‘O Rio Grande do Sul é lindo’. Com essa frase, oo bancário aposentado gaúcho resumiu os
dez anos de aventuras que levou para conhecer todas as cidades do estado
Toda a vez que Gilberto Castoldi se aproximava de Pinhal Grande, no norte do Rio Grande do Sul, o acesso difícil impedia o prosseguimento da viagem. Na primeira vez, quando passou por Ivorá e Júlio de Castilhos, tudo era estrada de chão mal conservada.
Giba, então, foi adiando a visita enquanto pode. Em agosto de 2024, quase 10 anos depois do início de seu grande rolê pelo estado, quando descia de Cruz Alta, a ideia era completar o percurso planejado. Mas, ao chegar em Estrela Velha, a noite caiu, resultando em um novo adiamento.
No mês seguinte, quando não havia mais opções, o viajante soube que faltava asfaltar dois ou três quilômetros de estrada. Foram necessárias quase uma década para capear os outros 28 mil metros do caminho esburacado e pedregoso. Assim, no dia 10 de setembro terminava a visitação planejada por Giba e seus amigos.
Pinhal Grande é uma cidade de aproximadamente 3.800 habitantes. Emancipada de Júlio de Castilhos, em 1992, ela foi colonizada por portugueses, inicialmente. Os italianos vieram depois
No site da prefeitura são apontados pontos turísticos singelos como a cruz missioneira dos jesuítas. Inaugurada em 1984, um ano depois da comemoração aos 350 anos da fundação da Redução da Natividade. A cruz é uma homenagem aos indígenas Tapes e aos padres.
Outro exemplo é uma antiga figueira branca, plantada na década de 1930. A ramagem da árvore tem 130 metros de circunferência e está localizada em uma propriedade particular.
Dos 11 “cartões-postais” da prefeitura, Giba destacou apenas um: o antigo moinho Rubin. Trata-se de um prédio de alvenaria de três andares ainda hoje em funcionamento.
Na última reportagem da série “As aventuras de Giba”, o ex-bancário faz um balanço de suas viagens.
A PRAÇA E OUTRAS CURIOSIDADES
Durante a realização de seu sonho, Giba mapeou os lugares para os quais levaria os filhos e a mulher nos finais de semana ou em período de férias. Um dos locais foi a praça Tancredo Neves, no município de Victor Graeff, a 264 quilômetros de Porto Alegre e a 194 km de Santa Cruz do Sul.
A praça é conhecida nacionalmente por sua beleza. Nela, existem mais de 200 esculturas de ciprestes, podados artesanalmente em forma de pessoas, pássaros, animais e paisagens arquitetônicas. Criada, em 1982, a praça só começou a ser atração na região sete anos depois, quando Seu Mírio, conho Fredolino Selmiro Schmidt é mais conhecido, foi contratado para fazer parte da equipe de manutenção do local.
Especialista em topiaria (poda escultural), ele deu forma à “praça mais bonita do Rio Grande do Sul”. O trabalho exige paciência, pois a planta leva dois anos para tomar a forma idealizada pelo artista e até cinco para estar definida. Quando seu Mírio se aposentou, as esculturas perderam um pouco da forma, mas ele acabou sendo recontratado para manter a maravilha que criou. A praça, em 2006, foi declarada Patrimônio Histórico e Cultural do Rio Grande do Sul.
Outras constatações feitas pelo viajante:
“O pessoal não conhece, mas tem várias balsas no RS que são de tração manual, com cabo de aço. Tem uma em Nova Roma, que era uma mulher a dona da balsa. Eu brincava que ela era flex: movida por motor ou pela mão da proprietária, que puxava a corda instalada nos dois lados do rio das Antas” – diz.
A balsa em questão funciona das 6h às 22h. Os preços variam de R$ 4,75 (motocicletas e carros de passeio) a R$ 13,75 (caminhões toco e caminhonete trucada ou com reboque). Ela encurta o caminho de Nova Roma do Sul a Caxias do Sul em 27 quilômetros.
Outro aprendizado diz respeito aos preços dos hotéis. Os mais caros são os da serra gaúcha e das praias. No restante do interior, o preço médio da diária de solteiro é R$ 100. O quarto duplo sai por R$ 200, com ótimo café da manhã.
Já a maioria dos museus não têm muita visitação, apesar de as prefeituras se esforçarem para mantê-los. Normalmente, as visitações são feitas por estudantes do município, que não voltam mais quando ficam adultos. Muitas vezes, Giba os encontrava fechado e tinha que ir pedir a chave em uma igreja ou na casa de alguém.
Em cidades pequenas é comum que museus abram com agendamento prévio. Eles abrem só para atenderem turistas ou na semana de aniversário das cidades. O líder do grupo Pelo Rio Grande dá ótima referência ao Museu Visconde de São Leopoldo, um dos cerca de 100 museus que conheceu.
