Quebradeira de coco para festejar São Benedito

Paulo Oliveira –

A festa de São Benedito é a mais importante celebração da Comunidade Quilombola Pedrinhas, em São Luís Gonzaga, no Maranhão.

O povoado localizado a cerca de 200 quilômetros da capital do estado (São Luís), homenageia o santo padroeiro durante 10 dias. Um dos pontos altos das comemorações é a disputa entre quebradeiras e quebradores de coco babaçu, que já foram os responsáveis pela  única atividade econômica do lugar por muitos anos.

Imagem do padroeiro. Foto: Paulo Oliveira

Mas antes de falarmos da competição,que mobiliza dezenas de moradores da região, vamos contar um pouco da história do quilombo, que mantém atividades culturais únicas como a dança da mangaba e o bumba meu boi Coração do Brasil. Quem nos levará pelas histórias de Pedrinhas é a professora e catequista Maria Edilene Carolina Silva.

Quando Edilene chegou na comunidade, para onde foi designada após passar em concurso do magistério municipal, ela se deparou com uma pobreza maior do que em Angical dos Coríntios, distrito de Iguarapé Grande, sua terra natal.

Além de uma infraestrutura muito precária em todos os sentidos. Em 2002, as mulheres, principalmente, saíam de manhã cedo, após tomar um pouco de café. Carregando uma cabaça de água, iam quebrar coco no mato. E passavam o dia na lida, sem ter o que comer na maioria das vezes.

Pedrinhas vista do alto. Foto cedida por Maria Edilene da Silva

Ao voltarem quando a noite caía, essas mulheres se dirigiam à quitanda de seu Marcelino Marques Avelino e de dona Maria dos Anjos dos Santos Avelino – uma das três únicas casas de alvenaria do quilombo – e trocavam a produção que obtinham dos frutos das palmeiras por um punhado de arroz para ter algo para os filhos comerem.

“Lembro como se fosse hoje: uma mulher que tinha quatro filhos, uns deles bem pequenos, ia quebrar coco bem cedinho. Ela deixava a filha mais velha, Letícia, ainda uma criança, tomando conta dos irmãos. A mãe deixava um pouco de arroz e um ovo para eles comerem. A menina mais velha cozinhava o ovo e tirava uma banda para ela. A outra banda, dividia entre os mais novos. Guardo essa lembrança viva comigo. A pobreza aqui era extrema” – diz a professora que leciona português, história e religião para alunos do ensino fundamental II.

Edilene acrescentou que a mãe de Letícia lhe contou que o dono ficava com a produção das quebradeiras de coco e em troca fazia escambo com outros alimentos. Era como se as amêndoas do fruto, rica em vitaminas e minerais, fossem trocados por 1 real o quilo, enquanto um litro de arroz e meia quarta de açúcar valiam 5 reais.

A troca era aceita por todos os moradores, que consideravam Marcelino um homem bom, trabalhador, sempre disposto a ajudar a comunidade. Ele também emprestava pequenas quantias em dinheiro em troca da produção das quebradeiras de coco.

Depois de se estabelecer no quilombo, Edilene foi ficando por conta da solidariedade da comunidade, os festejos diversos e as más condições da estrada que liga o centro de São Luiz Gonzaga ao povoado. Primeiro ia para casa semanalmente. Depois, a cada 15 dias. Quando casou, ficou de vez. Lá se vão 23 anos.

A catequista e professora Maria Edilene. Foto: Paulo Oliveira

Até hoje a MA 247 (São Luiz Gonzaga – Trizidela do Vale) não está pronta. Na época das chuvas, o trecho que leva à Pedrinhas vira barro puro e se metamorfoseia em atoleiro, deixando os quilombolas isolados por até uma semana.

Não há transporte público para Pedrinhas. A van é a única forma de ir para Pedreiras, cidade mais próxima, a 30 quilômetros de distância. O motorista do veículo só faz uma viagem de ida e uma de volta, às 5h30min e 12 horas. É uma correria para resolver todos os assuntos.

Estrada que leva ao quilombo vira atoleiro no período chuvoso. Foto: Paulo Oliveira

Em pouco mais de duas décadas, Edilene viu a miséria ser mitigada. Ela atribui a mudança ao Bolsa Família, maior programa de transferência de renda do Brasil; à concessão de pequenos empréstimos para compra de móveis e construção de ‘puxadinhos’; ao surgimento de outras atividades econômicas, principalmente, a pequena criação de gado, porcos e galinhas; e à instalação da Associação Comunitária

Foi a entidade que conseguiu se inscrever para a construção de 44 unidades do Programa Minha Casa, Minha Vida. As novas residências, mais confortáveis, diminuíram consideravelmente as casas cobertas de palha e feitas de barro ou coberta de telhas com paredes de adobe. Só não obteve mais unidades porque muitos moradores não tinham a documentação adequada. A meta agora é obter mais 50 unidades do programa habitacional e erradicar as moradias precárias.

