Paulo Oliveira (Meus Sertões)/Thomas Bauer (CPT-BA/ H3000) –
Nas duas últimas semanas, a equipe Meus Sertões/CPT Bahia foi buscar informações sobre questões relacionadas às onças que, segundo criadores de Itaguaçu da Bahia, estão atacando seus rebanhos ovinos, caprinos e bovinos. Para isto, lemos e pesquisamos, com a ajuda do programa Notebook LM, artigos, guias, reportagens e consultamos fontes diversas.
Dessa forma conseguimos obter dados que podem ajudar os criadores a proteger a si próprios e aos seus rebanhos. A apuração incluiu entrevista com a responsável pelo programa Amigos da Onça, Carolina Esteves, cuja conversa será publicada na próxima semana. A bióloga sugere solução de médio e longo prazo para mitigar o complexo problema causado por ataques dos felinos, que também devem ser preservados.
Na reportagem de hoje, em formato de perguntas e respostas, esclarecemos as diferenças entre onças pardas e pintadas, relatamos que grandes empreendimentos, como o Baixio de Irecê, não cumprem medidas de proteção aos animais silvestres, mostramos as causas dos principais conflitos entre humanos e onças, além de alert5rmos sobre o que deve ser feito em casos de avistamentos e ataques de rebanhos.
Importante ressaltar que as onças raramente atacam seres humanos. No entanto, isso acontece. Muitas vezes por descuido e práticas irregulares das vítimas.
Ah, ia esquecendo, também enviamos perguntas para o Inema, Ibama e para a Codevasf, que comanda o projeto do Baixio para que esclareçam a situação e expliquem se algo sendo feito para solucionar os problemas. Até agora, só a Codevasf respondeu.
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Em um grande empreendimento com grande área desmatada é preciso ter um plano de proteção aos animais silvestres, principalmente, onças?
Sim, com base nas fontes [1] consultadas por Meus Sertões, grandes empreendimentos que resultam em imensas áreas desmatadas são uma das principais ameaças à onça-pintada (Panthera onca), e há um claro reconhecimento da necessidade de planos e ações de proteção e mitigação diante desses impactos.
As fontes detalham como a perda e fragmentação do habitat, frequentemente causadas por atividades humanas como a expansão da agropecuária, o desenvolvimento urbano e a construção de infraestruturas (estradas, hidrelétricas, eólicas e canais de transposição do Baixio de Irecê, afetam drasticamente as populações de onças-pintadas
As principais ameaças estão relacionadas a perda e a extensa fragmentação dos habitats, somados à caça de espécies das quais as onças se alimentam e delas próprias. Na caatinga, agronegócios, mineração, exploração de energia hidroelétrica e eólica, além do adensamento populacional, fragmentam os habitats
A perda e fragmentação do habitat resultam na redução do espaço vital das onças, modificam seus padrões de movimentação, dificultam o acesso a recursos (alimento, refúgio, parceiros), isolam populações, reduzem o fluxo genético, diminuem a diversidade gênica e aumentam a probabilidade de extinção, especialmente em populações pequenas e isoladas
Quais as causas dos conflitos com os humanos?
A perda de habitat e a diminuição da base de presas naturais, frequentemente associadas à ocupação humana, levam as onças a predar animais doméstico. Essa predação, real ou suposta, gera prejuízo econômico e leva à caça e perseguição das onças como retaliação. O medo da presença da onça também contribui para a retaliação
Existe algum plano de proteção das onças?
Sim. O Plano de Ação Nacional para a Conservação da Onça-Pintada (PAN Onça-pintada) , foi elaborado através do ICMBio e em colaboração com especialistas e organizações. Em 385 páginas, este plano estabelece objetivos específicos relacionados à mitigação desses problemas. Isso inclui a redução da perda e fragmentação de habitats, a identificação de áreas prioritárias para conservação e proteção integral em áreas sob pressão de desmatamento, a manutenção e/ou restabelecimento do fluxo genético entre populações, a redução da caça e da retaliação de criadores, a mitigação do impacto da ocupação humana em áreas prioritárias, e a redução/compensação de impactos ambientais de empreendimentos diversos, o que não ocorre em muitos deles.
Existem leis de proteção às onças?
