Todos os anos, no dia 29 de setembro, quilombolas e romeiros seguem a pé pelas trilhas da Serra das Figuras, em Mirangaba, no sertão baiano, para celebra o dia de São Miguel Arcanjo nas ruínas da igreja construída a mando do sertanista Romão Gramacho, em meados do século XVIII. Muitas histórias, personagens e lendas estão relacionadas ao local. Portanto, vamos esmiuçar cada uma delas.
Começamos com santo, integrante da mais alta hirerarquia dos anjos, ao lado de Gabriel e Rafael. Seu nome significa “semelhança de Deus”. São Miguel é o guardião celeste, príncipe e guerreiro que defende o trono celestial. É o defensor do povo e padroeiro da Igreja Católica, chefe supremo do exército divino, grande combatente e vencedor das forças do mal. Citado três vezes no antigo testamento, uma dela em Apocalipse 12:7-9, Miguel lidera os exércitos de Deus contra as forças de Satã e seus anjos e os derrota durante a guerra no céu.
O culto São Miguel existe desde os primórdios da Igreja. Os católicos acreditam que a oração de proteção do arcanjo é muito poderosa. Eis uma de suas muitas versões:
“São Miguel Arcanjo / Protegei-nos no combate/ Defendei-nos com o vosso escudo!/ Ó Príncipe celeste/ Pelo Divino poder/ Afastai de mim tudo o que não me faz bem/ São Miguel em cima, São Miguel em baixo/ São Miguel à esquerda, São Miguel à direita/ São Miguel à frente, São Miguel atrás/ São Miguel, São Miguel, São Miguel/ Aonde quer que eu vá/ Eu sou o seu amor, que me protege aqui, agora e sempre.“
No sincretismo religioso, São Miguel representa, dependendo da região do país, Exu, Oxóssi ou Xangô nas religiões afro brasileiras.
WordPress Image Gallery PluginO CONSTRUTOR
Nascido por volta de 1710, em Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo Amaro, Romão Gramacho foi sargento-mor e capitão do sertão. Ele viajava por Minas Gerais e pela Bahia em busca de ouro. Por onde passava, quando bem sucedido, fundava vilas e construía igrejas. Seu nome é citado como percussor da fundação de várias cidades – Itambé do Mato-Dentro (MG), Morro do Chapéu e Jacobina (BA), dentre elas. Seu nome também está associado a Área de Proteção Ambiental Gruta dos Brejões/Vereda Romão Gramacho, situada nos municípios de Morro do Chapéu, São Gabriel e João Dourado (BA).
Conta a lenda que Romão fez um pacto com o diabo para encontrar ouro na Serra da Figura. Ele enganou o capeta e construiu a igreja dedicada a São Miguel Arcanjo, por volta de 1750. O tinhoso ficou furioso e começou a dar coices nas paredes do templo. O fato de um dos lados da construção ser inclinado fez a história ganhar credibilidade.
Também existe o mito de que Romão escondeu ouro na igreja para escapar dos impostos cobrados pela corte portuguesa. Até hoje algumas pessoas vão até o local em busca do tesouro do bandeirante, que retornou para a terra natal muito rico e morreu em 1772.
A Igreja das Figuras permaneceu de pé até 1979. Nessa época, funcionários do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia estiveram no local e tiraram várias fotos do templo, do altar e das imagens existentes, mas nada foi feito no sentido de preservá-lo. Pouco mais de um ano depois, um raio teria destruído o telhado da igreja, depois incendiada.
O abandono do local por parte do governo estadual permanece mesmo depois de o Ministério Público encaminhar pedido de criação de uma unidade de conservação na Serra das Figuras, onde também foram achados objetos de valor arqueológico como urna funerária indígena.
O fotógrafo Thomas Bauer, que nos últimos anos acompanha a romaria à antiga igreja, diz que ela tem significativa importância histórica para as atuais e futuras gerações, além de ser um lugar de manifestação do sagrado, como demonstra a peregrinação anual dos devotos de São Miguel.
De acordo com o site Augusto Urgente!, a tradição foi mantida este ano, mas as fotos da nota publicada mostram que o movimento foi menor do que nas últimas romarias por causa da pandemia de Covid-19. Thomas esteve no local no mês passado. São deles as fotos da igreja e do ensaio feito em preto e branco, em 2017, que Meus Sertões publica.
Os moradores da região esperam que até setembro do ano que vem o novo coronavírus deixe de ser uma ameaça. O maior medo deles, na verdade, é que uma mineradora se instale na serra. De 2004 até hoje, a Jacobina Mineração obteve os direitos minerários para realizar pesquisas em 33 áreas de Mirangaba. Dez delas apenas no município; 17 na divisa com Saúde; três em área conjunta com Jacobina; duas entre Mirangaba, Pindobaçu e Saúde; e uma entre Mirangaba, Saúde, Caém e Jacobina. Em junho deste ano foi requerida mais uma autorização de pesquisa pela empresa.
A Jacobina Mineração é subsidiária da empresa canadense JMC Yamana Gold que possui e opera minas de ouro, prata e cobre no Canadá, Chile, Brasil e Argentina.
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.