A sinceridade do tempo
“O sertão está em toda a parte, o sertão está dentro da gente. Levo o sertão dentro de mim e o mundo no qual vivo também é sertão” – Guimarães Rosa
Se pudesse, teria nascido no meio do sertão. Por zelo dos meus pais, que queriam segurança no parto, fui nascer na capital. Com poucos dias de vida, minha mãe, numa viagem solitária, me trouxe de volta num ônibus de carroceria de madeira, por uma estrada de piçarra, sob o sol escaldante do Piauí. Foi viagem de dia inteiro para percorrer a distância que ligava Teresina a Simplício Mendes, no sul do Estado. De 1969 a 1981 – quando eu, meu irmão e minha mãe, já viúva, fizemos a viagem inversa em busca de melhores estudos – vivi nessa pequena cidade de pouco mais de 10 mil habitantes encravada na caatinga nordestina.
Em 2014, quando começamos a nos aventurar por Juá, Missi, Olho D’água, Riacho do Meio e Cacimba Salgada, comunidades rurais de Irauçuba, era como se estivesse numa viagem de volta ao sertão que já foi meu. A paisagem continua a mesma da minha memória de menino, não fossem as antenas parabólicas e as cisternas de hoje. Não me refiro ao chão rachado pela seca duradoura, e sim ao silêncio, à solidão e ao tempo contidos no campo de futebol vazio, na cruz solitária na beira da estrada ou na sinceridade do tempo que marca profundamente o rosto do sertanejo. O que busco neste trabalho, talvez fruto da memória visual, é retratar esse silêncio, essa solidão e esse tempo, que se misturam, se confundem e se ampliam numa imagem monocromática e imaginária de afeto e saudade.
DESERTOS E CORES
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Fotógrafo piauiense, radicado no Ceará. Autor de cinco livros e premiado internacionalmente por sua obra. Servidor do Ministério do Trabalho, atua na fiscalização contra trabalho análogo à escravidão.