Paulo Oliveira –
Tentativas frustradas, polêmicas e sumiços marcam homenagens a João do Vale
João do Vale é nome de uma avenida, de um parque e tem pelo menos duas estátuas e um busto espalhados por Pedreiras, cidade onde nasceu. No entanto, as homenagens repetem os altos e baixos da carreira do genial cantor e compositor. Aparecem e desaparecem, vão da luz dos holofotes ao ostracismo.
A primeira estátua de João foi instalada na entrada da cidade, na avenida que dá continuidade à rodovia estadual MA-122, em 2018. Ali estão instalados um shopping, que vive vazio pois o povo prefere fazer compras no comércio da avenida Rio Branco, no centro, e uma grande rede de supermercados.
A antiga e a nova estátua na entrada da cidade. Fotos: Reprodução e Paulo Oliveira/Meus Sertões
O segundo estabelecimento, como contrapartida, construiu na rótula em frente um monumento dedicado a João do Vale. Detalhe é que o coração que substitui uma palavra na peça “Eu amo Pedreiras” tem o mesmo formato do que faz parte do logotipo do grupo comercial.
A nova estátua, representando João de camisa com mangas dobradas e calça compridas substituiu a original dourada, instalada no pedestal. Segundo alguns blogs da cidade houve polêmica por terem feito a mudança em uma combinação com a prefeitura, sem consulta popular.
Além disso, houve quem comparasse a imagem a um zumbi e considerasse a estátua antiga, com um carcará em bronze pousado na mão do cantor, mais bonita.
Já o busto do Parque João do Vale, inaugurado em setembro de 1921, também tinha uma “águia do sertão” no braço esquerdo de João.
Um mistério, porém, ronda as duas obras originais que tinham os pássaros: inteira ou parte delas desapareceram e ninguém sabe informar o que aconteceu ou onde foram parar.
1 e 2 – O busto no dia da inauguração do parque e em setembro desde ano. 3 – Possíveis marcas do carcará arrancado. Foto 1: Joaquim Cantanhêde/O Pedreirense. Fotos 2 e 3: Paulo Oliveira/Meus Sertões
João Aurélio, filho do cantor Pedreirense e administrador do local, que será retratado em outro capítulo da série, também desconhece o ocorrido. Ele falou que quando assumiu o cargo encontrou o busto atual. Para ele é outra peça. No entanto, mais parece que o carcará foi arrancado.
A terceira imagem, na rua da Golada, foi feita por Chiquinho, um artista popular. O artista pedreirense está sentado em um banco de cimento. Ela também atrai críticas por não ser parecida com o homenageado, mas tem o valor de representar a presença dele no local onde morou quando criança e frequentou na fase adulta, já consagrado.
Francinete Braga, ex-secretária municipal da Fundação Pedreirense de Cultura e Turismo, tem uma explicação para o sumiço da primeira imagem:
“Quando muda de gestão, quem entra quer desmanchar tudo que a outra fez. No caso da estátua que estava na entrada da cidade quando a gente viu já tinha desaparecido. Eu e Manoelzinho, ativista e produtor cultural, e outras fãs de João fomos em alguns lugares, mas não conseguimos mais encontrar a estátua” – disse, acrescentando não saber o que aconteceu no Parque.
Voltando à Francinete, ela considera que os gestores municipais de Pedreiras nunca retribuíram a fama que João deu à cidade, nem reconheceram a grandeza do seu mais ilustre cidadão,
“Eu já tive a oportunidade de ir a Serra Talhada, terra de Lampião, e vi que a cidade vive em torno dele. Pedreiras também poderia ser assim” – avaliou.
Sobre o parque construído pelo governo do estado, a professora quilombola contou que o ex-governador Flávio Dino sempre foi apaixonado pela obra de João do Vale. Diante disso, influentes pedreirenses da área cultural fizeram pressão para a obra sair do papel e obtiveram êxito.
Outras tentativas de fracassar o artista fracassaram. Em seu segundo mandato, o prefeito Leoilson Passos (2009-2012) mandou construir uma casa de barro similar a moradia de João, no quilombo Lago da Onça. Com a intenção de atrair turistas, chegou a instalar um projetor de vídeos no local. Uma chuva forte acabou com os planos, pois a construção precária veio abaixo. Logo depois, mudou a gestão e o projeto foi abandonado.

“Ainda tentei reerguer a casa quando eu estava na secretaria municipal, mas o gestor da época achava que cultura era apenas eventos. Comigo essa história não colou. Então, eu pedi para deixar o cargo” – lembrou Francinete.
Já sobre a estátua da rua da Golada, a experiente ativista cultural acrescenta que em vez de retratar João, o artista acabou produzindo o rosto de um certo João Moscoso, também conhecido na região. Na mesma calçada, onde está a representação do cantor havia uma placa informativa, que também desapareceu. Integrantes da área cultural planejam buscar recursos da Lei Aldir Blanc para reconstruir a placa e refazer a estátua.
Outra tentativa fracassada de homenagear o cantor ocorreu em 2024, quando a Câmara de Vereadores avaliou o projeto de lei que mudava o nome da principal avenida de Pedreiras de Rio Branco para João do Vale. A proposta foi derrotada por oito votos a seis.
(Continua)
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Legenda da foto principal: Rede de supermercado usou o coração do monumento para fazer marketing. Foto: Paulo Oliveira/Meus Sertões.
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Teste seu conhecimento sobre João do Vale A cidade de Pedreiras e as pedradas de João Prima Tereza, a companhia perfeita Abandono após a morte
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.