As aventuras de Giba – I

O bancário aposentado Gilberto Castoldi, Giba para os amigos, sofreu parada cardíaca, em abril de 2018. O coração ficou três minutos e meio sem bater. Foi o cardiologista Abdala Hamid quem o trouxe de volta à vida, aplicando choques com um desfibrilador.

“Eu sempre brinco que o VAR me mandou voltar porque eu já tinha ido embora” – recorda o paciente.

Após 10 dias de internação, o ex-funcionário da Caixa Econômica Federal recebeu alta e foi para casa prostrado. Ele não conseguia tomar banho, nem ao menos escovar os dentes.

Além da experiência de quase morte, Giba teve complicações após colocar um stent, pequeno dispositivo expansível de formato tubular, metálico, inserido no interior de uma artéria para prevenir ou evitar a obstrução do fluxo de sangue. A carótida direita secou e ficou totalmente obstruída; o coração perdeu 20% da função.

Por quatro meses, o mesmo pensamento rondou a mente de Giba:

“Será que eu não vou poder concluir o que planejei?”

A missão iniciada na passagem de 2013 para 2014 antes levaria ainda seis anos para ser finalizada.

A ORIGEM

Nascido em Encantado, uma das 40 cidades do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul, Gilberto tinha 47 anos quando se aposentou na função de gerente de contas de pessoas jurídicas (empresas).

Decidido a curtir a vida de forma saudável, começou a praticar ciclismo em 2012. Os primeiros percursos giravam em torno de Santa Cruz do Sul, onde mora atualmente.

À medida que se distanciava da base, passou a se valer da combinação ônibus/bicicleta. Pegava um coletivo da empresa Sinimbu ou da Viação Planalto ao amanhecer. Viajava entre duas e três horas e meia até Progresso, Boqueirão do Leão, Garibaldi ou Bento Gonçalves.

Retirava a bike do compartimento de bagagem e voltava pedalando. Sempre que possível parava em Encantado, a 90 quilômetros de Santa Cruz, para ver os pais.

Esses percursos eram feitos sozinho:

“Tem gente que decide fazer o caminho de Santiago de Compostela. Eu preferia andar de bicicleta para aliviar a cabeça e definir meus objetivos de vida. É um momento de introspecção muito legal. Eu gosto de pedalar em grupo, mas sem companhia é muito bom porque favorece à reflexão” – lembra Giba, casado e pai de três filhos, incluindo um casal de gêmeos.

O ex-gerente da Caixa gostou “da brincadeira”. Um dia, convidou o piscineiro Jaime André Hubner, que trabalhava para ele há 16 anos, a participar das “expedições”.

A dupla saía de manhã cedo, no carro de Jaime, um Hyundai Veracruz. O acordo era o seguinte: o piscineiro dirigia por todo o trajeto e Giba pagava as despesas.

No início, os dois misturavam viagens e longas caminhadas. Eles percorreram 65 quilômetros (37% do total) da Ferrovia do Trigo, em três etapas. Passaram por túneis de até 1.800 metros de extensão e enormes elevados, entre Guaporé, Muçum e Roca Sales.

Os principais viadutos são o 13 [1], o Mula Preta e o Pesseguinho. Os dois últimos têm 98 e 87 metros de altura, respectivamente, e foram construídos sobre uma estrutura de concreto e metal com cerca de 15 centímetros de distância entre os dormentes. A empresa que administra a ferrovia não permite a passagem de pedestres pelos trilhos dos viadutos.

 

O Mula Preta tem 380 metros de extensão e 98 metros de altura. Foto: Gilberto Castoldi

Por não haver uma base de pedras ou concreto abaixo da ferrovia para sustentá-la, esses viadutos são vazados e não possuem guarda-corpos. Caso um trem esteja passando só é possível se abrigar em pequenos recuos existentes a cada 50 metros.

 

O apoio no recuo da direita só é possível com as pernas abertas, apoiadas nas cantoneiras

Giba e Jaime se arriscaram quando atravessavam a pé o Mula Preta e um comboio com quatro máquinas e 82 vagões apontou na ponte. Cada um correu para uma direção e entrou em um recuo.

Alguns deles não têm mais a chapa metálica ou de madeira que sustenta uma pessoa. O jeito foi ficar com as pernas abertas, apoiadas em cantoneiras, enquanto a imensa composição atravessava lentamente a um metro e meio dos aventureiros. Quando a adrenalina passou, eles seguiram em frente.

 

O Viaduto do Exército ou “Treze” é o mais alto das Américas e o terceiro do mundo.

 Foi a partir dessa experiência que os dois iniciaram o projeto, que o ex-bancário temia não concluir por causa da parada cardíaca: conhecer todos os 497 municípios do Rio Grande do Sul.

–*–*–

Nota de pé de página:

[1]  O Viaduto 13, como é conhecido popularmente o Viaduto do Exército, fica localizado na cidade de Vespasiano Corrêa, colonizada por italianos. É o elevado mais alto das Américas e o terceiro do mundo.  Possui 143 metros de altura e 509 metros de extensão. Hoje é o principal ponto turístico de Vespasiano.

–*–*–

Legenda da foto principal: Giba no viaduto Pesseguinho, na Ferrovia do Trigo. Crédito: Arquivo pessoal

–*–*–

–*–*–

Leia a série completa

Os três gorilas e a cidade fantasma A solidão devora Não foram só alemães e italianos Os 12 mandamentos A última viagem

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

follow me
Compartilhe esta publicação:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Respostas de 5

  1. Acompanhei através das redes sociais parte dessa trajetória do amigo Gilberto!
    Achei o máximo!
    Sou professora, convidei ele a fazer uma visita e contar aos alunos um pouquinho dessa bagagem toda!!!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sites parceiros
Destaques