A travessia do Balneário de Cassino ao Chuí tem 233 quilômetros, via beira-mar. O trecho, também conhecido como “a maior praia do mundo” vai do município de Rio Grande até o ponto extremo sul do Brasil, incluindo os balneários de Cassino, Hermenegildo e a Barra do Chuí. No dia 20 de agosto de 2023, Gilberto “Giba” Castoldi e seus companheiros de viagem deixaram os molhes da cidade portuária para uma viagem de seis horas em carro com tração 4×4.
É, talvez, o trecho mais impressionante das viagens e aventuras do bancário aposentado, porque é completamente diferente das imagens tradicionais do estado. Mistura cenários apocalíticos e outros de rara beleza: navios encalhados, destroços de barcos, leões marinhos e pinguins mortos, baleias no mar e faróis. Parênteses para revelar que na visita aos 497 municípios do Rio Grande do Sul, Giba fotografou e visitou pelo menos seis dos 23 equipamentos luminosos marítimos existentes na costa gaúcha e na Lagoa dos Patos, incluindo o Mostardas, Barra do Chuí – o mais avançado do Brasil -, Albardão, Sarita e Solidão.
O local de encalhe do navio brasileiro “Altair”, que transportava 3,4 toneladas de trigo do porto de San Pedro, na Argentina, para Natal, no Rio Grande do Norte, em 1976, acabou se transformando em ponto turístico. A embarcação enfrentou mar revolto, com ondas de até cinco metros de altura, levando o comandante Raymundo Bacelar do Carmo a decidir pelo encalhe para evitar o naufrágio e salvar a tripulação. Todos os 21 tripulantes sobreviveram, assim como o grupo “Pelo Rio Grande”, de Giba e companhia.
“Corremos riscos, mas tínhamos um ótimo motorista e os desafios foram superados com louvor”.
Ouvindo o viajante falar parece fácil, mas os preparativos para a viagem foram fundamentais para tudo dar certo:
“Estudei o trajeto durante três meses, analisei a previsão de tempo, dos ventos e das marés. Quem vai pela praia tem que andar na beira d’água, mas se a maré estiver alta ninguém passa. O vento Nordeste é favorável, o Sul joga água em cima de nós, também não dá para ir. Importante salientar que não tem sinal de celular em aproximadamente 80% do trajeto e os locais são desertos. Raramente passa alguém” – conta o líder da expedição.
Além dos estudos, Giba decidiu deixar o carro na garagem:
“Procurei um dos companheiros de viagem e perguntei quanto valia a camionete tracionada dele. Ele respondeu e eu falei: ‘Se perder o veículo, eu te pago. Ou vamos dessa vez ou não iremos mais. Quando chegamos, o motor esquentou porque trabalhava em alta rotação para não atolar na areia do ‘conchero’. Nós passamos todo o trecho sem conversar, torcendo para tudo dar certo”
“E se desse pane mecânica?” – pergunto
“O jeito era sentar e rezar” – responde Giba.
Isso porque entre as praias do Cassino e Hermenegildo existe um trecho de 50 quilômetros de estrada de conchas (‘conchero’) que ficam por baixo da areia e só são vistas após uma tempestade, quando o mar recua.
Segundo o portal ((o)) eco de jornalismo ambiental, o mar pode avançar de repente e engolir tudo, como se fosse um tsunami. Em 2004, um empresário paulista foi surpreendido e sua camionete ficou enterrada na areia.
Ainda de acordo com o site, o fenômeno ocorre quando as correntes naturais, em redemoinho, arrastam o que está no fundo do mar e atiram na praia. As conchas são os restos dos alimentos de peixes maiores e carcaças de bichos mortos por causas naturais. Os redemoinhos se formam quando o vão do arroio é maior que a água do mar que entra ou quando ocorre mudança nas correntes.
Nos anos 80, as estradas de conchas apareciam ao norte do Chuí em trechos alternados por cerca de 30 km. No entanto, ele passou para 50 km contínuos porque, segundo a tese do ambientalista José Ricardo Valle, de Santa Rita do Palmar, foi feita a retificação da foz do arroio Chuí para ajustar a fronteira entre o Brasil e o Uruguai.
Vermelho e solitário
Este não é o único ponto do litoral do Rio Grande do Sul que tem como característica longos trechos ermos. O distrito Doutor Edgardo Pereira Velho, em Mostardas, tem até um ponto turístico que o representa: o Farol da Solidão.
O sinalizador foi construído por causo do alto número de naufrágios na região, apelidada de “Cemitério de Navios”. Mar revolto, ventos fortes, tempestades frequentes são característica do local. Inaugurado em 2 setembro de 1929, inicialmente se tratava de uma torre de ferro de 17 metros de altura, pintada de vermelho, com lanterna a gás acetileno e alcance de 13 milhas náuticas (cerca de 24 quilômetros).
Vinte anos depois, com a ferrugem avançando pela estrutura, o farol foi instalado em uma estrutura cilíndrica de concreto mais alta (21 metros). Embora funcionando automaticamente desde a inauguração, o local era guarnecido por faroleiros da Marinha até 1986. Dentre as atribuições dos marinheiros estava a proteção das instalações.
Com a saída dos marujos, para evitar vandalismo, como o roubo das placas solares, a porta de entrada foi lacrada e outra foi construída mais acima. A lanterna atual, movida a energia solar, tem alcance luminoso de cerca de 28 quilômetros.
Colonizações diversas
O Solidão está localizado a 60 quilômetros da sede do município de Mostardas, onde se mantém a tradição do cobertor mostardeiro, feito de lã, e desde 2009, patrimônio cultural da cidade. No ano passado, sete artesãs produziam ponchos e coberta do mesmo modo artesanal dos imigrantes açorianos que ali chegaram no século 18. Elas utilizam tear manual, roca para enrolar e cardas para escovar a lã. Um cobertor de casal, utilizado quando o frio é intenso, custa cerca de 400 reais e pode ser adquirido nas páginas das fabricantes pela internet.
A presença de colonizadores de outras origens, além de alemães e italianos, foi um dos paradigmas quebrados por Giba e seus companheiros.
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Legenda da foto principal: Filhote de baleia morto na praia do Cassino (RS). Foto cedida por Gilberto Castoldi
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Próximo capítulo – Na sexta-feira (4/10), publicaremos o capítulo III-B: Os imigrantes e as diferentes colonizações.
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Leia a série completa
As aventuras de Giba Os três gorilas e a cidade fantasma Não foram só alemães e italianos Os 12 mandamentos A última viagem
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.