A guerra das sanfonas

Tudo começou em Dom Inocêncio, quando o empresário Salvador Nunes de Souza e o filho Sandrinho do Acordeon se uniram ao poeta e artesão João Dias para criar um monumento ao instrumento musical mais tocado na cidade.

Aliás, a população repete uma estatística, sem informar a fonte, de que há um tocador de sanfona para cada 35 inocentinos [1]. A número de habitantes do município é de 9.159, segundo o censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A obra foi concluída e inaugurada em setembro de 2019. Instalada a dois quilômetros do centro da cidade, na estrada que vem de São Raimundo Nonato, a obra, cujo arquiteto foi Wanderson Moura, virou notícia em todo o país. Inclusive, foi tema de uma reportagem no Jornal Nacional [2].

A fama e as dimensões – 5,10 m de altura por 3,80 m de largura – fizeram seus idealizadores cogitarem que ela constaria do Livro dos Recordes, o que nunca aconteceu. O monumento foi construído com recursos arrecadados pela Associação Cultural Acordes do Campestre, que ensina, gratuitamente, mais de 200 crianças a tocarem instrumentos musicais em Dom Inocêncio e em São Raimundo Nonato. A entidade foi criada por Salvador e Sandrinho.

A sanfona de Dom Inocêncio. Foto: Thomas Bauer

“Não tivemos ajuda das autoridades” – disse o cantor na época da inauguração.

A cidade ganhou projeção, no entanto, a falta de apoio magoou os idealizadores. Tanto que quando o empresário foi procurado pelo prefeito Laércio Júnior, de Senhor do Bonfim, com a proposta de derrubar o recorde piauiense, Salvador topou a empreitada e derrubou o próprio recordo.

“Era preciso fazer Isso. E é bom que se diga que a sanfona de lá causou um ciúme no poder público daqui (Dom Inocêncio)” – conta.

Portanto, com 7,60 m de altura e cerca de 7,50 m na parte mais larga, o município, que se intitula “a capital do forró da Bahia”, passou a ter o título de a maior sanfona do planeta.

Salvador, natural de Casa Nova (BA), no entanto, não vê a hora de receber nova encomenda e ultrapassar a marca, tendo como parceiro João Dias. Ele já definiu até o preço da mão-de-obra. Para saber quanto leia a entrevista abaixo.

BATE-PAPO
O empresário Salvador Nunes. Foto: Thomas Bauer

Queria que o senhor falasse um pouquinho de como surgiu o primeiro monumento da sanfona gigante em Dom Inocêncio, no Piauí?

A gente teve a ideia e levou um projeto para  a Câmara Municipal. E era fazer em uma praça lá na rua. Não deu certo, né? O poder público não aceitou. Depois de nos doar a praça, pediu de volta. E a gente resolveu fazer na entrada da cidade. E isso aqui era uma mata. A estrada tinha acabado de passar aqui. Começamos a arrancar a caatinga de picareta, de enxada. E não tinha uma pá de areia no chão pra gente iniciar.

E como vocês conseguiram material para a construção?

Começamos só com a ideia. Mas aí eu fiz uma lista de pessoas. O sinal do telefone pegava aqui e comecei a ligar para as pessoas. Falava, eu preciso de um saco de cimento, de uma carrada de areia, de um bloco, de uma pedra. Entendeu? E conseguimos fazer. Sobrou material com doação. 100% doação. Depois, demos uma continuidade e fizemos uma casa de show.

O senhor também construiu um outro monumento de sanfona em Senhor do Bonfim, na Bahia. Qual é a maior?

É a do Senhor de Bonfim.

É muito maior do que essa?

Muito maior.

Quais são as medidas dela, lembra?

Lembro, sim. Essa daqui está com 5,10m do chão até o final dela. E a de lá está 7,60m do chão até o final. Essa daqui tem 3,80m de largura; a de lá está com, 7,60m na parte mais larga.

Mas aí nesse caso, você mesmo derrubou o seu recorde?

Sim.

Por quê?

Era preciso e, inclusive, é bom que se diga, causou um certo ciúme no poder público daqui. É interessante que eles percebam que se você não dá valor, alguém vai dar. E eu espero que alguém nos chame pra fazer outra maior do que essa de Senhor do Bonfim. Eu vou ficar muito feliz por levar a nossa ideia e aumentar mais o tamanho dela. Dar mais sustentação à cultura do forró da sanfona.

Mas lá em Bonfim foi o senhor que levou o projeto para lá?

O prefeito de Senhor do Bonfim trabalhou numa cidade aqui por nome de João Costa (a 139 km de Dom Inocêncio) e um certo dia ele conheceu a gente dando aula numa praça, em São João do Piauí. Ele gostou do projeto e fez o convite.

E a gente ficou uma temporada conversando e negociando. Ele achou que o negócio podia sair por menos. Fez uma grande pesquisa e não achou ninguém que fizesse dessa forma. E depois que a gente construiu a sanfona, ele ficou maravilhado com o nosso trabalho. Ele viu que realmente valia a pena. Foi uma grande inauguração e ele ficou muito feliz por essa obra de arte estar na cidade dele.

A estrutura é cimento e ferro?

É a mesma estrutura que você usa pra fazer um prédio. Inclusive o engenheiro que nos acompanhou falou que a obra está acima da engenharia. Não tem nada que ele estudou que tivesse a ver com isso.

E um projeto igual a esse custa quanto?

Uma sanfona dessa daí? É complicado porque arte não tem preço. Depende da visão de quem encomenda. Não é que seja só o material. Mas a nossa mão de obra, se alguém quiser vai custar em torno de 150 mil em qualquer cidade no Brasil. Se for do mundo é melhor porque vou cobrar em dólares. Como eu quero muito ir lá pra fora, pagando as minhas despesas, eu vou por 150 mil reais convertidos em moeda americana.

–*–*–
Notas de pé de página

[1] Gentílico de quem nasce em Dom Inocêncio

[2] Noticiário de maior audiência da televisão brasileira.

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Legenda da foto principal: A sanfona de Senhor do Bonfim foi inaugurada em maio de 2024 e bateu o recorde que era do monumento de Dom Inocêncio. Foto: Divulgação

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Luiz, respeita Januário

 

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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