Fim das trevas

A chegada do primeiro boleto da conta de energia elétrica, no valor de pouco mais de R$ 50, foi comemorada como um troféu pelos moradores da Fazenda Simplício, localizada no sertão de Conselheiro, em Canudos, às margens da BR 116. Primeiro, as 46 famílias da região aguardaram uma vida pela chegada dos postes. Pacientemente.

Depois, uma agoniada espera de seis anos com a rede passando às suas portas até que os fios fossem estendidos às residências. Mês passado, finalmente, a espera chegou ao fim. Estão conectados com a modernidade.

O 9 de junho vai ficar guardado para sempre não apenas na memória de dona Josefa Maria Brito, da Fazenda Simplício. Naquele dia, os homens da rede de energia chegaram à sua porta e finalmente a colocaram entre os brasileiros que tem energia elétrica nas suas casas – e consequentemente a retiraram do rol de milhões que ainda não tem o serviço.

 “Foram mais de cinquenta anos de espera. A energia faz a gente esquecer tudo”.

O largo sorriso mostrava a sua grande satisfação. Mas faz uma contagem estranha sobre a longa espera: “meu marido não tinha adoecido quando colocaram os postes…”. E mudou de assunto.

E para a sua família, a conexão corrige um erro que apenas os burocratas têm condições de responder. Ela disse que a família gastou horas em gabinetes, tentando entender o porquê de tanta demora ainda mais que a rede passa a poucos metros da sua casa.

“Agora a gente está planejando uma festa para comemorar esta importante chegada, possivelmente no final deste mês (julho) ”.

Uma buchada de bode será o prato principal que vai ser servido aos convidados.

TROCA DE GELADEIRA

Ela crê no ganho de qualidade de vida com a chegada da energia elétrica. A antiga geladeira a gás já foi trocada por uma que liga na tomada. Além da compra de equipamentos que ajudarão na lida diária da roça, a família planeja reabrir um restaurante, que foi fechado devido às dificuldades impostas pela falta de eletricidade.

Há algum tempo, o local servia como parada dos ônibus que faziam o transporte de passageiros entre Salvador e as cidades de Rodelas e Abaré, localizadas na divisa com Pernambuco. O problema é que no local não eram vendidas bebidas geladas, um dos motivos que levaram o negócio a ser fechado.

O salão do restaurante, decorado com cédulas de vários períodos e planos econômicos, ganhou lâmpadas e um freezer horizontal. Também foram comprados novos eletrodomésticos, como liquidificador e, como não poderia faltar, um televisor.

A energia também vai reunir a família.

“Minha filha, que mora em São Paulo e está desempregada, vai voltar para trabalhar aqui”, conta dona Josefa.

O outro filho, Manoel, planeja abrir uma borracharia. Afirma que não foi fácil ver a noite chegar, e com ela a escuridão, mesmo com a rede elétrica passando quase na cumeeira a da sua casa.

CANDEEIROS APOSENTADOS

O presidente da Associação dos Moradores do Simplício, Eraldo José de Souza, outro que esperou décadas para aposentar os candeeiros da sua casa, diz que energia elétrica significa progresso para a região.

Eraldo: esperança de progresso. Foto: João Batista Cruz Arfer

“Que cada um dos moradores façam o melhor proveito da energia elétrica para melhorar de vida e que busquem seus desenvolvimentos dentro das suas possibilidades. O que digo é que ter energia elétrica é muito bom”.

Eraldo diz que os beneficiados com a rede de energia elétrica terão ganhos em todos os sentidos.

“Além da esperada qualidade de vida, ganhos financeiros, a partir da possibilidade de se poder guardar uma comida para outro dia, as propriedades serão muito valorizadas com a chegada dos fios às suas casas”.

A região que saiu das trevas – no bom sentido, claro –, fica entre os povoados de Bendegó, usado como acampamento pelas tropas federais que participaram das campanhas que foram combater Antônio Conselheiro, e a Formosa, que pertence ao município de Macururé, por onde o líder da época passava para percorrer vilas e povoados da caatinga. Coisa de 30 quilômetros de distância entre um e outro.

Josefa e Eraldo têm opinião convergente com relação aos ganhos. Principalmente na parte alimentar.

“A gente nunca mais vai perder comida, porque geladeira vai conservar o que sobrar do almoço ou do jantar” – diz a dona de casa.

Já o presidente da associação afirma que a partir de agora carne de bode seca vai ser opção e não regra.

 “Quem puder vai comprar a sua geladeira e comer uma carninha verde e, se quiser, uma seca com farinha, que não faz mal. É muito bom”.

LUZ E LAZER

A energia elétrica também vai favorecer o lazer na região. O aparelho de TV vai começar a fazer parte deste mundo, antes distante de tudo. Na Fazenda Simplício uma placa de energia solar garantia o funcionamento de um destes aparelhos por algumas horas, sempre à noite. Era uma das poucas a ter um painel.

Energia elétrica, diz o produtor rural Manoel de Brito, significa melhora na qualidade de vida dos moradores da zona rural.

“A gente mata uma criação (bode ou carneiro) e tem que comer ele todinho seco, quebrado, porque não tem uma geladeira para conservar a carne fresca”, aponta uma das muitas dificuldades da falta de energia elétrica.

Na festança de inauguração, com certeza as carnes dos bodes e as trouxinhas da buchada serão guardadas no congelador. É o futuro que chega com atraso. O passado iluminado com lampiões, fifós e velas não será esquecido, mesmo que os moradores não façam esforço para lembrá-lo.

Florestano de nascimento, coração rodelense e alma feirense, admirador de forró, MPB, autores nordestinos e músicas dos anos 80, Batista Cruz Arfer  trocou a administração de empresas pelo jornalismo há 27 anos. O gosto pela reportagem alimenta diariamente a paixão que nutre pela profissão que abraçou, incentivado pelo irmão Anchieta Nery, também jornalista e professor universitário. Descende dos tuxás, tribo ribeirinha do São Francisco, torce pelo Verde e pelo Bahia.

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