Apesar das melhorias, ainda há muito a ser feito em termos de infraestrutura. Além do transporte precário, a ponte que liga a Bernardo do Mearim e só é utilizada no período de cheias, é uma vergonha. Uma pessoa já morreu em um acidente ao tentar vencer os troncos e pedaços de madeiras sobrepostos precariamente.

A Unidade Básica de Saúde também precisa de melhoramentos e de ampliação de atendimento. Hoje ela só funciona de segunda à quinta-feira.

A DISPUTA

 

A comunidade Pedrinhas se originou do quilombo Potozinho, localizado a três quilômetros de distância. Os líderes comunitários do primeiro povoado eram parentes do cantor e compositor João do Vale, conhecido por músicas como “Pisa na Fulô”, “Carcará” e “Coronel Antônio Bento”.

Quando um vendaval derrubou a torre da igreja do primeiro arraial, parte dos moradores pediu licença para construir outro templo, dedicado a São Benedito. A autorização foi dada. Logo, um outro povoado começou a se formar em torno do novo lugar sagrado. Um detalhe interessante é que em Pedrinhas não há outra religião, que não seja a católica.

As lâminas das competidoras e competidores. Reprodução

Não à toa, o protetor dos cozinheiros, dos negros e dos órgãos se tornou um símbolo de fé e humildade para seus devotos, que iniciam as comemorações sempre na segunda sexta-feira do mês de setembro. A programação religiosa e social é vasta. Inclui alvorada; novena; a missa celebrada pelo padre Frederico, nascido e criado em Pedrinhas; procissão; cerimônia de encerramento; corridas adultas e infantis, desfile de moda e beleza afro; pau de sebo; leilão; quermesse; noites de doces e jantares.

Propositalmente, ficou por último a competição entre as quebradeiras e os quebradores de coco babaçu. A prova tem o tempo de duração um pouco menor ao de uma corrida de 5 mil metros. Em 10 minutos, usando um porrete e lâminas de macheta, cunha ou machado, os competidores retiram a maior quantidade de amêndoas possíveis. Vence quem obtiver a carga mais pesada.

Eliene (e) derrotou a vice, Fernanda, por 4 gramas. Foto: Maria Edilene

A prova anual atrai competidores de outras localidades, como seu Osvaldo, do povoado Cantinho, em Bernardo Mearim. Jurados são escolhidos para fazer valer o regulamento com 12 regras. As principais são:

  • Os participantes não podem ser interrompidos nem interromper os colegas.
  • Cada competidor deverá utilizar suas próprias ferramentas.
  • Cada competidor será o responsável por eventuais acidentes durante a prova. Exemplo: cortar o dedo.
  • O coco deverá ser limpo.
  • O tempo da prova será de 10 minutos
  • O coco quebrado será pesado.
  • Será vencedor quem quebrar mais.
  • Caso haja empate, a decisão será dos juízes.
  • As inscrições custam 10 reais,

Este ano, a vencedora da prova foi Eliene Pocotó, a quebradeira obteve 622 gramas, cerca de um décimo da produção diária de uma profissional. Ela recebeu 500 reais de prêmio. Aliás, as três primeiras colocadas foram mulheres. Como nas edições anteriores, os homens tiveram desempenho abaixo da média, sendo que seu Osvaldo foi o último colocado. Para não desanimar os que tiveram as piores participações, Maria Antônia, penúltima (14ª colocada) ganhou um balde Mop de limpeza. E o representante de Bernardo Mearim ganhou 100 reais por ter ficado na última posição (15º), graças a um patrocínio de última hora.

Seu Osvaldo diante de sua produção de amêndoa. Foto: Maria Edilene Silva

No total foram distribuídos 1.550 reais, uma cesta básica e um balde de limpeza. Há quem diga que mal terminou a disputa, já tem gente se preparando para o ano que vem.

Do total de participantes, nove foram premiados. A campeão ganhou também uma roupa da loja de uma empresária local. Quem ficou entre o 8º e o 13° lugar não recebeu nenhum prêmio.

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Para conhecer um pouco mais sobre a Comunidade Quilombola de Pedrinhas, veja o vídeo abaixo:

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Você sabia que João Mendes de Oliveira, o João Elesbão, foi o primeiro e único dirigente da comunidade de Pedrinhas?

Elesbão se dedicava, principalmente, às questões culturais e religiosas. Graças a ele foram mantidas as tradições da dança da Mangaba, o Bumba-meu-boi e as quadrilhas juninas

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Galeria de fotos sobre o quilombo. Clique aqui

 

 

Paulo Oliveira Administrator

Jornalista, editor, professor e consultor, 60 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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