Sim, existem leis de proteção às onças-pintadas no Brasil, e a espécie é considerada totalmente protegida em âmbito nacional ao longo de quase toda a sua distribuição. As fontes indicam que a Lei Brasileira de Proteção à Fauna de 1967 (Lei Federal 5197/67) e a inclusão da espécie no Anexo I da CITES tornaram a caça e a comercialização de peles de onça ilegais no Brasil e no exterior. A caça à onça é caracterizada como um crime ambiental.
A lei 5197 prevê, no artigo 27, pena de reclusão de dois a cinco anos. No entanto, no Congresso Nacional foram apresentados projetos de lei que revogavam esta legislação. Em 2018, a proposta de um deputado do MDB de Santa Catarina foi arquivada. Apesar da punição criminal e multa – no caso de morte de onça é de R$ 5 mil, sendo que com agravantes pode chegar a R$ 20 mil – previstas, a caça ainda é largamente praticada em todo o país. A fiscalização precária por falta de servidores e recursos são alguns dos motivos.
Já a lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, em seu artigo 29, estipula que matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida terá pena de seis meses a um ano de detenção e multa.
A lei 9.605 não revoga a 5.197. Uma é complemento da outra. A mais recente, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, estabelece sanções penais e administrativas para condutas lesivas ao meio ambiente, enquanto a lei anterior trata da proteção à fauna, proibindo a caça e o comércio de animais silvestres, por exemplo.

Quais as espécies de onças existentes no bioma caatinga?
Duas espécies de onças são mencionadas no contexto do bioma caatinga. A primeira é a onça-pintada (Panthera onca). Ela é considerada criticamente em Perigo (C2 ai) nesta região. A avaliação realizada aponta que a espécie ocupa cerca de 21% do bioma, o que representa 10% da área total. A população desse animal é descrita como extremamente fragmentada, principalmente devido à ocupação humana.
A outra espécie é a onça-parda (Puma concolor), localizada principalmente na região do Boqueirão da Onça, no noroeste da Bahia. Embora a onça-parda seja responsável pela maioria dos conflitos envolvendo predadores e produtores rurais nesta região, a onça-pintada é comumente culpada e perseguida da mesma forma. A onça-parda é classificada como “em perigo” de extinção na caatinga, enquanto em outros biomas brasileiros sua classificação é “vulnerável”, segundo a Mongabay, plataforma de notícias de conservação e ciência ambiental.
Vale ressaltar que a classificação de preservação de animais depende de aspectos geográficos, habitats, biomas. Globalmente a onça pintada é listada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês) na categoria baixo risco, quase ameaçada.
No Brasil, ela está na lista dos animais ameaçados de extinção do Ministério do Meio Ambiente, categorizada como vulnerável (VU).
Segundo os critérios da cientista Georgina Mace (1953-2020), do Instituto de Geologia de Londres e do biólogo Russel Landel (Universidade de Chicago), a onça-pintada se encontra em situação crítica na Mata Atlântica, Floresta Subtropical e Cerrado. É considerada ameaçada no Pantanal e na Amazônia. E, criticamente em perigo, na Caatinga. Isso significa que o total de indivíduos maduros é menor do que 250. Ela é considerada a espécie mais ameaçada neste bioma.

Quais os hábitos alimentares das onças-pintadas e onças-pardas?
Os hábitos alimentares das onças-pintadas (Panthera Onca) e onças-pardas (Puma Concolor), especialmente no contexto da predação de animais domésticos e conflitos com humanos.
As onças-pintadas são grandes carnívoros. Elas não se alimentam todos os dias e podem alternar períodos de fome e saciedade, chegando a comer até 25 quilos de carne de uma só vez. Em média, uma onça consome de 35 a 40 quilos de carne por semana. Sua dieta inclui presas nativas, como porcos, antas, gado, queixadas, capivaras, veados, jacarés, cutias e tamanduás-bandeira. Elas podem atacar animais domésticos, especialmente o gado, o que gera conflitos com fazendeiros.
Essa predação tende a aumentar onde o desmatamento e o avanço das pastagens diminuem a disponibilidade de presas naturais, aumentando a proximidade entre onças e rebanhos diversos. O impacto da predação é variável e depende da disponibilidade de presas nativas
A onça-parda também preda gado, gerando conflitos com fazendeiros. Na região do Boqueirão da Onça (caatinga), ela é responsável pela maioria dos conflitos envolvendo predadores e produtores rurais.
Em resumo, ambas as espécies predam uma variedade de animais nativos de grande porte, e a predação de animais domésticos, especialmente o gado, é uma característica comum em áreas de sobreposição com atividades humanas
Qual o tempo médio de vida das onças pintadas e onças pardas?
