Cezarina

Os 52 quilômetros que separam o centro de Ibipeba e o povoado de Mirorós estão repletos de obstáculos. Na parte asfaltada há um ponto em que a estrada desmoronou parcialmente. Além disso, a buraqueira é infernal e os fios que levam energia para áreas irrigadas estão apoiados em forquilhas madeira em vez de postes de concreto. Já no trecho de chão batido é preciso enfrentar as “tempestades” de poeira que os caminhões produzem nos dias secos e os atoleiros no período chuvoso.

Para chegar ao destino passamos pelos distritos e povoados de Lagoa Grande, Serra Grande, Olho d’Água do Badu e Iguitu. Todos se parecem: chão vermelho, casas destruídas pelas últimas chuvas, carros velhos e carcaças espalhadas nas ruas, venda clandestina de combustível em residências. Nelas, o litro da gasolina custava R$ 8,90 na última semana de março.

Mirorós é conhecida por abrigar a barragem que abastece a região de Irecê e pelo perímetro irrigado em que se produz bananas e se cria gado, desperdiçando muita água. Repleto de bares, também é a terra de uma aguardente artesanal muito consumida na região. O consumo é tão elevado que após a morte do criador da bebida, no ano 2000, houve uma disputa entre os herdeiros. Hoje, três pessoas da família produzem a pinga em diferentes alambiques. Os rótulos são semelhantes e o nome é o mesmo: Cezarina.

caminho para Mirorós
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Quem conta a história sobre a “guerra da cachaça” e o que aconteceu em seguida é Laércio Pereira Souza, dono do bar Laercinho. Nascido e criado em Barra do Mendes, a 72 quilômetros de distância, ele chegou no povoado, onde lecionou e foi diretor de escola, em 5 de março de 1985. Antes de se aposentar, trabalhou como irrigante. Quando os dois filhos decidiram estudar fora, vendeu as terras e abriu o botequim.

“O primeiro fabricante o velho Cezar Queiroz. Ele começou em 1952. A bebida tem o nome de Cezarina por causa dele, que ficou à frente do negócio até morrer no ano de 1991. Dois filhos continuaram a produção, mas houve desavenças entre eles” – conta Laércio.

Segundo o comerciante, o mais velho, José, mudou o nome da bebida para “Zézarina” e passou a disputar o mercado local com o irmão João Antônio. Este, por sua vez, manteve a marca tradicional e lançou a Cezarina Ouro, vendida em garrafas de um litro. Após oito anos de disputa, o primogênito morreu de ataque cardíaco.

Foi a vez de dois netos de Cezar passarem a produzir a “marvada”. O primeiro, Emerson, é sobrinho de José. O rapaz adotou o apelido de “Collor” porque achavam ele parecido com o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello. Para diferenciar seu produto, ele colocou em destaque no rótulo a letra C, em vermelho, e manteve a figura de uma mulher fumando e bebendo à frente de feixes de cana de açúcar.

“É uma enrola grande” – diz Laércio.

Outro fabricante da bebida é Charles Magno, primo de “Collor” e sobrinho da mulher do comerciante.

João, “Collor” e Charles vendem a caixa com 24 garrafas de 600 ml por R$ 160. Cada garrafa sai por R$ 6,66 e é revendida por R$ 15. O dono do alambique mais antigo continua a produzir a Ouro, cuja receita é segredo. Um litro custa R$ 15 no atacado e é revendida a R$ 20.

Sobre a disputa entre os atuais concorrentes, o ex-professor deixa claro que “quem fazia a guerra era o finado”, mas os outros três estão em paz.

garrafas e garrafadas
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Laércio acrescenta que a cachaça só é comercializada no município, embora no Facebook haja fotos e postagens sobre a bebida em Sorocaba (SP) e Jussara (BA). Uma pessoa que se identifica como Rei Zinho ressalva que ela é “forte demais”. Vale lembrar que a graduação das marcas brasileiras legalizadas varia de 38% a 48% de álcool.

Com a experiência de quem vende 60 a 70 garrafas de pinga por mês e centenas de doses, o comerciante diz que um consumidor frequente toma cinco talagadas antes ficar tonto. Mas quem não está acostumado é derrubado na primeira ou na segunda.

O bar do Laercinho também oferece a Cezarina misturada com ervas, raízes ou cascas de árvores. As principais  são umburana, oliveira, alecrim de vaqueiro, pau-ferro e cipó escada de macaco.

Jornalista, editor, professor e consultor, 61 anos. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.

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