Como definir o preço correto de uma peça de artesanato?

A equipe do Laboratório de Design O Imaginário, vinculado ao programa de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ajuda artesãos a dar sustentabilidade à atividade, a aprimorar o acabamento das peças, a utilizar novas tecnologias e, principalmente, a definir o preço justo das peças que produzem, com base nos custos de produção.

A artesã Joselma Alexandre Santos, do Centro de Artesanato Wilson Campos, na cidade de Cabo de Santo Agostinho (PE) elogia a atuação de designers e professores. Segundo ela, não há mais clientes reclamando do preço do artesanato local, pois o processo de precificação é transparente.

Tomemos como exemplo as peças esmaltadas mais vendidas no mercado. Dependendo do tamanho são produzidas de três a sete por dia. A grande consome duas horas; a média, uma hora. Depois, cada unidade passa pelo processo de secagem, que dura 15 dias.

A penúltima etapa é a colocação no “forno de biscoito”, onde o produto adquire durabilidade, resistência e impermeabilidade ao ser submetido a 1.000 graus centígrados por 12 horas. Por fim, a peça ficará três dias no forno de esmalte até fixar a cor.

Tibério Tabosa, especialista em precificação. Reprodução

Como então calcular o preço justo de cada produto? O engenheiro Tibério Macêdo Tabosa, especializado em estratégias de acesso ao mercado, conta que toda a vez que O Imaginário começa a trabalhar com grupos de artesãos a situação é a mesma: até ceramistas veteranos se surpreendem com os custos, que muitas vezes são deixados de lado. Dentre outros exemplos estão as despesas com armazenamento e mão de obra de parentes.

A equipe de Meus Sertões entrevistou ceramistas e professores da UFPE o para mostrar como a precificação correta beneficia a cadeia produtiva. Antes de falarmos nisso, vamos contextualizar como surgiu o laboratório de design da UFPE.

O Imaginário foi criado no ano 2003 sob a coordenação da professora Ana Maria Queiroz de Andrade – ela permanece na função. O laboratório surgiu a partir da aproximação da universidade com o programa de inclusão social Comunidade Solidária. Tendo como foco o design como instrumento da sustentabilidade ambiental, econômica e social, o grupo iniciou as atividades em Cabo de Santo Agostino.

A produção de cerâmica utilitária no Cabo surgiu no período colonial. Com o fim do ciclo da cana de açúcar, as olarias da região, fornecedoras de tijolos e telhas para as usinas, ganharam autonomia e diversificaram a produção. No início do século XIX, elas passaram a ser mais conhecidas pelo nome dos donos do que pela ligação com os engenhos. Nos anos 1970 do século XX houve crescimento significativo da atividade. Novas tintas e vernizes foram introduzidos no processo de produção da cerâmica.

Em 2006 devido à poluição provocada pelos fornos à lenha e a utilização de componentes químicos, os artesãos do bairro Mauriti, área central da cidade, foram transferidos para o centro de artesanato construído pela prefeitura, à margem da rodovia que liga o Cabo de Santo Agostinho a São José da Coroa Grande. A estrada tem um grande movimento de turistas. As novas instalações facilitaram a renovação e ampliação do portfólio dos ceramistas.

Artesãos parceiros de o Imaginário em 2018. Reprodução

A atuação dos integrantes de O Imaginário no Cabo foi incrementada com a assinatura de patrocínio da Petrobras por dois anos (2013-2015), o que possibilitou o desenvolvimento de um plano de negócios e a implementação de uma série de ações visando a sustentabilidade do centro artesanal. O contrato estabelecia a precificação adequada dos produtos como uma das prioridades.

A nova unidade produtiva e comercial do município passou a ser administrada pelos artesãos, que aprenderam novas técnicas e passaram a desenvolver peças decorativas, figurativas, gourmet (voltadas para restaurantes) e de jardinagem. O grupo abandonou de vez a tradicional fabricação de filtros.

O designer Erimar José Dias Cordeiro, da equipe de O Imaginário, conta ter havido dificuldade inicial na identificação de todos os custos objetivos e subjetivos que fariam parte do sistema operacional do aplicativo de precificação, que passou a ser chamado de “calculadora”. Também foram levados em conta a criatividade, experiência e renome do artista.

