Achou estranho aquele sonho. O dono da terra onde morava havia aparecido quando o dia já estava amanhecendo. Estava vestido de branco e indicava: no canto esquerdo da camarinha onde ele dormia antes de partir, havia enterrado uma panela de ferro com moedas de ouro e prata para escondê-las da família. Queria ter um dinheiro garantido para as precisões, mas não houve tempo de usá-las. Por isso, estava a vagar pelo mundo das almas. Agora havia recebido permissão para indicar o lugar certo da botija, que estava no casarão abandonado na beira da estrada. O escolhido fora ele. E só ele poderia desenterrar o tesouro. Ficou o dia a pensar sobre aquilo, mas não deu muita atenção. Botija, para ele, era como uma lenda, que ouvira do avô em conversas no alpendre de casa.
À noite, teve dificuldade para dormir, cochilou somente após ouvir o galo cantar. O homem de branco voltou em sonho. Desta vez, explicou que ele deveria ir sozinho desenterrar a panela. Antes deveria pedir proteção a Deus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, padroeira da comunidade onde morava, pois seria um serviço difícil que precisaria de muita fé. Não devia contar para ninguém, permanecesse concentrado no serviço e em total silêncio. Nada poderia tirar a atenção dele. Ruídos e falas deveriam ser ignorados. Acordou com o corpo doído e lembrando perfeitamente do sonho. Ficou pensando consigo mesmo: se o homem aparecer de novo, terceiro dia consecutivo, é porque a botija é de verdade.
De novo o homem foi personagem do sonho. Dele ganhou mais instruções. A botija deveria ser desenterra na noite seguinte. Ele teria que esconder o tesouro, não contar nada para ninguém e se mudar da cidade dentro de 15 dias. Mais uma vez acordou atordoado, pensou no que escutara do avô sobre botijas. Decidiu arriscar.
Naquela noite, quando todos já haviam se deitado, ele saiu sozinho, picareta na mão rumo ao casarão. Tudo estava no mais completo breu dentro da casa. Começou a cavar, enquanto o suor escorria pelo corpo. Após meia hora, a picareta bateu em algo parecido com um ferro. Levantou de novo o instrumento para tirar o achado. Foi quando ouviu um dos filhos chamando como se fosse um pedido de socorro. Parou o serviço e saiu correndo no sentido da voz. Já fora da casa, nada de gritos. Só a lua cheia no céu e alguns cachorros latindo longe, quebrando o silêncio.
O chamado fora uma ilusão. Voltou para dentro da casa. O buraco não mais existia. Por mais que procurasse, não mais encontrou o local indicado. A botija havia se encantado. A vida permaneceu como deveria ser. A história do tesouro perdido, ele passou a narrar para os filhos e netos.
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Jornalista, nascida em Reriutaba (CE), trabalha no jornal O Povo, em Fortaleza (CE). Na mesma empresa atuou como repórter especial, ombudsman e colunista.