Os mártires

Na lista dos mártires incluídos no Memorial construído a mando do dom Luiz Cappio, então bispo da cidade de Barra, no sertão baiano, constam os quatro mortos pelas forças armadas e por policiais durante a Operação Pajuçara (à época grifada como Pajussara), que visava capturar e eliminar o ex-capitão Carlos Lamarca, um dos líderes da guerilha contra a ditadura militar. Além deles, foram homenageados duas lideranças de pescadores e agricultores, assassinados a mando de grilheiros, em Barra e em Muquém de São Francisco (BA). São eles:

CARLOS LAMARCA, 33 anos. Nascido no dia 23 de outubro de 1937, no Morro de São Carlos, bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, ingressou na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul aos 18 anos. Aos 20, foi transferido para a Academia Militar de Agulhas Negras, em Resende (RJ).

Em 1960, formou-se em aspirante a oficial e foi servir no 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna, em Osasco (SP), onde se destacou como um dos melhores atiradores do país. Dois anos depois participou das Forças de Paz na Organização das Nações Unidas, no Canal de Suez, entre os mares Vermelho e Mediterrâneo, durante conflito entre Israel, Palestina, Egito e outros países árabes. Ao retornar ao Brasil, em 1963, passou a servir na capital gaúcha, onde testemunhou a eclosão da ditadura militar.

De volta ao quartel de Osaco, começou a participar secretamente de um grupo de revolucionários contra a ditadura. Em 1967, promovido a capitão, planejou a deserção com um colega de farda, o sargento Darcy Rodrigues. No ano seguinte, encontra-se com Carlos Marighela, da Aliança Libertadora Nacional (ALN).

Já participando como integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Lamarca e seus companheiros pintaram um caminhão com as cores do Exército para por em prática a deserção e roubar o maior número possível de armas, explosivos e munições do forte de Osasco para municiar a guerrilha. O plano foi descoberto e o veículo foi apreendido em Itapecirica da Serra. Integrantes da VPR foram presos e torturados.

Na iminência de serem descobertos, Lamarca, Darci e outros dois militares, o cabo José Mariani e o solddado Roberto Zanirato pintaram uma kombi com as mesmas cores do caminhão e, no dia 24 de janeiro de 1969, fugiram do quartel com 63 fuzis, três metralhadoras e munições.

Mergulhado na clandestinidade, Carlos Lamarca um dos comandantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), formada a partir da união dos dissidentes da organização Política Operária (Polop) e militares do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). Foi condenado pelo Superior Tribunal Militar como traidor. Caçado pelas forças de segurança, comandou assaltos a bancos, montou um foco de guerrilha no Vale da Ribeira (SP) e chefiou o grupo que sequestrou o embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio de Janeiro. Bucher foi trocado por 70 presos políticos.

Em março de 1971, já na companhia de Zequinha Barreto, o líder guerrilheiro passa a integrar o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), permanecendo algum tempo no Rio de Janeiro e Salvador, tendo também a companhia de Iara Iavelberg. A família de Lamarca – mulher e filhos – já haviam sido levados para Cuba quando ele desertou do Exército.

O capitão Lamarca, juntamente com Zequinha e alguns companheiros tentaram iniciar um projeto de guerrilha rural no sertão baiano. Para detê-los a Operação Pajuçara foi montada pelas forças de segurança. O objetivo era capturar e eliminar o ex-oficial, no sertão baiano. Ele e Zequinha foram mortos em 17 de setembro de 1971, nas proximidades de Brotas de Macaúbas, terra natal do jovem baiano.

JOSÉ CAMPOS BARRETO, o Zequinha, 24 anos. Nascido em Brotas de Macaúbas (BA), em 1946, mudou-se para Garanhuns (PE). Ao completar 12 anos, foi matriculado em um seminário por determinação do pai dele. Ele só via seus familiares nas festas de final de ano. Aos 17, abandonou a formação para ser padre, voltou para casa e se tornou garimpeiro. A empreitada não deu certo e ele mudou-se para Osasco, em São Paulo, onde tinha parentes.

