Santa Bárbara e a água milagrosa

Aconteceu em 1971, quando a atual diretora de Cultura de São Félix, Elba Matos, tinha cinco anos. O então prefeito da cidade Antônio Carlos Lobo Maia mandou um grupo de funcionários podar árvores e cortar o mato na Ladeira Velha. Segundo Elba, ao dar um golpe de facão no pé de jacarandá, um dos funcionários foi repreendido por uma mulher, que disse para ele não o cortar. O trabalhador preferiu obedecer a ordem do politico e decepou um galho.

Assim que o corte foi feito, começou a minar água do solo. Espantado, o funcionário resolveu parar de trabalhar. Ao tomar conhecimento da paralisação do serviço, o prefeito foi até o local e verificou que a notícia que recebera era verdadeira. O trabalho foi interrompido e o líquido foi enviado para análise. Antes do resultado sair, o servidor público disse que reconheceu a mulher que o admoestou. Na versão que apresentou, a advertência foi feita por Santa Bárbara, mártir turca, que foi degolada pelo pai por se recusar a renunciar ao catolicismo.

A história se espalhou e começaram a surgir relatos de que uma menina cega voltou a enxergar depois que lavou os olhos com a água. De acordo com o agente de turismo Hugo Costa, a análise constatou que a água tinha propriedades medicinais. Próxima à nascente foi colocada uma imagem da santa que no sincretismo religioso representa Iansã, rainha dos raios e das tempestades. A associação com a padroeira dos bombeiros ocorreu porque ao matar a filha, Dióscoro, rico comerciante, teria morrido atingido por um raio.

Histórias de curas diversas e de chagas que secavam ao serem banhadas proliferaram. Católicos e adeptos do candomblé começaram a fazer peregrinações até o local. O pesquisador Oséas Souza encontrou no Arquivo Público Municipal, um recorte da reportagem “Festa de Santa Bárbara e a Fonte do Milagre”, publicada no Correio de São Félix. Nela, consta que a primeira festa foi realizada no dia 4 de dezembro de 1971 e durou cinco dias.

“Arrastando multidões (…) as manifestações populares a Santa Bárbara, Padroeira da Fonte da Água da Ladeira Velha (…) vêm alcançando admiração, fé e gratidão de milhares de pessoas beneficiadas com o uso prodigioso do líquido, cuja fama ultrapassando as fronteiras do vale do Paraguaçu, se tornou motivo de procura intensiva, atraindo diariamente multidão de pessoas, incluindo curiosos e visitantes de várias regiões” – registrou o jornal.

A romaria incluía pregão, lavagem, missa e procissão, além da apresentação de samba de roda, capoeira e da Filarmônica Sanfelixta.

O Arquivo Público guarda outros recortes, cujos títulos são “Santa Bárbara: majestosa consagração durante os festejos do seu 1º ano de descoberta em São Félix”, “Admiração e fé a Santa Bárbara nos festejos de 1º a 5 de dezembro de 1971” e “Mais de 30 mil pessoas na festa de Santa Bárbara em São Félix”.

A movimentação de romeiros fez o prefeito Eduardo José de Macedo construir uma igreja em louvor à santa milagreira na ladeira que dá acesso à fonte d’água. O templo, incrustado numa rocha, foi projetado pelo arquiteto Diógenes Rebouças e ficou pronto em menos de dois anos. A inauguração ocorreu no dia 4 de dezembro de 1988.

Instalações atuais e festas antigas
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Até 2011, pelo menos, a movimentação era grande. Na programação, nove shows, dentre eles o de Tintim Gomes, da banda Corpos Negros, de Stylo do Gueto e dos grupos de samba de roda Unidos do Salva Vidas, Filhos do Varre Estrada e Filhos de Nagô. A parte religiosa era constituída pelo tríduo em louvor a Santa Bárbara, alvorada, missa e procissão. Aos poucos, a tradição foi acabando.

Ano passado, a tradicional imagem que ficava na gruta descoberta há 52 anos, na atual Ladeira do Milagre, foi furtada. O ladrão não identificado conseguiu abrir a porta de vidro, trancada por cadeado e teve acesso ao altar. A estátua de gesso nunca foi encontrada. Duas esculturas foram doadas para substituir a original.

Para se ter uma ideia do esvaziamento dos festejos, basta comparar a manchete da década de 70 que falava em 30 mil visitantes na romaria com o total de seguidores da página da Festa de Santa Bárbara em São Félix, publicada no Facebook. Ela tem 587 curtidas e 657 seguidores. Hoje, pequenos grupos aparecem esporadicamente durante o ano. Dentre os visitantes mais frequentes estão ciganos, religiosos católicos e adeptos de religiões afro-brasileiras.

O candomblecista Hugo Costa, que também é o zelador da cabocla do 2 de Julho, em São Félix, sonha com o resgate da festa, que já foi uma das mais animadas da região.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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