“Extraordinário, infelizmente foi todo alagado na enchente deste ano. Eu conheci antes porque do lado do museu tem o monumento em homenagem aos 200 anos da imigração alemã. Ele foi a primeira instituição com esta temática no Brasil, reunindo objetos, fotos e documentos referentes à colonização. Para recuperá-lo após o alagamento foi feita uma campanha de adoção de cada objeto.
Giba dá mais duas indicações. A primeira é de Carazinho: O Museu Olívio Otto de história política, econômica, social e de ciências naturais. Em 1972, a coleção, que já contava com cerca de 6 mil peças, passou a ser institucionalizada, ficando sob a responsabilidade da prefeitura de Carazinho.
“Tem municípios que fizeram convênios com o Ministério de Educação e Cultura e graças à Lei de Incentivo à Cultura fizeram uns museus, prédios novos, extraordinários. Exemplo, o município de Colorado, no norte do estado. A cidade deve ter 4.500 habitantes, mas tinha um padre que se dedicou a juntar todo o material. Ele tem um prédio gigante, bonito, lindo, bem cuidado, com ótima infraestrutura. O nome é Museu Boa Esperança, em memória dos imigrantes.
A FAZENDA
Quando perguntado qual local destacava após conhecer todos os municípios do Rio Grande, Giba fala que é muito difícil escolher só um. Diante da insistência, após pensar por um tempo, ele se rende:
“Depois de percorrer 60 quilômetros de estrada de chão, visitei a Fazenda Itu, em Itaqui, onde Getúlio Vargas passava férias, feriados e o Natal. Lá foi refúgio do ex-presidente entre o período que foi deposto, em 1945, e o retorno dele à presidência, em 1951. Liguei para o dono atual da propriedade [1], e fui autorizado a fazer a visitação” – recorda.
No final dos anos 1940, a Itu já possuía uma pista de pouso para aviões. Um dos poucos frequentadores era o jornalista Samuel Wainer, dos Diários Associados, e que mais tarde seria dono do jornal Última Hora, favorável ao presidente. Foi Wainer que fez a entrevista, na qual Vargas dizia que voltaria ao poder nos braços do povo, fartamente divulgada pelos veículos de Assis Chateaubriand. Atribui-se à reportagem a volta de Getúlio Vargas ao páreo pela sucessão de Eurico Gaspar Dutra e a eleição dele para presidente em 1950.
Giba acrescenta que o Rio Grande do Sul está cheio de atrações turísticas e históricas e que a cidade onde mora, Santa Cruz do Sul, é uma das mais bonitas do estado.
Por fim, ele nos conta que durante as viagens, enviava fotos para o jornal Zero Hora, que chegou a publicar cerca de 50 delas na seção do leitor.
“A cada dois passeios, eu mandava fotos. Aí começou a encaixar e não parou mais” – conta.
PLANOS PARA O FUTURO
A última viagem de Giba não encerrou as aventuras dele. A partir de agora, o ex-bancário quer repetir alguns dos trajetos antes de embarcar para as capitais, como por exemplo, ir de Quintão a São José do Norte.
Esta semana, ele já foi conhecer o museu da Família Bertussi, em Caxias do Sul. Foi recebido por Gilnei Bertussi, filho do grande Adelar Bertussi, cantando “Oh de Casa”, “Cancioneiro das Coxilhas”, “O Casamento da Doralicia”, “Balanço do Bugio”, “Baile da Serra”, dentre outras músicas. Os Bertussi são considerados os pais da música regional gaúcha.
Gilberto Castoldi ainda não decidiu se escreverá um livro sobre as aventuras vivenciadas nos 10 anos que deu a volta em todo o Rio Grande. Embora tenha muitos textos prontos em sua página no Facebook, Giba prefere fazer uma exposição de fotos itinerante sobre as belezas do estado.
O fato de estar reticente em relação a escrever um livro tem a ver com o trabalho que teria, incluindo a escrita, edição, impressão. A única coisa que tem certeza é que se concluir a obra, ela será distribuída para as escolas gaúchas e para os amigos, gratuitamente.
“Sou caprichoso, se publicar será um livro bem feito. Não tenho intenção em ganhar dinheiro com isso. Quero passar o que aprendi para os mais jovens” – planeja. O primeiro passo para isso já foi dado. Uma escola santa-cruzense o convidou para fazer uma palestra sobre as idas e vindas pelo Rio Grande.
Que venham as novas aventuras, Giba! O site Meus Sertões continuará te acompanhando.
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Nota de pé de página:
[1] O atual proprietário é Alceu Nicola, dono de uma rede de revendedoras de carros e motos no Rio Grande do Sul. O Grupo Nicola adquiriu a propriedade em 1995.
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Legenda da foto principal: Praça de Pinhal Grande. Foto: Divulgação
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Leia a série completa
As aventuras de Giba Os três gorilas e a cidade fantasma A solidão devora Não foram só alemães e italianos Os 12 mandamentos
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.