Levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) chamado “Nomes do Brasil”, realizado com base no Censo Demográfico de 2010 aponta que apenas 57 pessoas foram registradas com o nome de Castolina. Uma delas nasceu nos anos 1920, no Rudela, como o município de Rodelas é conhecido.
Só que a fundação federal não relaciona este nome na Bahia. Não faz mal. Castolina Soares de Almeida era como ela se chamava. Baixinha alegre e desaforada, foi uma figura especial para a cidade e que continua presente no seu dia a dia, eternizada com seu nome no centro cultural.
E quem foi Castolina? Antes de tudo uma agitadora, animadora cultural, para usar a linguagem contemporânea, bem antes de ser a mais conhecida e ranzinza das beatas devotas de São João Batista, padroeiro do município. Sua resposta ao padre Rosário, recém-chegado à paróquia, depois de um embate verbal, entrou para a história do anedotário “rudelense”. O “vá tomar no ceboque” é inesquecível. Não levava desaforo para casa. Nem à prestação.
O padre nada entendeu. Mas os moradores, sim. E riram muito. A palavra consta no dicionário não escrito de “rudelês arcaico”. É o equivalente a uma parte localizada bem no final da coluna. Mandar alguém tomar no ceboque, bem… não é necessário completar as reticências. O mandar já diz tudo. Se fosse hoje, a frase ganharia o mundo pela internet. Viralizaria.
Rosário riu quando dona Júlia traduziu a palavra para ele. Castolina não se importava nem se intimidava com hierarquia. Não foi apenas uma vez que também se desentendeu com o bispo dom Jackson.
Uma das suas muitas atividades era montar os dramas, como eram chamadas as peças teatrais melosas naquela época. Criava, dirigia, escalava o elenco, produzia. Era a faz tudo e não admitia ser contrariada sob pena de jogar tudo pelos ares ou afastar a topetuda ou topetudo do elenco.
Estrepolias na missa
Também eram atrações para os fiéis, durantes atos religiosos, as suas disputas com outras mulheres católicas, quase tão devotas quanto ela. Uma delas aconteceu com dona Honorinda de Moura – as duas não rezavam o mesmo terço.
Era comum Castulina – como o povo lhe chamava, trocando o som do “o” pelo o “u” – atropelar um hino religioso puxado pela rival com outro e com tom de voz bem diferente, que a destacava. Ela tinha um timbre, reconheçamos, único.
E quem não riu com as gaitadas disparadas pela beata, sabe-se lá por que, bem no meio de uma missa. Uma das teses era que dormia durante a celebração e sonhava rindo alto. Só pode.
Durante muitos anos foi a organizadora do auto Pastoril que durante os festejos natalinos era realizado ao lado da igreja matriz. A beata agia com mão de ferro. Sem entrar no palco, protagonizava o eterno embate entre o azul e o encarnado. Era quem convidava e desconvidava as meninas que defenderiam as cores. Fazia bolos e galinhas assadas, prendas que eram levadas a leilão, com renda revertida integralmente para a Igreja.
Outra atividade que lhe dava prazer era sugerir – não raro, impor – nomes aos recém-nascidos. Foi madrinha de vários. Tinha um livro com centenas deles, que deveriam ser levados à pia batismal. De paciência curta, a perdeu de vez durante longa conversa com Fátima de Afra, quando da escolha do nome da filha.
Depois de apresentar várias opções e a mulher não gostar de nenhum, Castulina disparou: “então bote Maria Xibiu ou Xibiu Maria”. E foi embora. A menina foi batizada como nome de Dilma, a contragosto da beata.
Certa vez interrompeu uma reunião entre o pai dela, Domingos Almeida, um dos chefes políticos do Rudela, e parentes para dar o que considerava uma importante opinião.
Com não fora convidada, colou o ouvido na porta do quarto onde todos estavam. No leito de morte, o pai externou sua preocupação com a filha caçula, que não se casou. Ela entrou e disparou: “Felizmente, pai, se depender de mim pode morrer”. Mesmo naquele momento, risadas abafadas foram ouvidas.
conselhos para moças
O pai dela gostava de nomes com sufixo “ina”. Além de Castulina, batizou outras duas filhas como Eufrosina e Carmosina. Uma irmã dele era chamada de Frosina. Detestava que a chamassem pelo diminutivo Castu, não via carinho nisso. A depender do seu humor, o petulante corria o risco de ouvir uma rima desabonadora com o nome popular do esfíncter.
Castolina gostava de dar conselhos. Principalmente para as moças que, como estufava o peito e afirmava, assistiam suas aulas que versavam principalmente sobre relacionamento com os namorados. Um deles era que a entrega deveria acontecer só depois do casamento. Nem todas a ouviam.
Quem a viu dançando uma quadrilha junina, no final dos anos 70, tendo como par João de Zeferino não esquece o acontecido. Ela deu um show de animação, mesmo adotando um passo que nem de longe lembrava os de forró. Quem assistiu à apresentação ainda ri.
O seu amor pela Igreja Católica estava acima de tudo e de todos. Tinha que estar à frente de todos os movimentos que aconteciam na Igreja Matriz de São João Batista. De missas a novenas. No fim da sua vida, debilitada por diabetes, se afastou das atividades religiosas. Morreu na nova Rodelas. Informalmente foi uma freira sem o véu negro usado por aquelas que assumem os votos de castidade, humildade e obediência. Bem, com Castulina, este último seria contestável.
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Florestano de nascimento, coração rodelense e alma feirense, admirador de forró, MPB, autores nordestinos e músicas dos anos 80, Batista Cruz Arfer trocou a administração de empresas pelo jornalismo há 27 anos. O gosto pela reportagem alimenta diariamente a paixão que nutre pela profissão que abraçou, incentivado pelo irmão Anchieta Nery, também jornalista e professor universitário. Descende dos tuxás, tribo ribeirinha do São Francisco, torce pelo Verde e pelo Bahia.