A onça-pintada tem expectativa média de vida de aproximadamente 10 a 15 anos. Apesar disso, em cativeiro, há casos de machos e fêmeas reproduzindo com 20 anos de idade. As taxas de mortalidade atuais indicam que poucas onças atingem os 15 anos.
Já a onça-parda, segundo a Wikipedia, vive de oito a 13 anos na natureza e de 4 a 19 anos em cativeiro. Raramente chega aos nove.
Quais as características principais das onças pintadas?
A onça-pintada é o maior felino das Américas. Sua área de distribuição atual se estende desde o norte do México até o noroeste da América do Sul (Colômbia e Equador), leste do Peru e Bolívia (leste dos Andes), norte da Argentina e por todo o Paraguai e Brasil.
Atualmente, sua distribuição corresponde a apenas 50% do que era no passado. No Brasil, ocorre em cinco biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado e Pantanal. A Amazônia brasileira contém mais da metade do maior bloco contínuo de hábitat remanescente para a espécie
São animais altamente oportunistas e capazes de utilizar uma incrível variedade de hábitats. São descritos como territorialistas e estabelecem áreas de uso intensivo. Tendem a se evitar espacialmente durante a estação chuvosa. A sobreposição das áreas de vida dos machos é extensa, sugerindo que não mantêm territórios exclusivos, enquanto a sobreposição entre machos e fêmeas ocorre em ambas as estações. Podem ser mais sociais do que se pensava anteriormente, com observações de indivíduos interagindo ou usando a mesma área
O tempo de gestação da onça-pintada é de aproximadamente 3,5 meses (105 dias). Ela tem até quatro filhotes, embora a média seja dois. Os filhotes permanecem com a mãe por cerca de 18 a 24 meses, tornando-se independentes em seu segundo ano de vida. A fêmea dá crias a cada dois anos.
A idade da primeira reprodução é estimada em 3 anos para fêmeas e 4 anos para machos na natureza. O sistema de acasalamento pode ser poligâmico e promíscuo. Fêmeas podem ter a primeira prole aos 3 anos em média na natureza. Os filhotes se tornam independentes entre 18 a 24 meses
Machos jovens tendem a dispersar mais cedo e mais longe que as fêmeas, sendo um elemento chave na colonização de novas áreas e conexão de subpopulações. Distâncias de dispersão de mais de 60 km e 30 km foram documentadas em diferentes estudos
E da onça-parda?
Está presente no Pantanal e na Caatinga. Também predam gado, causando conflitos com fazendeiros. Na região do Boqueirão da Onça (Caatinga), a onça-parda é responsável pela maioria dos conflitos envolvendo predadores e produtores rurais.
A onça-parda tem um período de gestação que varia entre 82 e 98 dias, com um parto médio de três filhotes. O número de filhotes por ninhada pode variar de um a seis. Os filhotes nascem com cerca de 400 gramas e com pintas no corpo, que desaparecem com o tempo.
As onças-pardas são solitárias e as fêmeas são altamente cuidadosas com seus filhotes. Os filhotes permanecem com a mãe por cerca de um ano, aprendendo a caçar e a sobreviver no seu ambiente natural.
Por que a onça costuma sangrar mais animais do que pode comer?
Isto ocorre, segundo a bióloga Carolina Esteves, do Programa Amigos da Onça, por causa do efeito “surplus killing” (matança excessiva, em português). Esta é uma das características comuns em várias espécies de carnívoros, que eliminam um número muito maior de presas do que conseguem consumir, especialmente ao invadirem ambientes onde estão indefesas.
Em quais condições as onças atacam seres humanos?
Os ataques de onças a seres humanos não são comuns. Na verdade, os casos documentados de ataques fatais de onças-pintadas a pessoas no Brasil são raríssimos. Globalmente, a onça-pintada representa um perigo muito menor para os humanos do que outros animais, como cães domésticos.
Apesar da raridade dos ataques diretos a pessoas, o medo da presença e o risco potencial percebido de ataques a populações humanas são fatores que contribuem para a caça e perseguição das onças. Ataques de onças a humanos são raros, mas podem ocorrer por diferentes motivos, como escassez de alimento, defesa do território ou filhotes.
Qual foi o último caso registrado?
