A pernambucana Rosa Campello retira do oceano a inspiração para sua arte
Quem vai à feira da reforma agrária, aos sábados, no Armazém do Campo, em Recife, já a viu Rosa Campello, 65 anos, vendendo seus produtos artesanais. Ativista, apoiadora do Greenpeace e catadora de lixo, ela é uma mulher que utiliza aquilo que encontra no mar como matéria prima de suas obras. Terrários (recipiente para terra, pedras, areia, plantas e materiais afins), esculturas, cangas, telas e joias nascem a partir da sua criatividade e do seu olhar sensível àquilo que passa despercebido por outras pessoas: o lixo.
A água parece ser o habitat natural para a mulher que recicla objetos jogados no mar. Diferente de uma sereia, nada ela atrai para o oceano, além de si mesma. No lugar de escamas e cauda, Rosa utiliza sua máscara de mergulho e duas varas, uma para pegar lixo e outra para retirar metais, e vai garimpando e limpando o ambiente à sua volta.
Natural de Olinda, a artesã é moradora de Piedade, na beira da praia, em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana de Recife. Ela pode ser encontrada perto da Igreja de Nossa Senhora de Piedade, onde trechos estão interditados por conta de ataques de tubarão. Inconfundível com seus cabelos médios grisalhos e sorrisos gratuitos, ela rega os coqueiros da orla em frente à sua casa todas as manhãs e mergulha para fazer a sua “pescaria” particular em área permitida.
A luz que ilumina a varanda de seu apartamento vem da vista que dá direto para o horizonte, o qual admira desde a infância.
“O mar era bem diferente” – diz.
Segundo Rosa, a água era mais verde, de um tom esmeralda. Botos, baleias e golfinhos eram fáceis de serem avistados da varanda dela. Era possível sentir os sinais da chegada deles. O cheiro forte de peixe e o deslocamento da água significava que eles estavam por perto.
“A gente sente. Eles investigam você antes de se aproximar”, conta a ativista que hoje só consegue ver o tubarão tigre, responsável pelos ataques ocorridos em 2023.
O perigo e as restrições para os banhistas de hoje não existem nas memórias de Rosa.
“Quando criança, a nossa brincadeira preferida era passar o dia na praia. Enchíamos o saco da minha mãe. Ela nem sempre podia deixar eu e meus quatro irmãos brincarmos, afinal tínhamos escola. Imagina levar cinco filhos todos os dias à praia?” – recorda.
Na infância, a gurizada aprendeu a nadar com o pai, Sebastião. Ele ficava no fundo e cada criança tinha que ir, um por um, até ele, rodeá-lo e voltar. Era uma competição.
A ativista lamenta toda mudança ocorrida no meio ambiente com o passar dos anos.
“É uma pena que destruíram tanto, e o mundo inteiro está assim: uma sopa de plástico”.
DEMISSÃO ‘VAMPIRESCA’
O início das atividades com a reciclagem ocorreu em 2015, quando Rosa começou a trabalhar no Museu da Cidade do Recife. Lá, ministrava aulas de reutilização de materiais, produzia mamulengos e aquarela com pigmentos naturais, além de hortas urbanas, que incluíam o reprocessamento de vidros e o desenvolvimento de terrários.
Em 2016, após o impeachment da então presidente Dilma Roussef, ela foi trabalhar com uma bolsa estampada com “Fora Temer”. A artesã disse que a atitude desagradou a diretora do museu, que deu um ultimato: ou tira o acessório ou deixa a repartição.
“Quem é você na fila do pão para mandar eu tirar meu “Fora Temer”?” – retrucou.
Nesse instante, aconteceu o “Fora Rosa”. E ela foi demitida. Hoje, conta a história rindo do caso e diz que não se arrependeu. Além disso, guarda a bolsa até hoje.
Mesmo não havendo nenhum pesar, a ex-funcionária lamenta a situação:
“Sinto falta de trabalhar num lugar tão lindo e cheio de conhecimento”.
Além de dar aula, ela também vendia seus produtos reciclados, por isso sofreu pelas perdas financeiras consideráveis.
“Vou cobrar tudo de Temer. É tudo culpa daquele vampiro brasileiro”, diz.
Atualmente, Rosa vende suas produções por meio das redes digitais e, presencialmente, na feira da reforma agrária que acontece no Armazém do Campo, no bairro de Santo Antônio.
O lugar é bem quisto por ela:
“Eu aproveito, faço minha feira e como uma feijoada. É muito bom aquele espaço, espero que mantenham. É uma maneira de juntar o campo e a cidade”.
Em sua barraquinha, cujo o mar é o protagonista, Rosa navega entre as referências ao oceano. As garrafas, telas e cangas à venda são estampadas por fotografias e reproduções de praias feitas por ela mesma.
Quando está na praia, a ativista não dá mais de 700 passos para encher um saco de lixo. Por outro lado, fica alegre quando encontra outras pessoas limpando as areias, como estudantes e o fotógrafo Xirumba, eternizado na música “Leque Moleque”, do cantor e compositor Alceu Valença.
E enquanto aguarda os velhos sinais da chegada golfinhos e baleiras, Rosa se sente como no tempo de criança. Ela tem esperanças de que não haja mais pessoas catando lixo para comer, como as que cruzam seu caminho. Também espera que no futuro não haja mais toda essa sujeira na água.
“Assim eu poderei ir à praia catar conchinhas do mar”.
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Legenda da foto principal: Rosa retirando lixo na praia. Foto: Guilherme dos Santos/Coletivo Caburé (PE)
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