Os dois museus do mosteiro – Série: parte 3

O Mosteiro de Jequitibá, no povoado do mesmo nome, no município de Mundo Novo (BA), tem dois museus. Mantidos pelos monges cistercienses, o primeiro é o de arte sacra, que também possui objetos da primeira escola fundada pelos religiosos. O segundo conta com um surpreendente acervo formado por fósseis, insetos, couros de cobras imensas, crânios e animais empalhados, a maioria dos exemplares faz parte da fauna da fazenda de 3.300 hectares doada para a construção do monastério. Muitos estão extintos.

O irmão João Batista (nome monástico que substituiu o de batismo, Manuel Luís), 48 anos, trabalha na biblioteca do mosteiro e recepciona e guia visitantes. Ele explica que não é cobrado ingresso nos museus, mas quem quiser pode dar uma contribuição espontânea. O Museu de Arte Sacra funciona hoje no claustro das celas que servem de pousada, mesmo local onde funcionou a antiga capela do monastério.

O museu foi constituído na segunda metade dos anos 1940 pelo padre Henrique, diretor do ginásio São Bernardo (1945-1949), primeira escola a funcionar no povoado e a atender os jovens da região. O religioso mantinha as peças, muitas delas trazidas do mosteiro-mãe na Áustria, na área onde hoje funciona a pousada.

O acervo foi restaurado e colocado no atual espaço, considerado provisório para que os superiores da ordem conseguissem o tombamento do mosteiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Além da importância histórica e cultural, o monastério é sede da Paróquia de Jequitibá, uma das poucas do Brasil voltada para o meio rural.

“Para alcançar nosso objetivo tínhamos que expor as peças restauradas da história do mosteiro, mas nossa meta não foi alcançada. A intenção é retomar esse processo, que também previa a reforma do mosteiro, avaliada em R$ 9 milhões” – conta João Batista.

A assessoria de imprensa do Iphan informou que os cistercienses não concretizaram o pedido de preservação. Solicitaram apenas, em 2013, através do presidente da Fundação Divina Pastora, Josef Hehenberger, apoio técnico para a elaboração de projetos de restauro e de construção de inventário de acervo, o que foi providenciado. Os religiosos demonstraram interesse no tombamento, mas não formalizaram a solicitação.

Livros seculares de oração em latim, imagem e estandarte de Nossa Senhora Divina Pastora feitos por um monge e um abade emérito, fotos dos religiosos austríacos e dos brasileiros que se uniram ao grupo no decorrer dos anos fazem parte do acervo relacionado com religião. Há ainda pertences – mitra, sapato e luva – de Antônio Moser, primeiro abade de Jequitibá.

A parte dedicada ao antigo ginásio exibe velhas máquinas de filmar, trazidas da Europa para documentar a construção do monastério e a vida dos trabalhadores da fazenda, e projetores de filmes em preto e branco usados numa espécie de cinema criado para divertir os jovens da região. Microscópios utilizados nas aulas de Ciências, relógios, o antigo sistema de peso por roldana, fotos da primeira turma do ginásio e dos padres professores são exibidos com destaque.

MEMÓRIA

 

Uma terceira sessão se refere aos doadores da Fazenda Jequitibá, Plínio e Isabel Tude. A foto do casal fica na mesa no centro do museu, próxima às prateleiras onde ficam parte da porcelana importada usada pelos antigos proprietários. A biblioteca, que funcionava na atual sala de recreio dos monges, completa o acervo. A maioria dos livros são escritos em alemão, embora nenhum dos irmãos brasileiros domine o idioma. Uma das peças raras é uma bíblia grega.

NATUREZA

Para quem se surpreende com dezenas de animais empalhados do Museu de História Natural, criado há 60 anos, uma explicação: o passado, havia um monge taxidermista que ensinava sua arte aos alunos. João Batista explica que o processo de empalhamento é feito da seguinte forma:

“Você pega o bicho morto, abre a barriga, tira as vísceras. Depois enche de palha, o quanto couber, e aplica o formol para matar as bactérias. É preciso deixar o composto penetrar bem. Por fim, costura a barriga do bicho.” – explica.

O monge diz ainda que os exemplares mais recentes dos bichos que estão ali foram feitos pelo padre Estevão de Lima, o mais antigo da comunidade. O religioso hoje tem 93 anos.

Uma das preciosidades da coleção é uma cascavel totalmente empalhada, enquanto os demais animais estão preservados só no couro. Outros exemplares interessantes são o tamanduá e a coruja rasga-mortalha, que tem fama de mau agouro e de prenunciar morte.

“A maioria das aves que temos no museu aparece até hoje na nossa fazenda. É gavião, periquito, papagaio, jacu, corujinha, corujão. Se a fama da rasga-mortalha fosse verdadeira, todos os monges estariam mortos. Elas habitam aqui. Na parte mais alta do mosteiro tem uma falha, onde elas fazem ninho. Já vi elas levando comida para os filhos à noite. As corujas predadoras são atraídas pelos morcegos, os quais não conseguimos espantar. Estou aqui há 12 anos e vi várias ninhadas nesse período. Os filhotes crescem e voam. Depois voltam para reproduzir” – diz irmão Bernardo, que também acompanha a visita.

HISTÓRIA NATURAL

 

Uma coleção de couro de cobras, o maior é o de uma jiboia e tem quatro metros e meio, chama atenção, e de chocalhos de cascavéis chamam a atenção. Um padre especializado em entomologia montou uma bancada de insetos. Tem besouros, barbeiro, bicho-pau, louva-deus, borboletas. Ao lado, aranhas caranguejeiras. Na mesma sala, crânios de animais e fósseis. Um imenso par de chifres de boi, tradição trazida pelos portugueses que não serravam as guampas, é um dos espaços mais fotografados do museu.

Tem mais coisas para se ver: um painel com garras de ema, gavião, unha de tatu canastra e de águia; pata de anta; cascos de cágado e jabuti; rabo de teiú; estante com sementes crioulas; garrafas de cidras; cabaças raras de Baixa Grande; areia de Lençóis; e pedras raras da Chapada Diamantina.

A foto do gigantesco jequitibá, que originou o nome da fazenda, está pendurada em uma das paredes. Ela motiva João Batista a falar sobre a vegetação local:

“Essa árvore ficava na reserva natural da fazenda, estabelecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na trilha que vai dar na fonte de água que abasteceu o mosteiro por muitos anos. Hoje ela está seca e o monastério possui um sistema de encanação que retira a água por gravidade de uma minação”, diz João Batista, o guardião dos dois museus.

leia a série completa sobre o mosteiro:

O mosteiro de Jequitibá Vida de monge O monge holístico A pousada e o claustro Arte medieval A igreja da Divina PastoraDespertar no mosteiro

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Respostas de 3

  1. Parabéns por esta bela reportagem referente aos museus de nosso Mosteiro. Desde já somos muito agradecidos e contamos com a colaboração deste site para futuras reportagens atualizadas sobre esta casa religiosa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques