Nem as dores e dificuldades que todo sertanejo enfrenta tiram a alegria e a disposição da agricultoraJovita, 70 anos, que carrega cruz até no nome. Desde pequena, no povoado de Maruá, em Uauá, onde vivem cerca de 50 famílias, ela aprendeu a subir nos galhos mais altos dos umbuzeiros, mesmo que eles furassem seus braços, para pegar os melhores frutos. É dos umbus que ela sempre extraiu alimento e parte da renda para criar cinco filhos – um deles adotivo – e comprar os remédios para o marido esquizofrênico e incapacitado há 30 anos.
Até dois anos atrás, Jovita manteve a rotina de subir em árvores, mas as reclamações da família, que teme um acidente, aumentaram. A agricultora reduziu as escaladas. No entanto, no final do ano passado, subiu em um cajueiro para ver se ainda tinha força nas pernas e nos braços. Se aventurou pelos galhos, escondida, e aprovou o próprio desempenho.
“Enquanto puder, vou continuar subindo em árvore, porque me sinto bem. A gente faz o que se sente bem”.
Quando o marido ficou doente, Jovita se desdobrou para sustentar a família. Trabalhava na roça de mandioca, feijão e milho; na casa de farinha; cultivava sisal; e colhia folhas dos caroás (bromélias com talos espinhentos), que fornecem fibras para a fabricação de barbantes, tecidos, cordas, chicotes e diversos tipos de artesanato. As tarefas eram muitas; o dinheiro, pouco.
Com o passar do tempo, Antônio, seu primeiro namorado e com quem casou aos 23 anos, só piorou. Depende de remédios e passa períodos de até 10 dias em tratamento, em Juazeiro. Dois filhos também adoeceram e passaram a ser cuidados por ela.
MELHORIAS
A agricultora lembra que Maruá era uma comunidade “muito fraquinha”. Seus moradores tinham que caminhar léguas para pegar água na Serra de Canabrava.
“Água porca que se tornava limpa porque era a única que a gente tinha”.

Em 1980, a situação começou a mudar, o governo incentivou a construção de cisternas nas seguintes condições: o estado dava o material para construção e pagava o pedreiro, enquanto os moradores ficavam com a obrigação de cavar o buraco e alimentar o trabalhador.
“De lá pra cá, descobrimos que tinha como viver”.
Os primeiros passos para a organização dos moradores de Maruá, localidade que ganhou este nome por causa de um boi bravo, foram dados em reuniões bimensais na casa paroquial. Três freiras incentivaram as mulheres da região a ser empreendedoras.

Jovita logo se destacou. Foi selecionada pelo Projeto Elos, que reúne empresas, ONGs e governos estadual e federal para promover o aumento de renda e o desenvolvimento sustentável de comunidades carentes. Por sua dedicação, ganhou R$ 3 mil da Coelba (Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia) e aplicou o dinheiro na compra de panelas, caixas e equipamentos para a unidade de beneficiamento de frutas, ao lado de sua residência.
A uauaense hoje trabalha com o genro e a filha. Uma estagiária de engenharia agrônoma, Josiane, acompanha o trabalho de seleção das frutas. Jovita ainda cuida da roça e de “30 cabecinhas de cabras, carneiros e bodes”. Aos bichos, não quer ter apego. Vende-os quando atingem pelo menos 17 quilos.
“Não gosto de ver os bichinhos ficarem velhos, eles ficam judiados, os dentes caem”.
PATRIMÔNIO
De todo o dinheiro que ganhou com suas atividades, Jovita só comprou “uma geladeira, um fogão grande”.

A agricultora confessa que não gosta muito de luxo.
“Não carrega brinco. Gostava de ter anéis, mas parei de comprar quando comecei a perdê-los”.
- Author Details

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.