Genésia Ferreira de Almeida, 47 anos, nasceu na comunidade de Água Preta, onde vive com o marido e quase sempre está acompanhada das duas filhas e os três netos, meninos que sonham em ser vaqueiros.
A roça, como chama sua propriedade, é conhecida como Alagadiço por causa do barreiro e de nascentes de água. Há 15 anos, ela amassa requeijão, às quintas-feiras. Foi nesse dia que a equipe de Meus Sertões acompanhou sua rotina.
A função começa cedo. Antes de soltar as vacas no fundo de pasto, Dema, marido de Genésia, tira o leite das vacas, que servirá para a produção do requeijão caseiro e para troca de produtos com parentes e vizinhos. Com o tio Zé Branco entrega cinco litros de leite e recebe uma grande quantidade de maxixe que será dividido com as filhas e a sogra.
As vacas são ordenhadas todos os dias. São dez animais.
“Vaca de pobre, ruim de leite, vaquinhas pé-duro da caatinga” – define Genésia.
São elas que fornecem os 200 litros, acumulados em uma semana, suficientes para fazer 10 quilos de requeijão. Já houve época, quando era permitido vender o produto na feira, que as peças que fazia tinham 40 quilos. Hoje, a prefeitura exige que as roças tenham estrutura de frigorífico para permitir a venda de laticínios.
O leite produzido todos os dias é desnatado, posto para coalhar, ferventado e vira a massa, que será transformada em requeijão. A massa fica no fogo até o meio-dia, depois é coada para que o soro seja separado.
Após a separação, a massa é lavada. A água é trocada várias vezes até “soltar o azedo que ela cria”. Aí é posta para cozinhar no leite fresco e fica o dia praticamente todo no fogo. Ela volta a ser escorrida em um saco e começa o processo de amasso. Se for para produzir requeijão desnatado, light, é misturada com leite. O produto comum é amassado com manteiga de garrafa. Genésia mistura um pouco de sal e pitada de bicarbonato.
O trabalho que começou de madrugada, deu ponto ao meio-dia e começou a ser amassado no fim da tarde por causa do calor, ficou pronto.
“Amasso usando a colher de pau. É cansativo. Tem que ter sangue no olho senão não aguenta não. Aqui a gente usa a palavra amassar o requeijão. Vai mexendo, quando ele começa a saltar da panela, ele salta do fogo. É sinal que deu liga. Fico mexendo por uma hora antes de colocar no balde quente. Se esfria, endurece. Se o balde for de alumínio gruda um pouquinho, mas se for de plástico não gruda.” – ensina.
A última etapa é alisar o requeijão por cima com uma colher, deixar esfriar e cortar os quilos que serão usados para trocar por outros produtos com parentes e vizinhos e consumir.
Do tempo que vendia na feira, ela guarda uma balança. Recorda que nunca levava seu produto cortado, preferia exibi-lo inteiro. Segundo Genésia, como choveu é tempo de fartura em Água Preta e mais de 20 mulheres fazem requeijão. Se fosse pagar pelo produto, despenderia R$ 20 reais o quilo – em período de seca chega a R$ 28.
Às vezes, ela é procurada por donas de barraca de café, mas não vende. O requeijão é um desjejum apreciado na região, mas as atravessadoras pechincham muito.
“Então não é vantagem vender” – diz .
Genésia dá graças a Deus porque não aprendeu a tirar leite das vacas porque senão ia sobrar tudo para ela, brinca. Também sonha com a possibilidade de os moradores montarem uma cooperativa e uma pequena indústria de laticínios com a ajuda dos governos municipal e estadual. Assim poderá voltar a fazer suas vendas na feira de Encruzilhada.
FAROFA DE REQUEIJÃO
O requeijão de Genésia tem um subproduto essencial: a farofa de requeijão. Ela é feita a partir da raspagem do tacho e misturada a um pouco de farinha, açúcar e um pouco de manteiga de garrafa. É gostosa, sustenta, serve para fazer uma sopinha e, principalmente, atende ao desejo de mulheres grávidas.
Em poucos dias, Genésia recebeu três pedidos de gestantes com desejo de comer a raspagem. Moradores de Encruzilhada também lhe procuram com o mesmo pedido, mesmo sem estar esperando neném.
Enquanto Genésia trabalha, os netos brincam no curral vazio, imaginando que são vaqueiros. Um deles, porém, assume o papel de touro e tem que ser derrubado. Quando cansam da brincadeira, vão jogar dominó.
Genésia aproveita o intervalo da produção para mostrar sua roça que tem equipamentos antigos com mais de 100 anos como um moedor de cana feito de troncos e uma desnatadeira manual. Há ainda tecnologias simples para esquentar a água em garrafas pet aproveitando o sol, um antigo trator, roda para produzir farinha e forno movido à tração animal para torrá-la.
Em seguida escolhe uma de suas galinhas caipiras, a maior delas, para chocar ovos de cocá (galinha da angola). Coloca a galinha em um caixote, sobre 24 ovos da outra espécie. Em oito dias acrescentará seis ovos caipiras. O objetivo é amansar os filhotes de cocá. Criados juntos com os “irmãos” de outra espécie, eles não ficam bravos. É a sabedoria do campo.
Essa mulher de Água Preta praticamente não para. Quando tudo parece estar calmo, ela avisa:
“Vou ajeitar a comida para nós”
E ruma para o galinheiro.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.