Tatus versus gambás

Foi um mês e meio de um aprendizado incrível! Cheguei em Pé de Serra no dia 17 de agosto para trabalhar como assessora em uma campanha política nas Eleições 2016. Ao ser contratada, providenciei algumas informações básicas que seriam essenciais para o desenvolvimento das minhas tarefas, que durariam 45 dias. Mas assim que pisei na cidade tive a oportunidade de conhecer as peculiaridades daquele lugar e percebi que havia muito o que aprender sobre a política pedesserrense.

O primeiro contato foi com o coordenador da campanha, Izuze Fernandes. Ele me recebeu e disse: “Hoje tem piseiro”. Curiosa, perguntei do que se tratava. Ele explicou que era assim que chamavam as reuniões e os comícios na cidade. E completou: “Nós chamamos piseiro e o eles [adversários] chamam apila”.

No final daquela tarde pude entender porque as atividades eram “piseiros”, sobretudo, se levarmos em conta o significado do termo. No dicionário informal a palavra significa “Festa animada com música e bebida”. Bebida não tinha, mas animação sobrava e música também. Inclusive, tinha uma canção intitulada “piseiro” em que a letra dizia: “Nunca vi um povo tão arrochado, decidido a ganhar!”.

Para mim fazia todo sentido. Durante os quatro anos que trabalhei com assessoria política – inclusive, já tive oportunidade de participar de outras eleições – nunca tinha visto gente tão animada. Não houve chuva que afastasse as pessoas dos comícios e reuniões.

Minha função na campanha era jornalista e social media. Além ser responsável por fazer programa de rádio em rede, cobria as atividades de campanha, produzia conteúdo e gerenciava as redes sociais.

A partir dali adotei o termo piseiro e passei a usar hashtag: #FoiUmPiseiroSó nas publicações da campanha.

As curiosidades sobre os termos usados na política sertaneja não pararam por aí. Depois de “piseiro” e “apila” vieram os “tatus” e os “gambás”. Mas não me refiro aos pequenos mamíferos nativos do continente americano. Como na maioria das pequenas cidades de interior, a disputa em Pé de Serra foi polarizada. De um lado estava Edgar Miranda (PP), prefeito candidato à reeleição, do outro estava o candidato de oposição Antônio Joílson (DEM). Mas os apoiadores nãos se dividiam em democratas e pepistas. Pelo menos não na linguagem peculiar de Pé de Serra.

Na mesma semana que cheguei enquanto seguia para uma atividade de campanha, ouvi alguém dizer: “Ela é gambá por isso está tirando foto para ver a quantidade de gente que tem no nosso lado”. A pessoa se referia a uma mulher que fotografava a caminhada da porta de casa.  Mais uma vez quis saber do que se tratava e indaguei: “Como assim ela é gambá?”. Então Clécio Santana, um dos colaboradores da campanha, me respondeu: “É que eles são gambás e nós somos tatus.” Foi quando pude compreender que de acordo com a cultura local, os pepistas eram os tatus e os democratas eram os gambás.

Outros dois termos bastante comuns na campanha de Pé de Serra eram “taca” e “peia”. As palavras são comuns em cidades pequenas do interior por se tratar de objetos usados na lida com animais. Mas com o sentido atribuído por eles, eu nunca tinha ouvido.

A taca é um objeto de madeira em forma de bastão que tem tiras de couro na ponta e presa ao pulso por uma correia serve para castigar os animais, o objeto também é chamado de relho. A peia é uma corda ou uma peça de ferro usada para prender os pés dos animais, normalmente é utilizada ao fazer a ordenha manual.

Marretas
Partidários do DEM adotaram a “marreta biônica”

Na campanha os termos eram usados como forma de provocação. Era muito comum ouvir pelas ruas as expressões “É taca!” e “É peia!”. Era como se estivessem dizendo: “A vitória é nossa!” ou “Vocês vão perder” só que de um jeito menos convencional, talvez, o equivalente ao “Vamos brocar”, usado em Salvador, por exemplo. Além das expressões citadas que eram usadas como provocação, o grupo do DEM tinha como símbolo uma marreta. Segundo eles, o objetivo da marreta biônica do 25 era deixar a oposição de cabeça tonta.

Apostas

Como é comum em algumas cidades do sertão baiano, em Pé de Serra não faltam as famosas apostas. Em cada esquina, em cada banco de praça, nos bares da cidade, nas redes sociais, lá estavam os apostadores. Durante a campanha era comum circular vídeos nas redes sociais de pessoas mostrando dinheiro e chamando para a disputa. Nas ruas havia eleitores falando, para quem quisesse ouvir, frases do tipo: “Vamos apostar o Corolla na Hilux que dá 1000 [votos] de frente?”.

Eles apostam em tudo: quem será o vencedor, quantos votos terão de diferença, quem será o vereador mais votado. Para os militantes as apostas são um sinal de que o grupo está bem. Por isso eles não hesitam em investir e, muitas vezes, o investimento é alto. No dia das eleições conheci uma pessoa que disse ter perdido R$ 12 mil ao investir na vitória de Edgar Miranda, derrotado por Antônio Joilson por 1.097 votos de diferença.

Victor Lima, que só participa como espectador, mas é conhecedor do esquema de apostas, me explicou como tudo funciona. Geralmente, uma pessoa fica responsável por segurar o valor que será pago por cada apostador. Para isso procura-se alguém que tem respaldo e não se manifesta politicamente. A partir daí, fazem um acordo escrito onde assinam os contendores e o responsável por guardar o bem – que, normalmente, recebe uma porcentagem do valor integral da aposta. O acordo assinado é informal e fica por conta dos envolvidos, a não ser que sejam apostados bens como casa, carro ou fazenda. Nesse caso é feito um registro em cartório.

