Sonhos e feitiços

Olhos esverdeados e boa visão, os sapos, por terem apetite voraz foram criados em algumas regiões do mundo para dar conta dos insetos, pois, para maior eficiência, possuem línguas compridas alcançando as suas pequenas presas a longa distância.

Aumentam de volume ao encher os pulmões de ar numa atitude de defesa parecendo maior do que é. Duas glândulas atrás dos olhos expelem veneno leitoso que pode levar a morte dos seus predadores. Alguns trazem a peçonha na própria pele. Possuem patas longas e musculosas permitindo saltos surpreendentes.

Animal feio, não o era na criação. Reza a lenda que São Pedro resolvera fazer uma grande festa no céu para todos os bichos que voassem. Teimoso, e desafiado por Dona Araponga, o sapo cismou em ir e para tal se escondeu na viola do urubu. Entre os convidados causou surpresa – dançante e comilão.

Finda a festa, meteu-se na viola para retornar, mas advertido por outras aves, o urubu põe a descoberta a trapaça e o lança das nuvens abaixo. Mesmo sabendo-se merecedor do castigo mas vendo que se machucaria ao cair num lajeado, o espertalhão ainda ameaça as pedras bradando: “afasta pedra se não eu te esborracho, afasta pedra se não eu te esborracho, afasta a pedra se não eu te esborracho!…” E braaaaa!!! O pobre sapo arrebentou-se nas pedras tornando-se assim feio tal qual o conhecemos.

Considerado animal de poder, ensinamentos xamânicos, asseguram que o anfíbio pode ter a sua energia evocada para purificação, limpeza de energias negativas tanto pessoal quanto de ambientes, para criatividade e até para fertilidade e conexão com o criador.

Por nascer na água e depois passar a ter vida terrestre, é considerado símbolo de transformação. Sonhar com sapos traz significados diferentes a depender de sua cor: amarelo, sorte; vermelho, amor; preto, cautela. Se no sonho ele salta, livre-se dos medos e assume riscos, enquanto que os sapos mortos advertem quanto ao falecimento de alguém querido. Para a comunidade cigana o batráquio é animal maldito, associado a infelicidade e conflitos familiares.

O Verdadeiro Grande Livro de São Cipriano ensina feitiços “dos tempos dos mouros”, entre os quais aquele que se faz com um sapo para obrigar a alguém a amar contra vontade. Outros implicam em costurar a boca do animal com o nome ou fotografia de alguém dentro.

Em música de Aldir Blanc, canta João Bosco de um resto de angu deixado no prato do pato e costurado em boca de sapo para “dar rasteira” em marido infiel, assim como amarrar as suas patas com guia de vidro – vinganças dele mulher traída pelo arrependido Honorato que definha à condição de varapau e nem figa e reza o conseguem salvar do feitiço utilizando o sapo como instrumento, fonte de energias negativas.

É-nos contemporânea a matéria veiculada pelo jornal Estado de Minas em 2011 em relato da jornalista Alessandra Mello. “Uma inusitada história envolvendo política e magia negra tem deixado em polvorosa a população da pequena Buritizeiro, cidade do Norte de Minas, com apenas 27 mil habitantes. Na calada da noite, alguém tem colocado nas dependências da prefeitura sapos com a boca costurada ou colada. Dentro dos animais haveria papéis com o nome do prefeito, o padre Salvador Raimundo Fernandes (PT), que anda em pé de guerra com a oposição.”

E assim se perpetuam lendas, superstições e crendices. Do sapo virado em príncipe nos contos de fadas (lembrar que ele simboliza transformação) a rituais religiosos, tudo se conta. Fica para nós a compreensão e entendimento de como ele habita o imaginário popular produzindo temores e sortilégios e que, banhados no sumo cultural em que vivemos, comportamo-nos como sugere o ditado: “Em terra de sapo, de cócoras com ele”.

 

Nasceu e cresceu numa típica família brasileira. Potiguar, morando na Bahia há vinte anos, é médica de formação e pesquisadora da cultura popular. Nos últimos 10 anos abandonou a sua especialidade em cardiologia e ultrassonografia vascular para atuar como médica da família na Bahia e no Rio Grande do Norte, onde passou a recolher histórias e saberes. Nessa jornada publicou cinco livros.”. No final de 2015 passou temporada no Amazonas recolhendo saberes indígenas.

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