A morte espreita

A morte espreita na rodovia. Vemos seus sinais por toda parte. São os buracos, as ultrapassagens perigosas, as luzes altas, as buzinas ecoando depois de freadas bruscas. Nos acostamentos ela mostra seu portfólio, são cadáveres de todas as proporções e em variados estágios de decomposição.

No para-brisa, os insetos vão se esfacelando, nas margens da via: cachorros vira-lata, cabras, vacas, roedores, jegues, animais silvestres, todos abandonados pela vida e servindo de alimento aos parasitas da morte. Nos muitos postos da polícia federal, vemos como ela foi eficiente, pois como imaginar uma alma sobreviver aos impactos que deixam os carros parecidos a embalagens de bombons amassadas?

Talvez por isso mesmo, não é incomum encontrar muitas cruzes na estrada. É um cemitério em quilômetros. As cruzes, os oratórios e pequeníssimas capelinhas se multiplicam, criando um permanente lembrar da morte e, a certeza que o destino da viagem nem sempre foi comprido por todos.

Há uma hierarquia social demonstrada nessas cruzes, umas são simples ripas de madeira fincada no chão, outras recebem um pequeno altar caiado, algumas delas são feitas de ferro, com detalhes em desenhos geométricos, têm eventualmente flores, fitas religiosas ou indícios de visitação.

Ainda há aquelas feitas em pequenos oratórios, com santos, provavelmente o de devoção do finado. Nestes, por vezes, vemos velas acessas e, normalmente, são revestidos de azulejos brancos.

Por fim, as capelinhas, com alturas variadas e todas com imagens sacras protegidas por um portão de ferro, com uma cruz no topo. Estas têm manutenção impecável, são oratórios com uma, duas, três cruzes e, às vezes, a lotação máxima do carro.

As placas de advertências tentam avisar: reduza a velocidade, curva perigosa, verifique os freios e uma delas, curiosamente, dizia: Acredite na sinalização.

Eu digo: acredite nas cruzes, a morte vigia.

Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009). Tem experiência, com ênfase em História Local e Social, e atua principalmente nos seguintes temas: prática de ensino, oralidades, teoria pedagógica, teatro e poesia.

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