Correndo trecho

Outro detalhe bastante curioso são as perseguições com motos. Os dois grupos políticos têm equipes formadas por motociclistas que ficam de “campana” em pontos estratégicos para seguir candidatos, lideranças e equipe de campanha. Tudo é minuciosamente organizado. Os motociclistas se reúnem para dividir os horários que cada um deve ficar na ativa e se espalham pela cidade para prestar atenção nas saídas dos adversários.

As perseguições acontecem, principalmente, nos momentos de visitas a distritos e povoados. Os grupos se dividem e cada subgrupo cobre uma das seis saídas da cidade que dá acesso aos povoados e comunidades rurais. Os motociclistas seguem até as casas e se informam se os moradores participam de algum grupo político ou se tem ligação partidária. Muitas vezes os rapazes entram nas casas junto com os adversários.

Quando se trata de eleitores indecisos ou alguém que já seria ligado a um partido, mas o opositor está tentando conquistar o voto, eles avisam à equipe de campanha para que as providências sejam tomadas.

O objetivo principal da perseguição é intimidar o adversário para evitar a compra de votos. Eles usam celulares para registrar as supostas negociações com os eleitores e, este ano, na última semana de eleição passaram a se comunicar através de grupos de WhatssApp.

Raphael Silva que participou de um dos “grupos de correria” – como eles se denominam – explicou que o contato com os outros integrantes do grupo era para facilitar uma possível cobertura de colegas diante de alguma reação dos adversários. Raphael explicou ainda que a maioria deles encara mais como uma diversão e garante que não tem intenção de fazer nenhuma maldade com ninguém.

Mas como se tratando de política tudo pode acontecer, algumas lideranças pregaram peças nos perseguidores ao longo dos anos. As histórias são as mais variadas, desde dar várias voltas e não parar em lugar nenhum até sair da sede para uma cidade vizinha, via povoado, só para tirar sarro com os motociclistas.

Infelizmente não tive a “sorte” de estar dentro de um dos carros perseguidos, pois não acompanhava as equipes de visitas. Apenas pude presenciar uma cena enquanto fazia uma entrevista. Era uma espécie de perseguição dupla. Passaram dois carros (um de cada grupo político) seguidos de quatro motos (duas para cada lado). Confesso que tive vontade de estar em um dos veículos, pois gostaria de sentir a adrenalina.

Cidade bicolor

Apesar de ter nascido e crescido em São Félix, cidade tão pequena quanto Pé de Serra (em número de habitantes) e menor se considerar a extensão territorial, nunca tinha presenciado nada parecido no Recôncavo. As pessoas da cidade rodeada por duas montanhas de pedras têm uma forma muito peculiar de fazer política.

Elas vestem a camisa dos seus partidos, literalmente! Nas atividades de campanha dos pepistas todas as pessoas usavam roupas vermelhas. Arrisco dizer que durante as atividades de campanha, eu era a única pessoa a me vestir de outra cor.  O mesmo ocorria com a campanha dos democratas. Todas as pessoas se vestiam de azul. Fato que fez com que os próprios grupos usassem as expressões “mar vermelho” e “onda azul” para se referir aos grupos políticos pedesserrenses.

Como em outras cidades, uma forma usada para discutir se o grupo estaria bem ou não era quantidade de pessoas em cada evento. Esse fato é tão levado a sério que a meta sempre era sempre aumentar o público, pois temiam que ao demonstrar “fraqueza” com eventos menores alguns eleitores desistissem de votar por não querer perder. Após o último ato de campanha, as pessoas passaram a ser identificadas pela cor usada no dia a dia. O vermelho e o azul invadiram a cidade nos três dias que antecederam as eleições e durante o sábado (1º de outubro): a cidade ficou bicolor.

Fim da disputa

No dia das eleições, depois das 17h, simpatizantes dos dois grupos se concentraram na praça principal da cidade. A apuração de Pé de Serra é feita em Riachão do Jacuípe porque a Comarca Eleitoral fica lá. Os pepistas – grupo do atual prefeito – começaram a fazer a apuração paralela a partir dos boletins de urnas que os fiscais levaram de cada seção. O grupo do DEM fazia o mesmo.

Ao longo da apuração os simpatizantes do candidato que estava à frente soltaram fogos, colocaram música e as pessoas começaram a fazer festa. Quem estava nas ruas e era do grupo perdedor foi saindo do local aos poucos.

Os vencedores desfilaram em carros de sons tipo paredão e fizeram barulho até meia noite. Os eleitores foram para a frente do comitê, beberam, e claro, provocaram os adversários

Edgar Miranda (PP), o candidato derrotado,  era vice-prefeito e assumiu o cargo após morte do então prefeito Hildefonso Vitório dos Santos (PT), o Defonso, vítima de acidente vascular cerebral em novembro de 2015. Após o resultado, Miranda estava em casa com a família, apesar de triste, parecia conformado. Ele permaneceu na cidade mesmo depois da derrota.

Assim que o resultado oficial foi anunciado, a equipe de campanha foi desfeita. Os profissionais contratados para trabalhar como o pessoal do comitê receberam o pagamento um dia antes da votação.

A motocicleta que deu cria

Zoeira eleitoral no sertão

Fabiana Dias Contributor

Jornalista, nasceu em São Félix (BA). Especializada em comunicação estratégica, foi assessora de imprensa da Assembleia Legislativa da Bahia e trabalhou em campanhas políticas.

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