Quando a lei não serve de justificativa – Editorial

O silêncio das autoridades estaduais e municipais baianas com relação à implantação de uma mineradora em Sento-Sé é estarrecedor. A concessão de licenciamento para a Colomi Iron, que recentemente passou a usar a designação Tombador Iron, ameaça populações ribeirinhas de uma cidade que já foi severamente castigada com a transposição de seus antigos moradores durante a construção da barragem de Sobradinho.

O governador Rui Costa, o secretário de Desenvolvimento Econômico João Leão, defensor de um progresso que não leva em conta os danos que são causados nem o aumento dos índices de criminalidade, consequência que costuma acompanhar este tipo de empreendimento, a diretora-geral do Inema, Márcia Cristina Telles de Araújo Lima, ao não responder os questionamentos feitos por Meus Sertões, revelaram seus perfis antidemocráticos.

Recusam-se a respeitar o povo e os meios de comunicação, preferindo bajular jornalistas amigos, “sem os quais não é possível governar”. Esta estratégia, defendida por escrito pelo quarto presidente da República, Campos Sales (1898-1902), é praticada pela quase totalidade de políticos e gestores públicos. Eles esquecem que são servidores públicos e não servidores do capital.

A desculpa mais comum entre os governantes, incluindo a prefeita Ana Passos (PSD), aliada de Rui Costa, e àqueles que defendem à destruição da natureza é que a lei está sendo respeitada. Utilizar este argumento é desconhecer questões mais prementes seja por visão distorcida, ganância, torpeza, cinismo ou ignorância.

Em junho de 2015, o Papa Francisco publicou a encíclica “Laudato Si (Louvado Seja): sobre o cuidado da Casa Comum”. O santo padre inicia o documento com um trecho do cântico de São Francisco de Assis, recordando que a Terra pode ser comparada a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ou uma boa mãe, que nos acolhe em seus braços.

No segundo parágrafo é feito o alerta do mal que causamos à nossa Casa por uso irresponsável e abuso dos bens colocados nela por Deus. “Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la”, diz o papa.

Talvez seja querer muito que uma autoridade leia o texto da encíclica e reflita sobre a mensagem que ela passa. No entanto há outra opção mais rápida: o filme “Papa Francisco, um homem de palavra”, disponível no mais conhecido canal de streaming (transmissão de filmes). Logo no minuto 31, Francisco diz que a lei natural das coisas estabelece que o mundo viva em harmonia com tudo aquilo que foi criado por Deus. O que não segue este princípio é ruim.

“Eu penso, por exemplo nas águas contaminadas pela exploração mineral. Isso faz com que o local, em um raio de quilômetros, forneça às pessoas águas que causam doença. “Mas o governo permitiu isso. Vou contra a lei do governo que permitiu?” Sim porque estou salvando um bem maior. O bem da saúde da população, o bem da saúde da humanidade” – – diz o papa, enfaticamente.

Fica claro, portanto, a hipocrisia de quem faz o mal usando a lei como justificativa.

 

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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