SOTAQUE DE UM POVO NAS BARRANCAS DO VELHO CHICO.
“Henrique, moço. Que friagem é essa?”
“É o vento mineiro. Hem! Dalto, quando bate essa refrega de vento, me dá uma saudade dos lances, na rede de arrasto…”
“Boa coisa você tá lembrando, vazia ruim! Um sofrimento daquele.”
“Vandu, você lembra daquele lance de rede, na Ipueira, bem em frente ao Porto de Pedim?”
“Num lembro o que rapaz! Até hoje num sai da minha cabeça. O dono da rede todo pancudo e entusiasmado achando que ia matar a pau, que ia pegar muito peixe, até porque ninguém tinha tentado a sorte por aqueles lados.”
“E não pegaram nada, Vandu?”
“Cê num sabe de nada. Lançamo essa rede no ri. E depois de mais de duas horas de labuta. Era um tal de: “Arreia a rede de baixo. Puxa o calão da rede de riba. Agora trabaia a rede de baixo. Puxa o calão da rede de riba e baixa o chumbo da rede de baixo. Cuidado pro chumbo num revirar por riba da cortiça”…”
“Moço, foi agonia. E terminaram que hora?”
“Assunta, o dia já amanheceno. Começamos a puxar a rede… aí sentimo a rede pesada e mexeno muito. E todo mundo imaginando: “A pesca vai ser proveitosa”.”
“E foi o quê? Vai dizer que era o cumpade d’água balançando a rede? Cria vergonha, Vandu.”
“Presta assunto, rapaz. Eu sou hômi de andar com mentira. Deixa eu terminar. A rede cada vez mais pesada. A gente morrendo de botar força, e o dono da rede só dano risada. Quando pensa que não, a rede engancha. Começou a agonia, de novo. Era uma tal de: “marguia, desce, puxa” até que a rede soltou. Lá pela sete da manhã a rede encostou na beira do ri. Quando o dono da rede viu que o peixe era o tal do cari, peixe esse, sem servênça, sem vendagem, que ninguém quer, sem valor em dinheiro, ele mudou logo a feição, dizendo: “o diabo quem botou esse peixe aqui, porque isso num é coisa de Deus não”.
“Mas num deu pra vender nenhum, Vandu?”
“Aonde, moço. O povo não queria nem de graça. O dono da rede saiu distribuindo e só quem aceitou foi umas lavadeiras, deixando ele mais irritado ainda, quando agradeceu, dizendo: “Deus que lhe dê em dobro”
“E ele disse o quê?”
“Ele com aquele ar, respondeu: Minha senhora, pelo amor de Deus! Essa quantidade já me deu um prejuízo disgraçado, imagina o “DOBRO”.
COISAS DE XIQUE-XIQUE NA BAHIA
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Arilson Borges da Costa ,nasceu em 22 de fevereiro de 1970, em Xique-Xique – BA. Filho de sorveteiro e neto de pescador, é professor. Estudou contabilidade na escola pública de Xique-Xique, Bahia, porém em 2008 abandonou a área de exatas e passou a estudar letras vernáculas, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Ao longo de sua vida acompanhou pescadores às margens do rio São Francisco, no intuito de entender o sotaque do povo ribeirinho, por isso migrou seu trabalho para escrita de contos e causos do povo.