Em 1964, nova mudança. Dessa vez para São Paulo, onde se tornou presidente do Círculo Estudantil Osaquense e prestou serviço militar, no quartel de Quintaúna. Trabalhou como metalúrgico e foi funcionário da Lonaflex e Cobrasma (fabricante de vagões de trens). Em 1968, entrou para o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e liderou a greve na Cobrasma. Foi preso e mantido na Delegacia Estadual de Investigações Criminais (DEIC) e na Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) por 98 dias até ser liberado por um habeas corpus.

Passou para a clandestinidade e militou na VPR. Dois anos depois passou para o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Na mesma época, voltou à Bahia e foi designado para acompanhar Lamarca na implantação da guerrilha na região. Zequinha ficou ao lado do capitão até a morte dos dois, na tarde do dia 17 de setembro de 1971. Embora as forças armadas tenham contado a versão de que ele e Lamarca resistiram a prisão, os dois foram fuzilados enquanto descansavam à sombra de uma árvore, após 20 dias de perseguição contados a partir da fuga da Fazenda Buriti Cristalino. Com isso, chegou ao fim a Operação Pajuçara, que contou com a participação de 215 militares e policiais.

JOSAEL DE LIMA, o Jota, 50 anos. Era agente da Pastoral da Pesca. Também trabalhou na Comissão Pastoral da Terra. Foi diretor da Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco (Fundifran) e candidato a prefeito de Barra (BA) pelo PMDB, em 1982. Ativista em favor da reforma agrária, Josael foi assassinado por pistoleiros não identificados no dia 21 de maio de 1986.

LUIZ ANTÔNIO SANTA BÁRBARA, 24 anos. Foi morto por agentes do Estado brasileiro no dia 28 de agosto de 1971, em Brotas de Macaúbas, sertão da Bahia, durante a operação militar e policial que ficou conhecida como Pajussara. Nascido em 8 de dezembro de 1946, em Inhambupe (BA), Santa Bárbara era tipógrafo, professor e militante do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8). Segundo os órgãos de repressão, ele tinha os codinomes “Ramos” e “Merenda”. Policiais e militares apresentaram as falsas versões de que ele tinha se suicidado e que trocou tiro com seus algozes. Na verdade, Luiz foi morto com um tiro na cabeça.

MANOEL DIAS DE SANTANA, 77 anos. Trabalhador rural. Foi morto em Boa Vista do Procópio, em Muquém do São Francisco, no dia 8 de setembro de 1982. Ele e outros três trabalhadores foram feridos por resistir as investidas do grileiro Léo Diniz. Segundo dossiê da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entregue ao ministro Murilo Badaró, em novembro de 1984, os agricultores resistiram à queima de casas e destruição de suas roças.

OTONIEL CAMPOS BARRETO, 20 anos. Após as forças militares e policiais localizarem o ex-capitão Carlos Lamarca, o major Nilton Cerqueira e suas tropas chegaram a Oliveiras dos Brejinhos (BA). De lá, resolveram atacar na madrugada do dia 28 de agosto de 1971, a fazenda Buriti Cristalino, em Brotas de Macaúbas, pertencente a família Barreto. Durante a ação, na qual foram usados helicópteros, Otoniel foi morto com tiro no olho, dois nas costas (perfuraram um pulmão, o baço e o fígado) e um no ombro, ao tentar fugir da guarda de um policial. O investigador José Campos Correia Filho, o Campão, foi apontado como o autor do disparo. Ele pertencia a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury.

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Leia mais

A má conservação do Memorial dos Mártires A Operação Pajussara

 

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Legenda da foto principal: Portão do Memorial dos Mártires. Foto: Meus Sertões

Crédito das demais fotos: Lamarca: USP – Portal Latino Americano; Zequinha: Instituto Zequinha Barreto; Bustos do Memorial: Meus Sertões

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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