Para quem ainda não conhece, Nena é o apelido de infância de Severino Antônio de Lima, único artesão do Cabo detentor do título de mestre de ofício concedido pelo governo estadual. A convivência com o pessoal da universidade fez o artífice abandonar a cerâmica utilitária e investir na criatividade. O artesão chegou a produzir 300 filtros de água por dia.

A CALCULADORA

Tibério Tabosa considera a comercialização uma das principais dificuldades encontrada pelos artistas das comunidades onde atuou. A começar pela precificação, envolvendo desde os custos do barro às despesas previdenciárias e operacionais do centro de artes manuais, além de reserva para investimentos e reposição de equipamentos.

“Todas as equações matemáticas, suas interações e percentuais de incidência constituem o sistema de precificação da calculadora. Ela tem uso simplificado e de fácil interação em qualquer tipo de tela. A partir de dimensões básicas como peso e altura rapidamente é calculado o custo e feita uma sugestão de preço de vendas. A esse valor pode ser acrescida a margem do artesão em função de seu renome” – explica.

O engenheiro diz ainda que o sistema evita prejuízos, pois sinaliza e não permite o cadastro de produtos cujos custos não estejam totalmente cobertos. Outra vantagem do programa é recalcular automaticamente todo o banco de dados quando uma variável é alterada. Para os clientes que compram presencialmente no mercado a economia chega a 300%.

Pinhas esmaltadas de Mestre Nena. Reprodução

Em relatório produzido, entre maio de 2017 e abril de 2018, Tabosa tomou como exemplo a pinha esmaltada. Os custos de produção da peça foram detalhados da seguinte forma:  extração do barro (R$ 0,66), beneficiamento (R$ 1,64), modelagem (R$ 28,70), queima de gás (R$ 18,23), esmaltação (R$ 7,98), queima elétrica (R$ 7,50), reserva de quebras (R$ 9,61), custos fixos gerenciais e administrativos (R$ 7,77).

Já as despesas de preparação para o mercado contabilizam os valores despendidos com embalagem (R$ 4,00), distribuição (R$ 1,92), divulgação (R$ 0,39), operadora de cartão de crédito (R$ 3,92) e comissão de venda (R$ 4,90). Ou seja, a partir de quatro quilos de barros extraídos da jazida local até o ponto de ser comercializada, a pinha teve o custo de R$ 97,22. Aliada à reputação e o reconhecimento do mestre, ela foi comercializada na época por R$ 280 reais.

Pouco depois da finalização do relatório, Mestre Nena foi tema de reportagem nacional no programa “Mais Você”, apresentado por Ana Maria Braga, na Rede Globo. Os pedidos dispararam, agregando valor ao objeto, até hoje um dos mais vendidos por ele. O episódio é um exemplo de como o mercado valida os preços cobrados.

Mesmo sem a renovação do patrocínio da Petrobras, o pessoal do laboratório mantém contato direto com os artesãos do Cabo, revisando fórmulas e atualizando a calculadora de preços. Também faz, de acordo com o mestre, a conferência das contas do centro de artesanato, sem cobrar nada.

O laboratório atua ainda junto aos artesãos quilombolas de São Lourenço e aos artífices de cana brava, em Ponta das Pedras, ambas comunidades de Goiana (PE). Aliás, a cestaria é o ramo mais prejudicado pela atuação de empresas chinesas, indianas e indonésias, que atuam no Brasil. As peças importadas são negociadas por valor simbólico, o que torna a concorrência desigual. Para permanecer no ramo, as cesteiras pernambucanas investiram em qualidade, design, adequação cultural e renome, diferenciando-se do produto industrial massificado.

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Serviço: A equipe da UFPE está disponível para atender outros grupos de arte popular através do e-mail contato@oimaginario.com.br. A coordenadora Ana Andrade recomenda o acesso ao site www.oimaginario.com.br, onde estão disponíveis pesquisas, teses, relatórios e dissertações.

Clique aqui para ver as fórmulas e o projeto da calculadora de preços na íntegra

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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