Os poderes de Madrinha Dodô

Ofereço este bendito
Ao senhor que está na cruz
Que nos livre do inferno
Para sempre amém Jesus

“O sangue do meu Jesus”, extraído do livro Madrinha Dodô: 20 anos de Saudades – 101 Benditos de Romarias e Penitências, de Alcivandes Santos Santana e Antônio Ribeiro dos Anjos.

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A beata alagoana Maria das Dores dos Santos, aos 12 anos, acompanhou o Padre Cícero em suas missões. Com morte do “Padim”, em 1934, a Igreja Católica tentou banir o “fanatismo religiosos” e as beatas que seguiam o catolicismo popular – ritos criados pelo povo para se comunicar com Deus em uma época em que a Igreja estava voltada apenas para as elites.

Caridosa e conhecedora de penitências e benditos – cânticos elaborados em estrofes e entoados por uma romeira, seguido do refrão repetido pelos demais peregrinos –, Maria das Dores foi apresentada ao beato Pedro Batista, que estava de passagem pelo povoado Moreira, no município de Água Branca, em Alagoas, onde ela nasceu. Decidiu, então, segui-lo. Pedro percorreu cidades dos estados de Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Ceará e Bahia, até  se fixar em Santa Brígida, no nordeste baiano.

A afinidade com os trabalhos comunitários de atendimento aos pobres e o conhecimento que tinha dos rituais da Igreja fizeram a beata ganhar a confiança e se transformar em confidente de Pedro, de quem seria sucessora espiritual. Em Santa Brígida, Maria das Dores passou a ser chamada de Madrinha Dodô. Ela dava conselhos, ensinava rosários, benditos e penitências e acreditava que o sofrimento era o caminho para as almas se elevarem ao plano de Deus.

O historiador e escritor Alcivandes Santana conta que a Madrinha tinha uma forma interessante de liderar. Ele dá como exemplo a preocupação dela com a alimentação dos romeiros:

“Madrinha Dodô mandava servir todo mundo primeiro. O prato dela era o último para ver se recebia porções de tudo o que foi feito. Se faltasse algo, sabia que nem todo mundo comera as mesmas coisas. Se recebesse tudo, era sinal que deu certo. Era um tipo diferente de liderança. Normalmente o líder é servido primeiro”.

Mulher pede bênção à Madrinha Dodô. Foto: Do livro "Madrinha Dodô 20 anos de Saudades"
Mulher pede bênção à Dodô. Foto: Do livro “Madrinha Dodô 20 anos de Saudades”
SEM MEDO DE ESPÍRITOS OBSESSORES

A atual proprietária da Pousada Audálio, Maria do Socorro dos Anjos ressalta outras duas características de Dodô: livrar pessoas de maus espíritos e fazer curas. Socorro conta três histórias.

A primeira sobre possessão espiritual ocorreu com uma das irmãs da empresária. Y. segundo a dona da pousada, costumava mudar de comportamento com frequência. De repente, dizia que ia agredir a Madrinha Dodô e jogava praga e maldições. A família decidiu levá-la a um psiquiatra em Aracaju, capital de Sergipe, mas o pai de Y., Antônio Ribeiro, sugeriu que primeiro ela fosse levada à presença de dona Quinoa, rezadeira renomada.

Y. saiu de casa com o corpo endurecido. Na casa da rezadeira, no relato da irmã, “tirou espinhos das plantas sem se espinhar”. Dona Quinoa percebeu que aquilo não era caso de médico, pois se tratava de um espírito ruim que possuía a jovem. Mais: aconselhou que consultassem a Madrinha sobre o assunto. Dodô, no entanto, estava em romaria para Juazeiro do Norte (CE).

Quinze dias depois, Socorro procurou a líder espiritual da cidade e contou o que estava ocorrendo.

“Madrinha Dodô era uma pessoa sábia e bondosa. Pedi pra ir lá em casa ver minha irmã. Ela riu e disse que aguardaria a visita dela” – relata.

De volta à residência, a empresária contou o que aconteceu. A irmã foi tomada pelo espírito e disse que ia ver Dodô.

“Passava uma procissão na hora em que ela saiu de casa. Y. seguiu os romeiros e encontrou Dona Dodô na praça da Igreja de São Pedro, junto ao cruzeiro, onde a gostava de ficar. Minha irmã partiu em direção dela,  ameaçando agredi-la. Dodô deu de ombros e disse que ela podia bater. Mal encostou na Madrinha, Y. caiu em um choro convulsivo. Voltou para casa e nunca mais o espírito se manifestou” – conta.

Socorro também relata que um homem de São Paulo sofreu um acidente e ficou sem o movimento das mãos. De passagem por Santa Brígida, se encontrou com a beata, que perguntou se podia rezá-lo. Ele respondeu que tinha se consultado com vários médicos, sem resolver o problema. Acrescentou que não era uma reza que o curaria. Dodô insistiu, o homem aceitou a oferta a contragosto. No fim da reza, as mãos voltaram a se movimentar.

O mesmo aconteceu com a própria Socorro, que sofreu grave acidente automobilístico, quebrou dentes, afundou a face e rompeu cinco tendões, ficando com uma das mãos paralisada. A força da reza da Madrinha a curou, garante Maria do Socorro.

José Rodrigues, 97 anos, homem de confiança de Pedro Batista, conta que Dodô também era procurada por estrangeiros. Um deles foi o escritor peruano Mario Vargas Llosa, autor de “A Guerra do Fim do Mundo”, sobre Canudos.

“A conversa foi uma conversa que ela falou coisas pra ele coisas que ninguém aqui quase nem sabia, né? Aí, ele olhava pra ela assim como quem achava como é que podia ser um negócio daquele. Ele também mostrou ser uma pessoa sincera e disse que aquilo (massacre de Canudos) foi a maior ignorância que foi feita” – conta.

Há também o caso de uma americana chamada Patrícia, que visitava Dodô constantemente por considerá-la santa. Chegou a passar um ano em Santa Brígida, acompanhando os festejos. Dentre eles, as celebrações de Nossa Senhora da Boa Morte, no mês de agosto, quando as portas da Igreja de São Pedro, construída por Pedro Batista, ficam abertas 30 dias seguidos. E a imagem da santa passa cada noite em uma casa.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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