Os meios de comunicação tradicionais e até mesmo os mais recentes que não se desvencilham do modelo arcaico de jornalismo insistem em mostrar o Nordeste, mais precisamente o sertão, como um local miserável e fadado a insucessos e tragédias. Eles creem que a desgraça e a ignorância são os ingredientes para aumentarem a audiência, ganharem prêmios e prestígio. Raramente, mostram os problemas por aspectos alvissareiros.
Meus Sertões, voz dissonante deste modelo perverso de produzir informação, conta hoje a história da rua do Beco, na periferia na pequena Ichu, cidade sertaneja localizada a cerca de 180 quilômetros de Salvador. Ela é um exemplo da importância da organização comunitária, seja através de movimentos sociais ou de entidades religiosas. E nos mostra que o povo tem força para transformar a realidade em vez de ficar dependendo apenas do poder público.
As moradias nos fundos do cemitério municipal são habitadas por famílias de baixa renda, que viviam em péssimas condições e estvam esquecidas pelo poder público.
Em dezembro de 2017, moradores e integrantes de movimentos sociais e religiosos fundaram a Cáritas Paroquial, entidade de promoção e atuação social que trabalha na defesa dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável solidário.
Dez meses depois, quando o Papa Francisco celebrava mais uma vez o Dia Mundial dos Pobres, a Cáritas decidiu conhecer de perto as carências dos moradores da rua do Beco.
“Vimos casos de cortar o coração. Casas sem nenhuma estrutura, sem banheiros. As pessoas faziam necessidade em uma sacolinha plástica” – conta Edcarlos Almeida, que faz parte da Cáritas.
Depois da visita, foi lançada uma campanha. Além de doações, o grupo contou com a colaboração das velas que a Cáritas vende no Natal, chamadas de 10 milhões de estrelinhas. A entidade repassou cada velinha por R$ 4 e elas foram vendidas em Ichu por R$ 5. O real adicional foi destinado à melhoria das residências do Beco.
“Tapamos buracos na rua; fizemos as calçadas; pintamos as casas por dentro e por fora; cobrimos o teto de uma casa, tiramos toda madeira estragada que estava prestes a cais; fizemos fossas, arrumamos banheiros. Tudo isso com dinheiro que arrecadamos” – acrescenta Edcarlos.
No dia 23 de dezembro de 2018 foi feita a celebração dominical, no final da tarde. Em vez da igreja, ela ocorreu na rua.
Dias depois, o pessoal da Cáritas foi chamado pelos moradores. O grupo foi recebido com lanche, bolos e sucos feitos pela comunidade. Era a retribuição da comunidade.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.