corisco e a Fazenda Pulgas”, o professor e pesquisador Edson Barreto relata entrevista feita com uma das testemunhas de parte da ação policial. Marieta de Souza Pacheco, a dona Neta, filha do proprietário da fazenda. Ela tinha 10 anos no dia da morte de Corisco.
Neta tomava conta dos irmãos mais novos, pois os pais tinham ido à feira, quando a volante chegou. Um dos policiais mandou ela e as crianças entrarem em casa, pois estavam caçando uma onça. A menina se escondeu debaixo da cama com os irmãos quando ouviu uma gritaria e tiros. Quando a calmaria voltou, ela saiu de casa e viu o “Diabo Louro” agonizando e Dadá, ferida, gritando: “Alguém me dê uma arma para eu atirar nesses desgraçados!”.
Sobre o butim dos cangaceiros, Neta confidenciou ao professor que entre as bagagens “dos romeiros” havia livros, peças de louças, muitas caixas e baús fechados, bastante comida e um pequeno caixote de madeira em que estava guardada uma trança de cabelos. Essa trança provavelmente era dos longos cabelos de outrora de Corisco, pois ele estava de cabelos curtos nessa ocasião.
Desfecho
Após os acontecimentos, Dadá foi morar em Salvador, onde morreu em 1994, aos 78 anos., o Hospital São Rafael. A causa da morte foi câncer no intestino.
Corisco foi sepultado na cidade de Miguel Calmon. Dias depois, o corpo do cangaceiro foi desenterrado, cortaram a cabeça e o braço dele. As partes foram retiradas, enviadas para o Instituto Médico Legal da capital baiana e ficaram expostas. No final da década de 60, os pedaços foram enterrados na Quinta dos Lázaros, em Salvador. E nos anos 70, Dadá, com a ajuda de Jorge Amado, consegue reunir o que restava do corpo às partes arrancadas.
Flávio Passos e o tenente-coronel Marins. Reprodução
Florência, que estaria grávida, e Rio Branco lavavam roupa em um barreiro próximo. Quando ouviram os tiros, conseguiram fugir e nunca mais foram encontrados. Eles teriam ido para Minas Gerais.
Em sua versão, o casal já havia decidido abandonar o cangaço e buscava refúgio. Ela relatou que eles foram pegos de surpresa pela volante de Zé Rufino. Além disso, segundo relatos, Corisco já não tinha condições físicas de combate: ele havia cortado os cabelos longos, símbolo dos cangaceiros, e estava com os braços feridos, o que o impossibilitava de manusear uma arma longa. No ataque, Dadá foi ferida no pé, que praticamente foi decepado. A ferida gangrenou e ela teve a perna amputada.
Zefinha (Josefa Erundina de Almeida) foi levada para Salvador e um de seus irmãos, o vaqueiro Zé de Brás, foi buscá-la e a levou de volta para a família, na cidade de Coronel João Sá. A jovem casou com Luiz Francisco de Santana. E morreu, segundo sua família, no parto do quarto filho, enfraquecida por uma doença, presumivelmente catapora. A jovem tinha 25 anos.
A homenagem a Zé Rufino foi realizada no dia 1º de agosto deste ano. 56 anos após a morte do policial e 85 anos depois da ação que resultou na morte de Corisco.
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Legenda de foto principal: Policiais do CIPE homenageiam Zé Rufino. Foto: Flávio Passos
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