O povoado de Caititu, nome de uma espécie de porco do mato que tem como característica de defesa o ranger de seus 38 dentes e cuja alimentação se baseia em frutos, legumes e pequenos vertebrados, pertence a Dom Inocência, cidade localizada no sertão piauiense. Antes de fazer parte do perímetro do maior parque eólico da América Latina e conviver com os muitos problemas e poucos benefícios que isso causa para os moradores, o município era conhecido como “cidade dos bodes” por ter o maior rebanho de caprinos do estado.
Não há, portanto, o que estranhar quando um pequeno rebanho, constituído por 15 cabeças, é atraído pela chegada de estranhos ao povoamento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística dão conta que a localidade tem 16 endereços, sendo nove domicílios particulares e sete estabelecimentos agropecuários. Em todos, no entanto, há uma criação de bodes e/ou carneiros. São 30 moradores, com rendimento médio de 221 reais.
A comitiva de animais que acompanha a nossa movimentação tem praticamente a mesma proporção de caprinos e ovinos por habitante (14,6×1) em Dom Inocêncio. No total, há 134.260 animais das duas espécies para 9.159 moradores.
Os dados do Censo Agropecuário de 2017 revelam ainda que 62% da população estão envolvidos com as criações. Dos 5.681 trabalhadores do setor apenas 308 não têm laços de parentesco com os pequenos e grandes produtores.
O ARTESÃO
1- Sobrinho Neto produz chapéus de couro. 2 – O artesão mostra a sela que produziu. 3 – Na máquina de costura. 4 – Detalhe da costura. 5 – As ferramentas de Sobrinho Neto. 6 – Enchimento de bagaço de “cabeça de frade”. 7 – Oficina improvisada em garagem. 8 – Base para confecção de selas. 9 – Os bodes de Caititu. Créditos: Fotos 1 a 8: Thomas Bauer/Meus Sertões. Foto 9: Paulo Oliveira/Meus Sertões.
O artesão José de Oliveira Sobrinho Neto, 53 anos, sempre viveu disso, mas há cinco ae3sdepassou a ter uma atividade adicional: a fabricação de selas, arreios para montarias, bridões, gibões e chapéus de couro. Engana-se quem pensa que ele usa a pele dos animais da região como matéria-prima. Na verdade, ele adquire, mensalmente, pelo menos 10 peças, em Petrolina (PE).
A falta de um abatedouro e uma unidade de beneficiamento em Dom Inocêncio faz com que o material seja transportado por 212 quilômetros até a oficina de José, que também serve como garagem. O custo de cada uma é R$ 80.
Sobrinho Neto começou na lida aos 7 anos. Quando criança ajudava a cuidar da miunça (criação de caprinos e ovinos) e via o pai e o avô trabalhar na arte de produzir peças de couro diversas. O penúltimo artesão da família foi o primo, que mudou para São Raimundo Nonato, cidade polo da região, distante 97 km.
Além de ficar com a tarefa de manter a tradição familiar, o coureiro se prontificou a formar outras pessoas. No entanto, está difícil manter os jovens no lugar. Faz pouco tempo passou a ensinar o ofício para um jovem de Coronel José Dias, cidade vizinha. Por enquanto, o rapaz faz o enchimento das selas, utilizando o bagaço do miolo de uma espécie de cactus conhecida como “cabeça de frade” e está começando a manejar a máquina de costura.
O artesão explica que o mais trabalhoso é fazer uma sela, que consome dois couros e leva até 10 dias para ficar pronta. A jornada diária de trabalho começa bem cedo, pouco depois do sol raiar. Pausa para almoçar ao meio dia; retorno às duas horas da tarde. Na oficina de tijolo aparente e telha de eternit, o calor chega a 40 graus. A lida termina entre nove e dez horas da noite.
Atualmente, Sobrinho Neto só trabalha por encomenda. Uma sela sai por 1.600 reais e um chapéu de couro custa entre 150 e 200 reais. Para fazer a peça de proteção para a cabeça, ele prefere que o cliente esteja presente para fazer a medição e evitar que a cobertura não fique bem presa.
“A duração de um chapéu depende do zelo do dono”- diz ele, acrescentando que se fizer direito a manutenção resiste “a vida toda”.
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Serviço: O telefone de contato de Sobrinho Neto é (89) 9 8135-5605
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.