O caseiro Jorge Avalo, de 60 anos, morreu após ser atacado por uma onça-pintada com dentadas na cabeça e nos braços, às margens do rio Miranda, no Pantanal de Aquidauana (Mato Grosso do Sul), no dia 21 de abril deste ano. Jorge trabalhava no local havia 16 anos e estava acostumado com a presença de onças na região.
A causa mais provável para o ataque é a oferta de alimento para animais silvestres, conhecida como ceva. O coronel José Carlos Rodrigues, comandante da PM Ambiental, explicou que a atividade é perigosa, pois pode provocar alterações no comportamento das onças. Explicou ainda que os animais selvagens, por causa disso, perderiam o medo dos humanos.
A onça capturada estava magra, desidratada, com deficiência hepática e mau funcionamento dos rins. Outras condições que podem levar a um ataque contra homens e mulheres: defesa do filhote, aproximação enquanto as onças se alimentam, encurralamento, costume com a presença humana, período reprodutivo, invasão de território, aproximação exagerada
O que deve ser feito se você avistar uma onça?

Endereços e redes digitais que podem ser acionadas:
Instagram: @amigosonca; You Tube: @programaamigosdaonca7350; Facebook: Programa Amigos da Onça; e-mail: programaoncas@procarnivoros.org.br
O que fazer se uma onça for capturada em minha propriedade ou atacar meu rebanho?
A primeira coisa a fazer é garantir a segurança de todas as pessoas e animais. Entre em contato com as autoridades ambientais locais.
Passos a serem seguidos:
- Garantir a segurança:
Se possível, mantenha distância da onça e evite qualquer movimento brusco que possa assustá-la. Se houver pessoas ou animais na área, leve-os para um local seguro e longe da onça.
- Acionar as autoridades:
Entre em contato imediatamente com as autoridades ambientais (Polícia Militar Ambiental, Corpo de Bombeiros) para que eles possam avaliar a situação e tomar as medidas necessárias.
- Fornecer informações:
Ao acionar as autoridades, forneça o máximo de informações possível sobre a localização da onça, seu comportamento e qualquer outro dado relevante.
- Evitar interações:
Evite qualquer contato direto com a onça e não tente alimentá-la ou tocá-la. Deixe que os especialistas lidem com a situação.
- Seguir as orientações:
Siga as orientações das autoridades e aguarde a chegada deles. Eles poderão decidir sobre o futuro do animal, seja reabilitação em um centro especializado ou transporte para outro local.
Contatos dos batalhões ambientais da PM na Bahia
Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental em Salvador (Pituaçu) Comandante: Major Érica Patrícia Santos Silva. Telefones – (71)99977-1079 / 999654-0863. E-mail:coppa.salvador.cmd@pm.ba.gov.br
Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental em Lençóis Comandante: Major Adriana Vilas Boas de Athayde. Telefone (75) 99100-3127. E-mail: cippa.lencois.cmd@pm.ba.gov.br
Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental em Porto Seguro Comandante: Major Leila Souza Gonçalves Silva. Telefone: (77) 99962-2445. E-mail: cippa.ps.cmd@pm.ba.gov.br
96ª Companhia Independente da Polícia Militar em Sobradinho. Comandante: Major Francisco Ângelo de Souza. Telefone: (74) 99818-0304. E-mail: angelo.sousa@pm.ba.gov.br
(Nos próximmos dias: Bióloga apresenta propostas para mitigar ataques de onças a rebanhos e a resposta da Codevasf)
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[1] Fontes: “Guia de Convivência Gente e Onças”, do Projeto Conviver Gente & Onças, realizado pela Fundação Ecológica Cristalino e Wildlife Conservation Research Unit; Onçafari, site da ONG que trabalha pela conservação da biodiversidade em diversos biomas brasileiros, com ênfase em onças-pintadas e lobos-guarás; Artigo “Predação de Gado por Onças do Pantanal”, publicado no boletim do Museu Paraense Emílio Goldi de Ciências Naturais; Reportagem “Sesc realiza uma das maiores pesquisas com onças-pintadas”, publicada no site da entidade. “Plano de Ação Nacional para Conservação e Ameaças à Onça-Pintada”, documento de 385 páginas, produzido pelo ICM Bio com a colaboração de pesquisadores e ONGs, em 2013; site do Programa Amigos da Onça.
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Legenda da foto principal: Onça-pintada. Foto do Projeto Onças do Iguaçu. Reprodução
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A porteira está fechando Criadores estimam prejuízos As órfãs de Vermelhinha
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Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.